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Opinião

Nicolau Santos

Um perdão é um perdão ou não é um perdão?

O Governo decidiu dar a possibilidade a quem tem dívidas ao fisco (famílias e empresas) de pagarem tudo de imediato ou em 150 prestações (qualquer coisa como 12,5 anos), beneficiando da isenção de juros e custas. Mas está a esforçar-se imenso por provar que não se trata de um perdão fiscal. Ora para todos os efeitos estão a ser perdoados juros e custas dos impostos em atraso. Se isto não é um perdão, o que é um perdão?

Compreende-se que, por razões políticas, o Governo não queira assumir que se trata de um perdão fiscal, até porque, quando na oposição, o PS criticou o último perdão fiscal efetuado pelo anterior Governo PSD/CDS. E também os parceiros da coligação, BE e PCP, são contra perdões fiscais.

Não é, pois, uma questão cómoda. E por isso a justificação é que a medida ajudará famílias e empresas a pagar dívidas ao fisco e à segurança social. Mas isso é o objetivo de todos os perdões fiscais – além de visarem a captação de mais receita fiscal que, de outro modo, dificilmente viria. Estamos, pois, no domínio da semântica. E se um perdão para o ser implicasse também o não pagamento da totalidade ou parte do capital em dívida, então já não seria um perdão mas uma amnistia.

Além do mais, é bom sublinhar que o fisco dispõe atualmente de meios para obrigar os contribuintes relapsos a pagar as suas dívidas. Como é conhecido, há milhares de contribuintes que têm os seus salários ou contas bancárias penhorados por terem dívidas ao fisco e à segurança social; e há milhares de empresas que estão também com as contas cerceadas pelas mesmas razões.

Ora este perdão fiscal (todos os perdões fiscais) é desde logo muito injusto para quem cumpre as suas obrigações fiscais; mas é ainda mais injusto para quem está a pagar impostos atrasados, acrescidos de juros e coimas, e agora constata que outros contribuintes podem resolver os seus diferendos com o Estado com prazos mais longos e em muito melhores condições. Logo, a pergunta é: será que o Governo vai estender as condições que agora anunciou a quem já estava a pagar impostos atrasados? É que se não o fizer está a dar razão, mais uma vez, ao saudoso Leonardo Ferraz de Carvalho, que falava dos “tansos fiscais”, os que pagam todos os impostos, não beneficiam de nenhumas vantagens por isso, e depois assistem a casos como este perdão fiscal que agora se perfila.

Finalmente, está por explicar algo muito importante. A eventual receita que daqui decorrerá será toda contabilizada este ano ou ao longo de vários anos? É que do ponto de vista orçamental, em contabilidade pública só temos o que entra efetivamente e que sai efetivamente; mas do ponto de vista da contabilidade nacional, que é a que conta para Bruxelas, o que interessa são os compromissos efetivamente assumidos do que vai mesmo sair e do que vai mesmo entrar no orçamento, não interessando o período em que essas saídas ou entradas se concretizam. Por isso, a questão não é despicienda. E ainda ninguém se deu ao trabalho de a esclarecer.