SAMPAIO DA NÓVOA

O homem que Cavaco lançou e que Soares apoia

PRESIDENCIAIS Foi um empenhado reitor da Universidade de Lisboa, com espaçada intervenção política. Há cerca de seis meses mudou. E tornou-se protagonista FOTO LUÍS BARRA

PRESIDENCIAIS Foi um empenhado reitor da Universidade de Lisboa, com espaçada intervenção política. Há cerca de seis meses mudou. E tornou-se protagonista FOTO LUÍS BARRA

Foi o atual Presidente da República quem o trouxe para a ribalta política, entregando-lhe as comemorações do 10 de junho de 2012, onde o reitor veio pedir “alternativas” e “um novo rumo para a nossa História”. Um ano depois, pela mão de Mário Soares, entrou na Conferência pela unidade de esquerda. E tornou-se um sério candidato a Belém

TEXTO ROSA PEDROSO LIMA

É fácil traçar a carreira política de António Sampaio da Nóvoa, o professor universitário de 61 anos que agora é dado como um mais do que certo candidato à Presidência da República. Viveu “cem por cento” no meio académico, garantem os seus amigos e, ele próprio assume que não tem, nem nunca teve “qualquer ligação a qualquer partido ou organização política”. A sua intervenção pública é recente. Conta-se até pelos dedos das mãos e por alguns discursos inflamados. Mas, nem por isso, a sua entrada na cena política deixou de ter impacto. E de causar dores de cabeça.

As agulhas da vida pública de António Sampaio da Nóvoa mudaram há menos de três anos, quando, pela mão de Cavaco Silva, aceitou a presidência das comemorações do 10 de Junho de 2012. O tom das palavras do então senhor reitor cairam bem a uma plateia habituada a sonolentos discursos de circunstância. Desde logo, por começar a dirigir-se “aos portugueses que vivem situações de dificuldade e de pobreza, de desemprego”. O País estava a viver os anos de chumbo da crise e da troika. O orador pedia “ideias novas que nos dêem um horizonte de futuro”, porque “precisamos de alternativas. Há sempre alternativas”.

O tom era de apelo. Nóvoa falava ao coração dos orfãos da política e das soluções para o País, invocando os poetas portugueses, mas também o discurso de Roosevelt antes da entrada dos Estados Unidos na II Guerra Mundial. Os tempos eram de uma “realidade inaceitável” que “devemos superar”, sem “hesitações”. E mesmo sem o exército nazi às portas, o País tinha de avançar.

Chamado pela primeira vez por Cavaco ao palco político, parece, porém, ter sido em Mário Soares que as palavras do reitor cairam mais fundo. A vida política dá muitas voltas. E, de facto, um ano depois, na conferência pela Unidade de Esquerda que o ex-Presidente decidiu organizar, foi de novo Sampaio da Nóvoa a estrela. Desta vez pela mão de Soares, o ainda reitor repetiu o apelo ao “combate à austeridade”, mas temperou-o com um convite à “renovação dos partidos” e ao fim do “silêncio” porque “em tempos tão duros como os de hoje, ninguém tem o direito” de continuar calado.

O impacto das palavras de Sampaio da Nóvoa passou, desta vez, para os 'opinion makers' que descobriram que havia ali alguém a “emergir como presidenciável” ou que cumpria “todos os requisitos para devolver credibilidade, confiança e prestígio à Presidência da República”. Este “estranho protagonismo” do reitor que passou para “a linha da frente da prédica nacional” encheu por alguns dias as colunas politicas dos jornais. Mas, até final desse ano de 2013, António Sampaio da Nóvoa manteve-se discreto, reforçando o perfil do homem responsável por uma das maiores universidades portuguesas.

Saiu no final desse ano da exclusividade da vida académica. Deixou como legado a inédita fusão entre as duas maiores universidades lisboetas - a Clássica e a Técnica - e partiu para uma longa temporada no Brasil. Tal como deixou no ar o enigma da sua vontade política.

O 'retiro' não durou um ano. No final de 2014, Sampaio da Nóvoa voltou em força. O homem que até então tinha dito: “não sou candidato a nada, não quero nada, não tenho nenhum interesse” foi ao último Congresso do PS para dizer que estava “presente”. “Venho dizer-vos presente. Neste tempo tão duro, ninguem tem o direito de se demitir, de omitir”, disse aos socialistas.

E, desde então, tem cumprido com uma presença habitual nos palcos políticos. Já esteve no encontro do maior sindicato da Fenprof (afecto ao PCP), numa conferência do Livre/Tempo de Avançar e na reunião magna da Associação 25 de Abril - tudo isto nos primeiros três meses do ano.

Os objetivos da sua intervenção política começam agora a tornar-se mais claros. A “nova política” que Nóvoa defende para o País implica uma ”democracia democrática” aberta às pessoas e aos movimentos sociais, frase que só não ficou vazia de signiticado, porque o orador fez questão de referir que a ideia implica coligações e protagonistas bem precisos. Em concreto, Sampaio da Nóvoa quer um PS “aberto a todas as esquerda, a todas as forças de mudança existentes em Portugal”, como disse aos socialistas. E perante os militares da Associação 25 de Abril pediu “convergências” nas forças que recusem a austeridade e que partilhem a ideia de que é necessário “acabar com esta política antes que esta política acabe connosco”.

As ideias sobre a Europa e sobre as medidas a tomar para resolução da dívida pública ainda não estão bem definidas, mas começam a ser delineadas. “Temos de ser nós a dar um contributo para alterar o panorama europeu” e isso passa pela “renegociação da dívida”, por “um Estado forte” e pela aposta no “conhecimento e na inovação” como chaves para a “economia do futuro”, diz Sampaio da Nóvoa. Será pouco como programa político. M, afinal, a candidatura ainda nem arrancou. Pelo menos, oficialmente.

FOTO JOSÉ VENTURA

FOTO JOSÉ VENTURA

Como ganhar à primeira volta

Ser eleito Presidente à primeira volta não é fácil. O que é mais importante: concentrar votos num campo político, vir de fora do sistema ou simplesmente multiplicar as candidaturas? Falámos com Rui Oliveira e Costa, André Freire e Costa Pinto

TEXTO LUÍSA MEIRELES

Não há doutrina feita e os exemplos em Portugal têm dado para várias teorias. Mas a verdade é que dos quatro presidentes eleitos depois do 25 de Abril, três ganharam à primeira volta logo no primeiro mandato, na altura em que vira o ciclo: Ramalho Eanes, Jorge Sampaio e Cavaco Silva.

Dos três, Eanes foi um caso à parte. Nunca ninguém o igualou em percentagem de votos (61,59%) mas também os tempos eram outros. Foi nos alvores da democracia, em junho de 1976, sete meses apenas depois do 25 de novembro, em que ele tinha sido o líder incontestado e o PREC estava ainda vivo. Esse momento foi irrepetível, apesar de ter sido reeleito num segundo mandato, com o apoio do PS e da então ASDI, igualmente à primeira volta - os votos é que diminuíram. A percentagem não foi além dos 56,44 por cento dos votos.

São os números!

Depois disso, Jorge Sampaio e Cavaco Silva foram outros casos. Sampaio, em janeiro de 1996, teve um candidato à sua direita (um enfraquecido Cavaco, acabado de deixar o Governo) e dois à esquerda: Jerónimo de Sousa (PCP) e Alberto Matos (UDP). Sampaio ganhou com 53,9% contra 46% de Cavaco Silva.

Já Cavaco Silva, na sua primeira volta, em 2006, beneficia “por uma unha negra” da multiplicidade de votos à esquerda: Mário Soares, Manuel Alegre, Jerónimo de Sousa, Francisco Louçã, Garcia Pereira. Conseguiu 50,54% dos votos. “Tivesse Garcia Pereira mais meio ponto e tirava a maioria a Cavaco”, disse ao Expresso o politólogo Rui Oliveira e Costa. O candidato do MRPP teve 0,44% dos votos, 23983 votos.

Para este especialista em sondagens, o que conta é isso mesmo, a multiplicidade de candidatos, tanto faz à direita ou à esquerda. “A eleição é maioritária - a única em Portugal - e por isso quantos mais candidatos, mais votos, menos possibilidade de um só candidato ter a maioria absoluta à primeira volta”.

Outro exemplo, mas “a contrario sensu”? O de Mário Soares, em 1986, na sua primeira eleição, que foi à segunda e não à primeira. “Mas não tivesse havido três candidatos (à esquerda, no caso) - além de Mário Soares, Salgado Zenha e Maria de Lurdes Pintassilgo - e Freitas do Amaral, que reuniu 48% dos votos teria sido eleito logo à primeira”. Não terá sido por acaso que na candidatura de Soares, à época, se apostava muito em que Pintassilgo não desistisse. Era uma espécie de fundo de garantia para uma segunda volta de que Mário Soares sabia que necessitava.

Não, é a política!

Mas nem todos concordam com esta opinião. António Costa Pinto, por exemplo, considera que a questão de fundo é, tendo em conta a clivagem esquerda/direita, se há um candidato que faz o pleno da sua área, perante vários candidatos do outro lado.

“Em princípio, uma área unificada, com um candidato de centro-direita ou centro-esquerda, se for sozinho, ganha” defende Costa Pinto, para quem o cenário tem ainda mais hipóteses se o maior partido do outro lado não tomar posição. Trocando por miúdos, se Marcelo Rebelo de Sousa, por exemplo, se confrontar sozinho, à direita, com vários candidatos à esquerda, tem o caminho aplainado para uma vitória à primeira volta.

Se houver mais do que um candidato à direita - dando por certo que, para já, é à esquerda que os candidatos se estão a multiplicar - , o jogo complica-se, diz Costa Pinto. Para ele, “a conjuntura em que Mário Soares ganhou não é repetível - as clivagens da sociedade portuguesa não passam pelo candidato à direita que assusta. A esquerda hoje não pode demonizar nem um Marcelo, nem um Santana Lopes, nem Rui Rio”. E conclui: o que se está a passar agora é que a candidatura de Nóvoa coloca problemas ao PS, isto é, “a agenda do candidato pode perturbar a agenda do partido, que, para já, são mas legislativas”.

Ao contrário, é ser fora do sistema

E se, afinal, não fosse nada disso e a questão fosse outra: a da fragmentação e da força relativa dos candidatos em presença? É esta a opinião do politólogo André Freire, que valoriza esta perspetiva, em detrimento da ideologia.

“Se o voto estiver muito concentrado em dois ou três é mais fácil alcançar a maioria absoluta, se o voto for disperso, será mais difícil”, diz. “Não é uma questão de esquerda ou direita”, afirma. “O campo menos fragmentado aumenta as possibilidades de ganhar à primeira volta, mas não é linear”. Exemplo? O de Freitas do Amaral, o candidato único da direita em 1986, que vence por larga maioria a primeira volta, mas perde na segunda volta para Soares, perante uma esquerda que se uniu toda em torno dele.

Por outro lado, o apoio dos partidos também é importante, na logística, nos fundos disponibilizados, na estrutura. Mas, para André Freire, nas próximas eleições vai ser significativa a “proveniência” do candidato. “Os candidatos fora dos partidos podem baralhar os dados na primeira volta, pelo menos”, diz. “As pessoas estão cansadas dos partidos e dos jogos partidários”.

Por esta razão, prevê, a sua aposta “em abstrato” seria numa solução de uma candidatura de “extração não partidária, vinda de fora, mas com apoios partidários. Para já, tal hipótese só se configura à esquerda e está a causar feridos no PS. À direita, seja Marcelo Rebelo de Sousa, seja Santana Lopes, seja Rui Rio, todos eles saem de dentro do partido.