Euro 2016
Isto é vívido. Isto é sangue. É loucura. É amor
FOTO CHRISTOPHE PETIT TESSON / EPA
Um rol de jogadores, um ror de emoções, um rojo de campeões. E Fernando Santos citou a Bíblia: “Simples como as pombas, prudentes como as serpentes”
TEXTO PEDRO SANTOS GUERREIRO
Isto é vívido. Isto é sangue. É loucura. É amor. Uma epopeia escreveu-se sob os nossos olhos e sobre os nossos corações. Ganhar assim é mais que ganhar, é ser. Nós somos campeões, sabem? Mas sabem mesmo? É que ganhámos. Ganhámos! Com Éder, sem Ronaldo, com Santos da casa, com casa de santos, com a vida nos pés, com as costas para a morte, com os trovões a trovejar e os lírios de relâmpagos num céu que é céu é céu é céu.
Num golo: Éder contra seis. Contra todos. Contra tudo. Chuta todo torto, de longe, que se lixe, aqui vai disto. Golo. Golo?! Golo!!! O Éder é aquele tipo que nunca fez nada na seleção e que hoje fez tudo. Mas atrás do golo da vida dele está a vida dos golos marcados neste Europeu. Está cada vitória, cada empate, cada penálti marcado e cada penálti defendido. Está Fernando Santos. Quando se tira Renato Sanches para meter Éder está-se primeiro a dizer que se quer ganhar para depois dizer que ganhámos. Sem Ronaldo. Sem Ronaldo! Sem Ronaldo…
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Foram 100 minutos a odiar Payet e a insultar o árbitro. Se aquela pancada foi fortuita nós somos dez (ou 11 ou 15 ou lá o que é) milhões de toupeiras voadoras com carecas verdes fosforescentes. Se aquilo não era para matar, aquilo matou. Matou do jogo o nosso mais-que-tudo. Nem falta marcou, o #$%#& do árbitro, raios o partam. Mas não. Porque a saída de Ronaldo marcou todo o jogo. Um jogo de sofrimento. De lágrimas. Um jogo em que cada minuto sem sofrer um golo foi um minuto a sofrer por estar ainda sobrevivo. Mas…
Mas a saída de Ronaldo endureceu Portugal e amoleceu a França. A equipa uniu-se, superou-se, naquela fazenda com que se costura a paciência, a humildade, a perseverança. Rui Patrício foi um gigante na baliza. Pepe foi seguríssimo. João Mário um fenómeno. E no fim voltamos sempre a Fernando Santos. O homem tinha um só grande título na vida, campeão nacional de futebol. Agora é campeão europeu. Ele com o seu melhor amigo, como disse na conferência de imprensa depois do jogo. Graças. Aleluia.
Nenhum campeão o é por causa de um jogo, disse Fernando Santos. É isso. A seleção que jogava feio, que estava longe da caderneta de génios de outros campeonatos, que empatou e empatou e empatou, que teve a sorte nos grupos, que foi azucrinada, massacrada, desdenhada, essa foi a seleção que superou tudo até ser campeã. Se alguém punha em causa o heroísmo, depois desta final de sofrimento só pode pôr-se em causa a si. Porque esta é a vitória de uma equipa menor mas superior, de um país pequeno mas grande, de um Portugal que nunca conseguiria o que conseguiu, de uma seleção com Quaresma revivendo, com Renato a fazer-se, com Nani a desfazer-se, com Fonte, Guerreiro e Cédric de betoneira, com William de baioneta, com Ronaldo jogador como sempre e capitão como nunca. Fernando Santos falou em duas línguas no final: em português e em grego. Países proscritos de campeonatos prescritos. E, em lágrimas, Fernando Santos falou em Deus.
Este é um texto que não escreve, descreve. Descreve uma epopeia que, como a de Homero, ninguém antes deixou que atravessasse a barreira dos seus dentes. Este ganhar não é um resultado, é uma virtude construída, com o labor de uma ascensão. Isto não foi um 1-0, foi um campeonato ganho com a virtude dos defeitos. Teremos sempre este campeonato para nós, para cada um de nós, para todos nós, para o resto das nossas vidas. “Nada é maior do que a vida”, escreveu Adília Lopes. Nada é maior que a vida.