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Ricardo Costa

Não disparem já sobre as sondagens

Nas últimas horas, tal como na ressaca do Brexit ou do referendo sobre a paz na Colômbia, ninguém poupa as sondagens porque falharam redondamente nos resultados e não perceberam as tendências. Discordo em grande parte desta linha de raciocínio e, com exceção do referendo colombiano (que quase não acompanhei na fase da campanha), tanto no Brexit como nas presidenciais americanas quase todos os sinais e tendências foram sendo apanhados pelas sondagens. Houve erros clamorosos e grosseiros? Claro que sim. Mas houve muitas a avisarem e a sublinharem dados que as sondagens coligiam mas que nem sempre eram destacados nas análises.

No caso do Brexit isso é absolutamente claro. Não só um referendo não tem termo de comparação - impedindo os fatores de correção mais usados em sondagens políticas através das freguesias tipo e dos históricos eleitorais - como as sondagens do Brexit foram muito variadas nos meses anteriores. O “sim” à saída da UE esteve muitas vezes à frente e o “não” só ganhou algum espaço - que se veio a revelar inexistente - com o aproximar da votação. Mais relevante, a eventual vitória do Remain esteve sempre dependente do voto dos mais jovens, da Grande Londres e da Escócia e nisso as sondagens estiveram mais que certas.

O que falhou no referendo britânico foi a perceção de que o voto emocional do Brexit era muito mais mobilizador do que os argumentos racionais do Remain. As sondagens eleitorais são, na essência, instrumentos frios que raramente apanham tendências subterrâneas e emocionais, sobretudo quando estas descolam de lógicas ou enquadramentos partidários clássicos. O Brexit ganhou em circunscrições trabalhistas e as sondagens falharam isso por completo. Mas quem disser que nos meses que antecederam a votação nunca se discutiu ou se admitiu a vitória do Brexit sobre o Remain não está a ser sério.

Além disso, no caso do Brexit não houve sondagens de boca de urna, apenas estudos feitos por entidades privadas - sobretudo da City londrina - que se queriam precaver em relação aos mercados. Saiu-lhes cara a brincadeira, não só encomendaram o estudo como fizeram tudo ao contrário.

No dia da eleição, o melhor site de sondagens dos EUA dava 28% de hipóteses de vitória a Trump. Repito, 28%. Não é preciso saber muito de matemática, para se perceber que quem tem 28% de probabilidade de vitória pode ganhar uma eleição

Nos EUA a questão é muito mais séria e o falhanço dos estudos à boca da urna é o mais sério de todos, porque este tipo de sondagens é feito apenas junto de quem já votou e normalmente capta as mudanças de última hora. Mas não o captaram devidamente e, mais grave, quando o fizeram acabaram por ver isso anulado pelos filtros históricos. Foi isso que, por exemplo, impediu que muitos admitissem a vitória de Trump em estados em que os Democratas ganhavam por tradição. Se não tivessem aplicado essas correções provavelmente teriam sido muito mais corretos.

Mas mesmo nos estudos da boca de urna houve sempre imensa hesitação sobre quem iria vencer. E isso aconteceu por uma razão simples e contraditória, apesar de perfeitamente possível no sistema americano. É que Hillary esteve sempre à frente no voto popular, como se veio a verificar até ao fim. O problema é que essa evidência não tem qualquer efeito na escolha dos grandes eleitores, feita estado a estado, e os modelos matemáticos devem fazer muito bem essa destrinça.

Nalguns casos fizeram. Ao longo destes últimos meses segui sempre as eleições americanas por dois sites estatísticos: o fivethirtyeight e o theupshot. São muito bem feitos e o primeiro sempre se destacou pela ponderação e explicação de todos os fatores que podem pesar num resultado final. No dia da eleição, antes dos americanos começarem a votar, o primeiro site - dirigido pela estrela do jornalismo de dados Nate Silver - dava 28% de hipóteses de vitória a Trump. Repito, 28%. Não é preciso saber muito de matemática, para se perceber que quem tem 28% de probabilidade de vitória pode ganhar uma eleição. Não são 28% de intenções de voto, são 28% de hipóteses de vitória.

Era isto que dizia o Fivethirtyeight no dia da votação. E nas semanas anteriores chegou a colocar Trump várias vezes acima dos 30%. Mais relevante, divulgou em permanência uma curva temporal com as linhas que traçavam a probabilidade de vitória dos dois candidatos. E, ao longo dos meses, houve pelo menos dois momentos em que se aproximaram muito e na fase da final da campanha havia uma tendência de reaproximação.

No blog The Upshot do New Yor Times, Trump foi sempre menos bem tratado. Mas ainda assim tinha 15% de probabilidades de vitória. Eram pequenas mas estavam lá. No outro blog - muito mais ponderado - os artigos chamaram sempre a atenção para as variáveis que dependiam muito do voto dos eleitores brancos menos instruídos e para a necessidade de Hillary assegurar uma grande mobilização do seu eleitorado clássico. Isso foi sempre muito bem apanhado pelas sondagens.

Houve um falhanço das sondagens? Sim, de muitas, sobretudo das de boca de urna e das análises precipitadas que se seguiram. Mas os sites e blogs mais profissionais, que se apoiam unicamente em estatísticas, nunca colocaram de parte a hipótese de Trump ganhar.

Na véspera da eleição, o artigo que escrevi aqui no Expresso Diário chamava-se “Trump já ganhou” e, entre outras coisas, admitia a sua hipótese de vitória. Não o escrevi por ter algum palpite ou segredo no bolso. Escrevi-o exatamente porque acompanho as sondagens há muito tempo. Não disparem já sobre as sondagens. Elas são importantes e devem ser bem lidas. Trump, por exemplo, sabe bem isso. a sua diretora de campanha era, nem mais nem menos, uma das maiores especialistas nacionais em... sondagens! E foi votar com um boné que dizia: make pollsters great again. Ela fez um trabalho excecional porque teve as sondagens certas e as soube ler.

ALTOS

Donald Trump

Presidente eleito dos EUA

Contra toda a expectativas, contra a esmagadora maioria da figuras públicas e do panorama mediático, contra o que diziam as próprias sondagens, o milionário norte-americano conseguiu ser eleito presidente dos Estados Unidos da América.

Cristiano Ronaldo

Futebolista

Há semanas que são boas porque marca muitos golos. Outras que são fantásticas porque "marca golos" de milhões. Como esta, em que renovou os contratos que o ligam ao Real Madrid e à Nike.

BAIXOS

Hillary Clinton

Candidata derrotada nas presidenciais dos EUA

Depois de em 2008 ter partido como clara favorita na corrida às Presidenciais norte-americanas, acabando por perder a nomeação Democrata para Barck Obama, agora Hillary voltou a falhar. E como o número de votos obtidos bem mostra (teve menos seis milhões de votos que Barack há quatro anos), mais do que ter sido Trump a vencer a eleição, foi a antiga Secretária de Estado que fracassou com a campanha eleitoral que fez.

Martim Silva