Daniel Oliveira

Antes pelo contrário

Daniel Oliveira

Manuais gratuitos: a discriminação está nos detalhes

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No acordo que assinou com o Partido Socialista, em Lisboa, o Bloco de Esquerda conseguiu uma grande vitória: manuais gratuitos para os estudantes do 3.º ciclo e ensino secundário (e não apenas ao 1.º e 2.º, como no resto do país). Até então, nestes ciclos, só as famílias carenciadas, beneficiárias da Ação Social Escolar (ASE), tinham direito a manuais gratuitos. No caso, a manuais utilizados por outros alunos. Mas a grande maioria das famílias remediadas, para quem a compra dos manuais dos filhos é um enorme encargo concentrado num só mês, continuava a ter de pagar grandes somas para que os seus filhos tivessem acesso a um direito universal e até obrigatório. Este acordo foi uma das primeiras vitórias do BE em Lisboa. E alguns problemas técnicos no arranque deste processo não reduzem a sua relevância.

Devo dizer que considero que o caminho terá de ser outro: suportes digitais, a usar na sala de aula. E, quando são necessárias fichas de exercícios elaboradas pelo Ministério ou pelo professor, podem ser impressas ou fotocopiadas. Os manuais não são para serem usados em casa porque fazer em casa o que se deve fazer nas aulas é um mau hábito que se perpetuará na vida profissional. O pouco tempo que sobra para estar em casa é para estar com a família (que nem sequer tem as mesmas capacidades de acompanhar os estudos dos filhos) ou para atividades não curriculares.

Em várias escolas de Lisboa, os manuais escolares usados estão a ser distribuídos aos alunos com famílias carenciadas e os manuais novos aos restantes. Assim, temos uma situação caricata: à discriminação original junta-se a discriminação nascida de pouco atenção aos detalhes

Um suporte digital depende da inevitável informatização de todas as escolas mas permite ir revendo os manuais sem qualquer custo, dar ao Ministério da Educação o controlo da produção e uma brutal poupança para as famílias (quando são elas que pagam) e para o Estado. Os poucos recursos que temos não devem ser esbanjados nos objetos de luxo em que se transformaram os caríssimos manuais escolares. As duas ou três editoras que à custa do negócio milionário dos manuais conseguiram ganhar músculo para engolir todas as outras irão espernear. Assim como espernearam os colégios privados que vivem de dinheiros públicos. Mas esta mudança é fundamental para garantir uma educação realmente gratuita para todos. E para não criar mais uma exorbitante renda pública a um negocio privado.

Apesar disto e do jornal “Público” ter anunciado que a maioria das pessoas vai dispensar os manuais gratuitos, baseando-se num estudo da Cetelem (que dá crédito à compra de livros, o que deveria ter feito a jornalista pensar duas vezes antes de publicar a sua peça), este é um grande avanço. Só que uma carta de uma leitora chamou-me à atenção para um problema grave. Para não ter custos redundantes, não se dispensou a distribuição dos livros usados (e bem). Até porque os novos manuais agora distribuídos serão também eles reutilizados nos próximos anos. A ideia inicial era a de que os livros usados seriam sorteados. Ou a indicação não chegou a muitas escolas ou elas não a estão a seguir. Em escolas de Lisboa (todas?) os manuais usados estão a ser distribuídos aos alunos com famílias carenciadas, como antes, e os manuais novos aos restantes. Assim, temos uma situação caricata: à discriminação original junta-se a discriminação nascida de pouco atenção aos detalhes. É verdade que à medida que os novos livros forem redistribuídos nos próximos anos este problema desaparecerá. Mas até lá fica uma péssima mensagem para os pais e alunos: que o Estado não trata todos por igual.