João Vieira Pereira

Opinião

João Vieira Pereira

“Não há dinheiro”

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As palavras de António Costa ontem no Parlamento a propósito da polémica sobre a contagem do tempo de serviço dos professores não pode deixar ninguém indiferente. Por momentos parecia que Costa era o primeiro-ministro não deste Governo mas do anterior. Ou que tinha embebido a arte de comunicação de Vítor Gaspar. O aviso de que não há dinheiro para contar todo o tempo de serviço dos professores, repondo os anos em que a carreira esteve congelada, é uma viragem completa na postura e estratégia que o executivo manteve até aqui.

Com mais ou menos malabarismos, explanados nas reposições de rendimento ou eliminação de impostas extraordinários de forma faseada, António Costa sempre foi conseguindo passar a ideia de que eram magos das finanças públicas, que faziam milagres na gestão do dinheiro dos contribuintes, ideia amplamente defendida no recente congresso do Partido Socialista onde o ausente Mário Centeno foi a grande estrela.

Em mais de dois anos de Governo, estas foram as palavras de António Costa que mais gostei de ouvir. Não porque me tenha habituado a ele ao ponto de entranhar esta gestão irrealista e mentirosa das expectativas dos portugueses, mas porque o primeiro-ministro começa finalmente a dizer que a margem de manobra é muito mais estreita do que ele sempre defendeu

Com uma oposição domada e outra a dormir, foi possível enganar quase todos com a ideia de que realmente este Governo tinha um toque de midas. Por isso quando, pela primeira vez, ouço o primeiro-ministro a dizer que não há dinheiro para cumprir uma promessa que ele fez, só posso ficar contente com este banho de realidade com que Costa agora presenteia o seu eleitorado e os parceiros de coligação.

Em mais de dois anos de Governo, estas foram as palavras de António Costa que mais gostei de ouvir. Não porque me tenha habituado a ele ao ponto de entranhar esta gestão irrealista e mentirosa das expectativas dos portugueses, mas porque o primeiro ministro começa finalmente a dizer que a margem de manobra é muito mais estreita do que ele sempre defendeu.

Se por um lado a frase “não há dinheiro” – uma forma pessimista da célebre expressão de George Bush, “read my lips: no new taxes” – só me pode deixar satisfeito, por outro deixa-me também preocupado.

É verdade que Costa estava, talvez pela primeira vez desde que é primeiro-ministro, encostado às cordas, mas ao assumir publicamente que o seu Governo afinal não é mágico e que está manietado pelos espartilhos de Bruxelas e dos mercados, ele abre uma frincha sobre o que nos espera o futuro.

E aqui parto do princípio lógico de que António Costa tem muito mais informação do que eu, ou qualquer cidadão comum, sobre o que se passa nas contas públicas. Ou seja, o seu encontro, mesmo que breve, com realidade pode significar também que há muita coisa sobre o estado das finanças que nós não sabemos. A desaceleração da economia é uma realidade, a subida dos juros também. Fatores que trazem menos receitas e mais despesa e uma pressão sobre as contas públicas que vai revelar que a magia de Costa e Centeno, afinal, era um espécie de nevoeiro amigo que veio de fora para nos ajudar a não ver que nada mudou de estrutural na contas públicas.

Portugal tem hoje um défice baixo, mas que é o sexto maior entre todos os 19 países do euro. O nosso sucesso é medido pela caminho que foi feito até agora pelo que um retrocesso significaria o fim do mito. Bruxelas não vai deixar isso acontecer. Ou então vai cobrar muito caro a inversão de uma política que eles elegeram como um exemplo.