Liu Xia

Um pássaro finalmente livre

Liu Xia à chegada à Finlândia, dia 10 de julho Foto Lehtikuva/Jussi Nukari/REUTERS

Liu Xia à chegada à Finlândia, dia 10 de julho Foto Lehtikuva/Jussi Nukari/REUTERS

Foi concedida liberdade a Liu Xia, a viúva do Nobel Liu Xiaobo, que desde 2010 estava impedida de sair da China

Texto António Caeiro

Um amigo de Liu Xia, o escritor Liao Yiwu, exilado na Alemanha, sempre falou dela como “um pássaro”: na passada terça-feira, o mundo percebeu porquê. Quando desembarcou em Helsínquia, a caminho de Berlim, o primeiro gesto de Liu Xia, à saída do avião, foi abrir os braços. Ao fim de quase uma década de detenção domiciliária, a viúva de Liu Xiaobo — o único chinês galardoado com o Nobel da Paz, falecido há um ano sob custodia policial — podia finalmente voar. É poeta e fotógrafa. A primeira antologia dos seus poemas traduzida e publicada fora da China chama-se “Cadeiras Vazias”, uma alusão à cadeira que o marido — ou ela própria, em seu nome — não puderam ocupar durante a cerimónia de entrega do Nobel da Paz 2010.

Há apenas três meses, Liu Xia confessou que era “mais fácil morrer do que viver”. Em Pequim, onde vivia, policias à civil continuavam a vigiar o acesso à sua casa. Há um poema de Liu Xia, escrito em 2011, que descreve bem esse tempo. “Para mim o futuro é uma janela fechada/ onde a noite não tem fim/ e os pesadelos não podem ser levantados.” Sete anos depois, todo o seu rosto exprime agora alegria e vontade de voltar a voar. “Os poemas dela possuem uma dignidade que consegue sempre emergir de novo sempre que é agredida”, escreveu Herta Müller, Nobel da Literatura 2009, acerca da poesia de Liu Xia.

Liu Xia casou com Liu Xiaobo em 1996. Tinha 35 anos, menos cinco do que o marido, que estava detido num “campo de reeducação através do trabalho”. Era a segunda prisão de Liu Xiaobo desde a sangrenta repressão do movimento pró-democracia da Praça Tiananmen, em junho de 1989.

Critico literário e professor de literatura, Liu Xiaobo foi um dos promotores da “Carta 08”, um apelo a favor da “democratização da China”, difundido através da internet em dezembro de 2008. Embora moderada, a Carta defendia nomeadamente a “abolição do monopólio do poder pelo partido comunista” e a “independências dos tribunais” — o suficiente para a liderança chinesa se sentir confrontada com uma “tentativa de subversão do poder de Estado”. Liu Xiaobo seria preso e condenado a onze anos de prisão.

Liu Xia nunca foi acusada — nem julgada — por qualquer crime, mas desde então ficou também sob apertada vigilância das autoridades. No verão de 2013, escreveu ao presidente Xi Jinping: “Tenho estado sob prisão domiciliaria e perdi todas as minhas liberdades pessoais desde outubro 2010. Ninguém me explicou as razões da minha detenção. Pensei nisso muitas vezes. Talvez neste país seja um ‘crime’ ser mulher de Liu Xiaobo.”

A carta só teve resposta na terça-feira passada, numa conjuntura até há pouco tempo impensável. No mesmo dia em que o governo chinês autorizou Liu Xia a sair do país por “razoes humanitárias”, o primeiro-ministro chinês, Li Keqiang, encontrava-se em visita oficial à Alemanha, forjando uma aliança contra o inimigo comum: o protecionismo comercial instaurado pelo presidente dos Estados Unidos, Donald Trump.

Aquele magoado poema de 2011 terminava assim: “Quero ir para onde haja luz.” Liu Xia ainda não terá chegado lá, mas vai a caminho.