Debate quinzenal
As palavras que eu nunca te direi (por agora)
Debate quinzenal com o primeiro-ministro teve a Educação como tema central, mas houve vários assuntos que os partidos chamaram à ordem do dia para pedir explicações ao Governo. Contratação de professores, lista negra de offshores, rendas excessivas da EDP e solução para o crédito malparado foram aquelas onde as respostas foram menos conclusivas
Texto Adriano Nobre Fotos Nuno Botelho
António Costa chamou a Educação ao palco do debate quinzenal desta quinta-feira no Parlamento. Mas nas interpelações dos partidos viu-se também obrigado a discutir temas como as rendas excessivas da EDP, o crédito mal parado dos bancos ou a saída de três territórios da lista negra de offshores. O primeiro-ministro não fugiu a qualquer pergunta, mas tergiversou nalguns pontos. Por isso foi acusado pelo PSD de "não responder" às suas perguntas sobre as offshores. Ouviu do BE que as suas palavras sobre a contratação de professores se arriscavam a ser "um verbo de encher". E foi chamado à atenção pelo PCP: "O ambiente de esperança que se abriu com o novo quadro político precisa de ser mantido para que a dialética não se transforme noutro sentimento", alertou Jerónimo.
Porque saíram as offshores?
O primeiro grande momento de desfasamento entre a pergunta feita e a resposta dada surgiu na interpelação inicial do PSD sobre a saída das jurisdições do Uruguai, de Jersey e de Man da lista negra de paraísos fiscais. O assunto não é novo, tem gerado um braço de ferro sucessivo entre PSD, CDS e Governo sobre alegadas contradições no processo de decisões sobre esta atualização da lista. Mas o líder parlamentar do PSD voltou à carga: "Houve ou não um parecer da Autoridade Tributária para que esses três offshores tivessem saído da lista?".
Seguiu-se, literalmente, um diálogo de pergunta e resposta sucessiva.
"Esses três território passaram a cumprir os critérios e saíram da lista negra com o envolvimento da AT nessa decisão", respondeu Costa.
"Objetivamente podemos concluir que a AT deu parecer sobre essa saída. É isso?", insistiu Montenegro. "Já foi dito que foi ouvida a AT e que foi envolvida no processo de decisão", reiterou Costa. "Dizer que a AT foi envolvida significa que houve pareceres ou não?", continuou Montenegro. "A AT foi ouvida, pronunciou-se e foi com base nisso que o Governo tomou uma decisão", retorquiu Costa
Este interlúdio no debate chegou ao fim com a acusação do PSD de que o Governo "continua a querer fugir à questão" e que esta só poderá ser dirimida quando forem enviados para o Parlamento os documentos que permitam perceber "o que foi o envolvimento da AT". Até lá, vigorará, segundo os social-democratas, a ideia de que "o secretário do Estado dos Assuntos Fiscais contradiz e o Ministro das Finanças" e em que "cada um dia o que quer e não acontece nada". Ao que Costa retorquiu com o "registo de um grande elogio", quando "o que o líder da principal bancada da oposição tem para se centrar é num jogo de palavras entre consultas e pareceres"."Não tem mais nadinha para perguntar?", ironizou.
Que solução para o mal parado?
Já mesmo no fim do seu tempo para intervir, Luís Montenegro voltou a pedir ao Primeiro Ministro, como tem feito "em quase todos os debates", que fizesse um ponto de situação à solução para o crédito mal parado, que o Governo "prometeu" há mais de um ano.
A este propósito, António Costa revelou a existência de uma reunião esta semana do Ministério das Finanças com o Banco de Portugal e os três principais bancos com problemas de crédito mal parado. O objetivo da reunião, segundo Costa, foi apresentar uma solução e pedir um parecer de cada uma dessas entidades. E também aqui Montenegro reclamou da resposta, recordando que o tema tem sido sucessivamente arrastado em reuniões sem que se saiba "qual a solução" em concreto, como funcionará ou quem a "vai financiar". E sobre isto, Costa ainda não pode acrescentar mais.
Quantos professores mais?
Com a intervenção de Catarina Martins, o tema da educação voltou ao foco central do debate, com a coordenadora do BE a pedir a António Costa que especificasse quantos professores precários quer vincular no novo concurso que anunciou que seria lançado em janeiro. "Disse que quer vincular mais professores. Quantos e em que prazo?", questionou, defendendo mais à frente que "sem reduzirmos o número de alunos por turma e estabilizarmos o pessoal docente, tudo o resto que dissermos sobre educação é pouco mais do que o um verbo de encher".
As dúvidas sobre a vinculação de professores neste novo concurso foram posteriormente seguidas por PCP e Verdes, que também quiseram saber mais pormenores sobre o universo de professores a contratar. Entre as várias respostas de Costa, sem pormenores concretos, destacou-se uma: aquela em que o primeiro-ministro respondeu diretamente a Catarina Martins para contestar a ideia de "verbo de encher" na educação. E para isso invocou a renovação de escolas, os manuais gratuitos, a contratação já feita de 3 mil professores e o cumprimento do "calendário acordado com os sindicatos" para o novo concurso de vinculação de professores. "Que será "para cumprir". Falta saber com que metas.
A "pilhagem" nas rendas excessivas da energia vão acabar?
Segundo Costa, sim, vão. Falta saber quando. E como. Porque Costa não se comprometeu com mais do que a intenção de "renegociar" os contratos com a EDP e apenas quando chegarem ao fim os que estão atualmente em vigor. Só aí, o Governo avançará para uma renegociação "de forma a adaptar e definitivamente acabar com o preço excessivo que o estado paga em matéria de energia". Até lá, diz, o Governo não avançará de forma unilateral para a impugnação dos contratos em vigor. "Temos um quadro legal contratual e regulamentar que temos de respeitar", disse, em resposta à coordenadora do Bloco de Esquerda.
As rendas excessivas pagas à EDP e o custo da fatura da eletricidade para todos os portugueses foram introduzidos no debate pela deputada bloquista, à boleia das recentes notícias sobre as investigações do Ministério Público que já vários arguidos entre administradores da REN e da EDP por suspeitas de corrupção e participação económica em negócio envolvendo os contratos de apoio à produção de eletricidade e os Custos de Manutenção do Equilíbrio Contratual (CMEC).
Criticando os subsídios "decididos em processo nebulosos" e "conduzidos por pequenos grupos de dirigentes que circularam entre membros do PSD, CDS e PS e uma consultora", Catarina Martins denunciou aquilo que diz ter sido "uma porta circulatória que tomou decisões de 2,5 mil milhões de euros pagos em 10 anos pelos consumidores"."É metade do défice tarifário", sublinhou a coordenadora do BE, recordando os avisos que os reguladores, associações de defesa do consumidor e até a OCDE lançaram sobre estes contratos.
"Mas os reguladores têm podido muito pouco contra poder da EDP. A troika veio, cortou a eito, mas as rendas excessivas ficaram lá e não foram tocadas", prosseguiu, invocando depois a OCDE para defender a necessidade de "uma ação mais forte para reduzir esquemas de remuneração herdados do passado, através da renegociação de preços garantidos". E que essa medida "podia resultar em preços de energia mais competitivos", num país em que "famílias e empresas pagam a eletricidade mais cara da Europa em paridade de poder de compra". "Existe neste Parlamento e no país um consenso de que estas rendas têm de acabar. Este é o tempo", apelou Catarina Martins.
Jerónimo de Sousa juntou-se aos apelos dos bloquistas, denunciando a "imensa fraude" que diz serem as "rendas excessivas" que resultaram dos "pecados" de sucessivos Governos no "desmembramento", primeiro, e na "privatização", depois da EDP. "Garantiram-se superlucros derivados da posição monopolista da EDP", acusou, recordando as "propostas chumbadas" que o PCP já apresentou para "pôr fim a tais mecanismos". "Isto é inaceitável. O Governo vai acompanhar o PCP nesta matéria e acabar com este escândalo inaceitável? Quem paga são as famílias e empresas", disse Jerónimo.
Nas respostas Costa recordou sempre o trabalho já feito para reduzir a fatura da energia para os portugueses e deu como certa a preocupação do Governo em "reduzir custos de energia". "Por isso este ano tivemos o menor aumento de sempre no preço desde que o mercado foi liberalizado. Alargámos a tarifa social de 60 mil para 800 mil famílias e este ano já houve redução do preço de gás para indústria", disse, sublinhando a urgência de "alargar estes exemplos" e insistindo na ideia de que é preciso "melhorar o quadro" de regulação e contratação no sector da energia e fazer face às "manhas" que as empresas de energia têm para contornar esses quadros regulatórios.