ESQUERDA
No peito dos desafinados bate uma coligação?
AFINAL EM QUE FICAMOS? As últimas declarações dos líderes do PCP e do BE quanto ao estado do acordo com o PS desafinam FOTO JOSÉ CARLOS CARVALHO
Jerónimo de Sousa, cauteloso, dizia na 5ª feira que as negociações com PS e BE ainda não chegaram à fase do acordo. Mas Catarina Martins anunciou ontem ao DN que, pelo menos em relação às pensões, “já há acordo”. Em que ficamos?
TEXTO CRISTINA FIGUEIREDO
Pode ser apenas uma questão de ritmo (e de dose), para usar uma metáfora que António Costa aprecia. Ou mesmo de tom: as últimas declarações dos líderes do PCP e BE quando ao estado do acordo com o PS desafinam. Mas nos meios partidários cresce a convicção que, como na canção do Jobim, “no peito dos desafinados também bate”, neste caso, uma coligação. E que a prudência de Jerónimo tem mais a ver com os equilíbrios internos no PCP, a que também é preciso dar atenção, do que com o real estado das negociações – que vão (aparentemente) bem, recomendam-se e serão “oficializadas” já na próxima semana, depois da discussão (e queda) do programa do Governo de Passos.
Fonte socialista ligada à negociação dizia ao Expresso, na edição de sábado, que as conversas tripartidas já estavam “ultimadas” e que o único obstáculo à sua divulgação pública era mesmo a apresentação (e discussão) do Programa do Governo. Ontem, no DN, Catarina Martins fez afirmações igualmente otimistas. Apesar de reconhecer que “os processos de convergência são complexos” e de admitir reservas quanto ao PS (“há uma relação de confiança que foi estabelecida durante quatro anos com o PCP que não digo que não possa existir com o PS”), garantiu “já foram dados passos sólidos para que Portugal saiba que o dia em que os partidos vão rejeitar o governo PSD-CDS é também o dia que ficará marcado pela possibilidade de um acordo para um outro Governo”. Deu mesmo um exemplo concreto em que já há acordo: quanto ao descongelamento das pensões e ao aumento real das pensões mais baixas. Outras matérias, como o salário mínimo, ainda estão a ser trabalhadas mas, tal como o Expresso já anunciava na edição semanal, alcançar os 600 euros, como pediam BE e PCP, não será possível já em 2016. “É determinante alcançar esse valor até ao final da legislatura”, revê a porta-voz dos bloquistas.
E quanto ao PCP? “O PCP está firme”, diz ao Expresso um destacado socialista, conhecedor do modo de funcionamento da Soeiro Pereira Gomes e, por isso, nada surpreendido com a cautela que o secretário-geral usou para falar do acordo na entrevista à SIC, na semana passada, e convicto que não é por isso que o PCP falhará o acordo na hora da verdade. “Os comunistas são muito contidos nas negociações. Têm de ser fiáveis e obrigam os outros a sê-lo também”, detalha a mesma fonte. Acrescentando: “Jerónimo tem de falar para dentro do partido. Não é só no PS que há quem não goste desta solução”.
Miguel Urbano Rodrigues não acredita no acordo
Há sinais públicos, ainda que discretos, de que o acordo à esquerda merece reservas dentro do PCP. Num artigo publicado no blog “ODiario.info”, Miguel Urbano Rodrigues põe muitas reservas às possibilidades de sucesso do acordo com o PS. No texto, intitulado “o jogo da hipocrisia num sistema institucional apodrecido”, o histórico comunista confessa que não encara “com otimismo o futuro próximo. O acordo firmado pelos três partidos da oposição não dissipa as nuvens acumuladas no horizonte. Será mesmo “um governo de esquerda” como lhe chamam os media? A minha resposta é negativa”.
Para o antigo diretor de “O Diário”, e ex-deputado do PCP, o PS é “um partido neoliberal como a maioria dos seus congéneres europeus. Quando no Governo realizou sempre políticas de direita e quando na oposição foi cúmplice de políticas de direita”. Admite que um governo socialista saído do atual Parlamento não fará pior que o cessante de Passos e Portas. Mas não acredita que desenvolva “uma política que responda minimamente às aspirações das vítimas da obra devastadora da coligação reacionária PSD-CDS”.
E sentencia: “Sejam quais forem os acordos a que o PS chegar com o BE e o PCP, os riscos, sobretudo para os comunistas, serão sempre grandes e as possibilidades de os evitar escassas. As áreas de eventuais acordos entre projetos tão diferentes são aparentemente poucas. è minha convicção que somente a intensificação da luta de classes, ao tornar-se prioritária como frente de combate contra a herança devastadora dos últimos governos, pode abrir perspetivas de sobrevivência a um governo frágil de António Costa”.