Daniel Oliveira

Antes pelo contrário

Daniel Oliveira

“The New York Times” dá força a Trump

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Como escreveu o “Washington Post”, o texto de opinião anónimo de um alto quadro da Casa Branca publicado no “The New York Times”, não traz nenhum dado novo sobre Donald Trump. Que ele é errático, impreparado, irresponsável e ignorante. De bom, o autor sublinha o banquete fiscal para os mais ricos e a desregulação económica. Porque isso corresponde à agenda republicana tradicional. A novidade que nos chega não é sobre Donald Trump, é sobre a existência de funcionários que o vão boicotando para que as coisas não descambem. Mas nem isso é novo. No seu livro, Bob Woodward (responsável pela revelação do Watergate) até fala do roubo de documentos da secretaria do Presidente para proteger a segurança nacional.

Compreendo que a maioria das pessoas por esse mundo fora respire de alívio ao saber que há quem trave as loucuras do Presidente dos EUA. Mas isso levanta um problema democrático sério. Aqueles funcionários não eleitos ajudam Trump naquilo que defendem (e que elogiam no texto) e boicotam aquilo que os incomoda. O que quer dizer que governam no lugar de quem foi eleito sem serem escrutinados por ninguém.

Cabe aos vários poderes – judicial e legislativo – garantir a defesa da democracia e do Estado de Direito, que o Presidente não ultrapasse os seus poderes e que a segurança nacional é defendida. Há o Supremo, o Congresso, o Senado e a Constituição. E nela não se atribui aos funcionários do Estado o papel de limitar a ação do Presidente. O facto de o fazerem e de o tornarem público num texto anónimo, que ao contrário do caso de Watergate não é uma denúncia para que seja reposto o Estado de Direito mas uma confissão de violação do Estado de Direito, não é apenas embaraçoso para Donald Trump. É embaraçoso para os republicanos, que não conseguindo vencer este outsider têm de lhe fazer oposição pela calada. E é embaraçoso para a democracia norte-americana que parece ter perdido os instrumentos constitucionais para se defender. Perante um Presidente irresponsável mas popular, ninguém parece ter a coragem de fazer o que tem de ser feito e muitos preferem recorrer a expedientes ilegais.

A publicação do texto do “The New York Times” revela uma dupla falência da democracia norte-americana: falência dos pesos e contrapesos, que foram substituídos por funcionários não eleitos que escolhem as medidas que o Presidente eleito leva e não leva à prática; e a falência da comunicação social, que aceitou o regime de exceção e deixou de cumprir as regras mínimas do jornalismo, publicando textos de opinião anónimos no lugar de trabalhos jornalísticos

O desnorte é, aliás, confirmado pela publicação deste texto. Ele é uma enorme machadada na credibilidade daquele que está seguramente entre os melhores jornais do mundo. O que “The New York Times” publicou é impublicável. Toda aquela informação poderia ser usada tendo como fonte um anónimo que os próprios jornalistas sabem quem é e cuja credibilidade podem confirmar. O que nunca se viu foi um jornal de referência publicar, sem qualquer tratamento jornalístico, um texto de uma fonte anónima, por mais importante que ela seja. E tratamento jornalístico é cruzar fontes, verificar factos e só usar o que se conseguiu de alguma forma confirmar com alguma segurança. Isso é que é jornalismo.

A publicação deste texto revela uma dupla falência da democracia norte-americana: a falência dos pesos e contrapesos, que foram substituídos por funcionários não eleitos que escolhem as medidas que o Presidente eleito leva e não leva à prática; e a falência da comunicação social, que aceitou o regime de exceção e deixou de cumprir as regras mínimas do jornalismo, publicando textos de opinião anónimos no lugar de trabalhos jornalísticos que tratem a informação que, podendo ter fontes anónimas, tem sempre de ser verificada. Donald Trump está a vencer porque instituiu a amoralidade. E este artigo do “The New York Times” só lhe dá força junto dos seus apoiantes.