POLÍTICA

Governo encerra polémica Galp com promessa de código de conduta

VIAGENS O debate em torno da fronteira entre poder político e económico explodiu depois da notícia sobre as viagens pagas pela Galp a Rocha Andrade, avançada pela “Sábado” FOTO JOSÉ CARLOS CARVALHO

VIAGENS O debate em torno da fronteira entre poder político e económico explodiu depois da notícia sobre as viagens pagas pela Galp a Rocha Andrade, avançada pela “Sábado” FOTO JOSÉ CARLOS CARVALHO

As viagens pagas pela Galp ao secretário de Estado dos Assuntos Fiscais e a outros dois secretários de Estado levantam questões sobre transparência, ética pública e sobre os limites que devem separar o poder político do poder económico. O Governo já reagiu e diz que não há incompatibilidades (Rocha Andrade, o caso mais polémico, tem sob a sua tutela a resolução de um conflito fiscal milionário que opõe o Estado à Galp) e anuncia que vai criar um código de conduta para este tipo de casos. Pode uma comissão de ética pública e regulação de conflitos de interesses contribuir para a solução? E o que propõem os partidos?

TEXTO RAQUEL ALBUQUERQUE

Ética e transparência saltam para a discussão pública quando surgem casos como o das viagens pagas pela Galp ao secretário de Estado dos Assuntos Fiscais para ir ver dois jogos do Europeu de futebol. “Eticamente reprovável”, “inaceitável” e “criticável” foram as críticas feitas pelos partidos, que se dividem entre um pedido de demissão de Rocha Andrade e a atribuição ao primeiro-ministro da responsabilidade nessa decisão.

Em reação às viagens, o ministro Augusto Santos Silva deu a conhecer esta quinta-feira que o Governo vai aprovar um código de conduta que incluirá “normas que sejam taxativas” no que diz respeito a este tipo de situações. “Como este caso mostra, este tipo de normas abertas suscitam dúvidas na opinião pública e o Governo entende que sobre estas matérias não devem existir quaisquer tipos de dúvidas. É por isso que o Governo apresentará um código de conduta que inclua normas taxativas.” A sua entrada em vigor, após aprovação em conselho de ministros acontecerá ainda “antes do fim de setembro”.

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Santos Silva, que anunciou que os três secretários de Estado envolvidos nesta polémica (Rocha Andrade e ainda Jorge Oliveira, da Internacionalização, e João Vasconcelos, da Indústria) vão pagar as despesas das viagens, diz que o Governo não vê qualquer incompatibilidade que ponha em causa a continuidade em funções dos envolvidos. “Não se trata de uma violação da lei, mas tendo suscitado dúvidas, os secretários de Estado fizeram questão de assegurar os reembolsos das despesas. Do pondo de vista do Governo, o caso fica encerrado.”

Contestação

“Isto não se resolve com devoluções”, escreveu Francisco Seixas da Costa, ex-embaixador e ex-secretário de Estado dos Assuntos Europeus, na sua página do Facebook. “Somos um país que ainda não encontrou o registo certo para estas questões de ética pública.” É por isso que sugere a criação de uma comissão de ética e regulação de conflitos de interesses, “com um estatuto idêntico ao da Provedoria da Justiça”. Esse comité deveria ser criado fora da Assembleia da República, para que “pudesse funcionar como um órgão de consulta automática deste tipo de questões, acionado por queixas ou por iniciativa própria”.

Deveria, na sua opinião, dar sugestões de alterações legislativas. “Seria um órgão que não era executivo, mas com autoridade moral e exposição com visibilidade pública”, explica ao Expresso. À frente dessa comissão era importante que ficasse alguém “reconhecido à escala nacional, com um percurso de mãos limpas em absoluto e cuja palavra tivesse algum peso”, levantando os nomes de Guilherme D'Oliveira Martins ou Jorge Miranda (que defendeu esta quinta-feira que Rocha Andrade se devia ter demitido: “É inadmissível. É uma falta de ética espantosa. [Fernando Rocha Andrade] devia demitir-se (...) É espantoso que ao fim de 40 anos de democracia ainda exista um caso destes”).

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Há uma espécie de naturalidade e isso é terrível

O trabalho dessa comissão de ética poderia ainda cumprir outro objetivo, segundo Seixas da Costa: “constituir uma jurisprudência, definindo um paradigma”. Ou seja, ao longo de tempo, com os casos que fossem acontecendo, poderia contribuir para a criação de uma “filosofia global” no sentido de alargar a ética à administração pública. Mais ainda, conclui Seixas da Costa, esse trabalho de regulação poderia ter “efeitos colaterais” em casos como as “cunhas”, que discriminam uns em favor de outros, resumindo-se num “problema democrático”. O que acontece hoje, na sua opinião, é que muitas vezes os titulares dos cargos públicos “não têm consciência do que estão a cometer”. “Há uma espécie de naturalidade e isso é terrível”, acrescenta.

Francisco Seixas da Costa faz ainda referência a outros dois exemplos: o do secretário de Estado do Ambiente, Carlos Martins, que recebia indevidamente um subsídio de residência (do qual acabou por prescindir) e ainda o facto de o Presidente da República ter ido ver um jogo no Europeu num avião Falcon do Estado. Seixas da Costa considera que, em comum, estes casos têm o facto de se situarem num mesmo terreno. “É a fronteira do que não é ilegal, mas é eticamente reprovável.”

Dar mais atenção a casos deste tipo pode ter um efeito positivo, pois “coloca limites”. E fala ainda de outras situações paralelas, onde os limites e a ética são debatidos, como a contratação da ex-ministra das Finanças Maria Luís Albuquerque para a empresa Arrow Global, e a recente nomeação de Durão Barroso, ex-primeiro-ministro e ex-presidente da Comissão Europeia, para a Goldman Sachs.

E que outras soluções existem?

Com o objetivo de reforçar a transparência no exercício de cargos públicos e políticos, já foram apresentados alguns diplomas pelos partidos. Um projeto-lei apresentado pelo CDS prevê que seja criado um registo obrigatório de “quaisquer ofertas” aos titulares de cargos políticos ou altos cargos públicos ou o pessoal dos gabinetes, garantindo “a correspondente publicação”. O objetivo é também garantir a “fiscalização da sua atividade” pelos cidadãos, lê-se no preâmbulo do diploma.

Já um projeto-lei do Bloco de Esquerda defende a necessidade de “permitir aos cidadãos em geral o acesso” à informação sobre a “atividade profissional, empresarial e financeira” de quem desempenha funções política e altas funções públicas. No entanto, a proposta não inclui “explicitamente” a declaração ou registo deste tipo de convites ou ofertas, segundo confirma ao Expresso Pedro Filipe Soares.

“A matéria está em especialidade e vamos reavaliar nos próximos dois meses. Admitimos que podemos rever a nossa proposta”, afirma, lembrando que estas leis “são sempre passíveis de serem melhoradas no dia-a-dia”. Contudo, o deputado sublinha ser “muito difícil que as limitações éticas sejam transpostas para as limitações legais”.

Um projeto-lei apresentado pelo PS inclui um artigo sobre o registo de interesses. “O registo de interesses consiste na comunicação, por via eletrónica, de todas as atividades suscetíveis de gerarem incompatibilidades ou impedimentos e quais os atos que possam proporcionar proveitos financeiros ou conflitos de interesses.”