Estados Unidos

“A Casa Branca mentiu e difamou o FBI.” E agora?

Foto reuters

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James Comey foi ao Senado esta quinta-feira falar sobre os acontecimentos que levaram Donald Trump a despedi-lo há um mês. À comissão de serviços de informação, o ex-diretor do FBI disse que ficou “confuso” e “preocupado” com os argumentos do governo para justificar o seu afastamento. “São mentiras, pura e simplesmente.” Também declarou que, embora não queira comentar se Trump tentou obstruir uma das investigações à alegada ingerência russa nas presidenciais, tem a “certeza” que o conselheiro especial nomeado para liderar esses inquéritos vai examinar isso. Será isto suficiente para ditar a queda do governo?

Texto Joana Azevedo Viana

Faz esta sexta-feira um mês que James Comey foi despedido por Donald Trump. Quando o Presidente tomou a decisão de o afastar da direção do FBI, alegou que Comey pôs em causa a reputação da agência federal. Isso deixou o despedido “confuso” e “preocupado”, como ele próprio declarou esta tarde à comissão de serviços de informação — a cargo de uma das atuais investigações à ingerência russa nas eleições americanas e às suspeitas de conluio entre a equipa do Presidente e operacionais e diplomatas russos. “A administração escolheu difamar-me, e pior ainda, difamar o FBI quando disse que a organização estava em desordem, que era mal chefiada e que os funcionários perderam a confiança no seu líder. Isso são mentiras, pura e simplesmente.”

Antes de chegar ao edifício Hart do Senado, já se conheciam os contornos do que aconteceu até ser afastado. Foi despedido dias depois de ter pedido mais fundos ao Departamento de Justiça para acelerar um dos inquéritos do FBI ao caso Trump-Rússia — centrado no ex-diretor do Conselho de Segurança Nacional Michael Flynn, que foi forçado a demitir-se em fevereiro por causa de contactos potencialmente ilegais com o embaixador russo em Washington.

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Pelo timing do despedimento, os democratas acusam o Presidente de obstrução à Justiça e exigem a sua demissão. Alguns republicanos também estão suspeitosos e essas dúvidas só escalaram quando atas das reuniões de Comey e Trump transpiraram para a imprensa. Hoje questionado sobre se o Presidente tentou obstruir uma investigação em curso quando lhe pediu para “deixar Michael Flynn ir”, o ex-chefe da agência federal escusou-se a opinar mas disse ter a “certeza” de que a verdade vai ser apurada por Robert Mueller, seu antecessor à frente do FBI que foi nomeado para liderar a investigação do FBI depois de Comey ter sido afastado.

As revelações

Ontem à noite, a comissão do Senado tinha divulgado o testemunho escrito de Comey, um documento de sete páginas onde o ex-chefe do FBI delineava as declarações desta tarde. Por lei não pode discutir investigações em curso, pelo que o seu depoimento — e as perguntas que lhe foram feitas — só incluíram detalhes sobre os encontros que manteve com Donald Trump entre o dia 6 de janeiro e o dia 9 de maio.

Numa conversa a 27 de janeiro, Comey “achou estranho” que o Presidente lhe perguntasse se ele queria continuar a chefiar o FBI. “Por duas vezes em conversas anteriores, ele já me tinha dito que queria que eu permanecesse no cargo, ao que lhe assegurei que era essa a minha intenção. […] Os meus instintos disseram-me que o facto de estarmos reunidos a sós e de esta ser a nossa primeira discussão sobre o meu cargo correspondia a um esforço da minha parte para lhe pedir o meu emprego e para ele afirmar uma espécie de relação de patronato. […] Aí, e porque a situação estava a deixar-me desconfortável, acrescentei que não sou 'de confiança' no sentido em que os políticos usam essa palavra, mas que ele poderia sempre contar comigo para lhe dizer a verdade.”

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Ao longo desse jantar na Torre Trump, o Presidente eleito sublinhou várias vezes a Comey: “Preciso de lealdade.” Semanas depois, quando Flynn se demitiu, Trump expulsou toda a gente da Sala Oval para falarem a sós e aí disse ao diretor do FBI: “Espero que consiga ter uma visão clara para abandonar este assunto, para deixar Flynn ir. Ele é um bom homem. Espero que possa abandonar isto [a investigação].”

As repercussões

A pergunta para queijinho por estes dias era: até que ponto é que estas revelações poderiam conduzir à destituição de Trump? Antes da audiência, um especialista em assuntos constitucionais assumiu ao Expresso que “o depoimento de Comey pode muito bem ajudar a interpor acusações que podem levar à destituição de Donald Trump”, sobretudo no caso de Comey “fornecer mais provas de que o Presidente tentou interferir no inquérito e obstruir a investigação à intervenção russa nas eleições americanas”. Se assim fosse, explicou Keith Whittington, professor de política e direito na Universidade de Princeton, “seria mais lenha para a fogueira ateada pelos que querem a destituição de Trump”. Só que neste momento, advertiu, “o Partido Democrata pode fazer muito pouco no curto prazo quanto a isso”.

Confirmado que Comey não quis acusar diretamente o Presidente, a oposição continua de mãos atadas. “Um inquérito independente de destituição tem de ser autorizado pela maioria dos membros da Câmara dos Representantes, onde os democratas estão em minoria. A única coisa que eles podem fazer”, acrescenta Whittington, “é tentar construir um caso público para que a destituição seja considerada e assim tentarem persuadir os membros da maioria republicana a apoiar um inquérito. Se não conseguirem, terão de aproveitar o tempo que têm até às eleições intercalares de 2018” — altura em que o apoio de vários republicanos a Trump poderá ter as horas contadas, caso as sondagens demonstrem que vão perder apoios nas urnas por causa do governo.

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Esta semana, num artigo intitulado “América prepara-se para um momento político histórico”, o correspondente do “The Guardian” em Washington lembrava que “nem no escândalo Teapot Dome nem no caso Watergate houve alegações de que o próprio Presidente tentou intimidar um investigador”. No primeiro caso, naquele foi o grande escândalo da História dos EUA antes de Richard Nixon ordenar escutas à sede do Partido Democrata em 1972, um senador denunciou que a administração de Warren G. Harding tinha aceitado subornos de petrolíferas — mas o Presidente morreu subitamente em 1923 e só o seu secretário do Interior foi condenado por aceitar os pagamentos. Diz-se que foi meio século depois que Nixon se tornou o primeiro e único Presidente dos EUA a ser deposto, mas isso não corresponde bem à verdade. Quando percebeu que o Congresso ia mesmo afastá-lo, o republicano decidiu demitir-se.

Poderá Donald Trump vir a ser o primeiro a ser destituído? Só se o partido que ajudou a elegê-lo quiser, explica Whittington. “Se um número substancial de republicanos ficar convencido que é necessário abrir um inquérito de destituição, então a Câmara terá de autorizar uma comissão a preparar artigos com acusações formais ao Presidente, enumerando os crimes ou delitos menores de que ele é suspeito, para depois serem aprovados pelos representantes. E se uma maioria dos membros da Câmara aprovar os artigos legais para a destituição, então aí o o Senado terá de presidir a um julgamento para determinar se o Presidente é culpado das acusações e se deve ser removido.”