Eleições legislativas

Suécia. “Se ninguém der voz aos quase 20% que votaram na extrema-direita, o populismo vai subir ainda mais”

Foto reuters

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As eleições de domingo na Suécia acabaram com um empate técnico entre o centro-esquerda e o centro-direita. Para complicar as coisas, os Democratas Suecos, partido anti-imigração, ampliaram o seu resultado, apesar de ter ficado aquém das expectativas. Reina o impasse político e os cenários traçados são “muito improváveis”. Conclusão: ninguém ganhou exatamente mas muitos ainda podem perder mais

Texto Hélder Gomes

“É um dia muito triste para a Suécia. Mostra uma incapacidade de imaginar uma sociedade diferente”, lamenta ao Expresso o programador de informática Eskil Steenberg. “Votei na coligação de esquerda mas com pouca paixão”, diz. O bloco que mereceu o voto pouco convicto de Eskil nas eleições deste domingo junta o Partido Social-Democrata (do atual primeiro-ministro Stefan Löfven) ao Partido Verde e ao Partido da Esquerda. Juntos, tiveram 40,6% dos votos, enquanto a coligação de direita (Partido Moderado, Partido do Centro, Partido Liberal e democratas-cristãos) obteve 40,3%.

A votação corresponde a um empate técnico, tendo a esquerda ficado com apenas mais um assento parlamentar do que a direita. A estes números é preciso juntar o resultado dos Democratas Suecos (DS), um partido de extrema-direita, anti-imigração, que quer tirar o país da União Europeia. Os nacionalistas arrecadaram 17,6%, o que representa uma subida de cinco pontos percentuais em relação às eleições de há quatro anos. Foi, de resto, o maior ganho de qualquer partido, ainda que tenha ficado aquém dos 20-30% almejados pelo seu líder Jimmie Åkesson.

Trocado por miúdos, a extrema-direita cresceu na Suécia, não tanto quanto o esperado mas, ainda assim, o suficiente para lançar o caos. Num total de 349 assentos no Riksdag, o centro-esquerda ocupa 144, o centro-direita 143 e os nacionalistas 62. Contactada pelo Expresso, Katerina Janouch concorreu por uma coligação de cidadãos formada em 2014 e que, mais uma vez, não conseguiu eleger nenhum deputado.

“PRIORIDADE NÚMERO UM: TRAVAR A IMIGRAÇÃO EM MASSA”

“A minha reação foi de desapontamento porque as sondagens indicavam outros resultados poucos dias antes das eleições”, confessa a militante do partido de direita radical, que tem afinidades com os DS. “Estamos perante o caos parlamentar. Penso e espero que o resultado seja um Governo [de coligação] do Partido Moderado, dos DS e dos democratas-cristãos”, ambiciona Katerina.

Tem é de ser um Governo “conservador”, cuja “prioridade número um seja travar a imigração em massa”, sublinha. E porquê? “Porque ela é a raiz de muitos problemas na Suécia”, atalha, antes de enumerar as medidas que julga ser necessário tomar: “É preciso acabar com o asilo e estimular um programa para que as pessoas regressem aos seus países de origem, onde agora já há paz. Por exemplo, a guerra entre a Etiópia e a Eritreia acabou e 95% da Síria está pacificada”.

Diz também que “98% das violações em grupo na Suécia são cometidas por migrantes africanos e do Médio Oriente”. Desafiada a mostrar estudos capazes de apoiar o que afirma, Katerina esclarece que “há muitas estatísticas na Internet”. Confrontada com um site governamental que desfaz, com dados factuais, muitos dos mitos que enunciou, responde: “Lamento mas essa página não é de confiança. Isso é propaganda do Governo”.

A consultora política Annika Rothstein foi acompanhando o anúncio dos resultados pela madrugada dentro e, ao deitar-se, estava duplamente “surpreendida”: primeiro porque “os DS não se saíram tão bem como era esperado”, depois porque “8% da população sueca votou no Partido Comunista [atualmente Partido da Esquerda], o que mostra que vivemos um tempo de extremos”, confidenciou ao Expresso.

“O MAIS SENSATO SERIA O PRIMEIRO-MINISTRO DEMITIR-SE”

Os políticos suecos passaram esta segunda-feira em alvoroço, com representantes dos principais partidos em reuniões sucessivas. E os próximos dias não se preveem mais sossegados. Åkesson espera que o seu partido possa desempenhar um papel decisivo nas negociações para a formação de um novo Governo. E não perde tempo: já desafiou Ulf Kristersson, o líder da coligação de direita, a escolher entre procurar apoios junto dos DS ou aceitar mais quatro anos de governação do primeiro-ministro. Mas, apesar de ter pedido a Löfven que renunciasse, Kristersson também rejeitou a proposta de Åkesson.

O primeiro-ministro disse que não renunciaria e pediu a cooperação entre os partidos para se resolver o impasse político. “O mais sensato seria Löfven demitir-se, tendo em conta que os eleitores já mostraram que não tem o apoio suficiente”, avalia a consultora política. Annika Rothstein aponta dois cenários para sair da crise. Um, “muito improvável”, passaria pela abertura dos moderados a uma coligação com os sociais-democratas, o que representaria “uma verdadeira convulsão histórica”. O outro seria a formação de um Governo pelos moderados com o apoio dos DS, diz, sublinhando, contudo, que “nenhuma das opções parece provável neste momento”.

A consultora aponta ainda um outro problema. “Se ninguém der voz aos quase 20% que votaram nos DS, ou seja, se eles forem novamente silenciados, o populismo vai subir ainda mais”, alerta. Em 2015, a chegada de 163 mil requerentes de asilo – a maior em toda a Europa, tendo em conta a população de 10 milhões – sacudiu os eleitores para pólos opostos e quebrou um consenso político de longa data.

Katerina Janouch continua a defender a sua política anti-imigração: “Eu falo com estas pessoas todos os dias. Viajo pelo país. Vivo aqui há 40 anos. Vejo o que se está a passar. Falo com vítimas e com familiares de pessoas mortas e de crianças que foram sexualmente abusadas nas suas escolas”. Quando questionada sobre se as crianças de que fala foram abusadas por migrantes, a pergunta ficou sem resposta.