MICHELLE OBAMA

Qual é o segredo dela?

O MELHOR PAÍS DO MUNDO Michelle impressionou democratas e republicanos com o discurso na convenção democrata FOTO DREW ANGERER / GETTY

O MELHOR PAÍS DO MUNDO Michelle impressionou democratas e republicanos com o discurso na convenção democrata FOTO DREW ANGERER / GETTY

Hoje em dia, as taxas de aprovação de Michelle Obama são altas e a sua popularidade é óbvia para quem anda pelas redes sociais. O discurso que protagonizou na convenção democrata da semana passada foi um trunfo para Hillary, elogiado de forma quase consensual, mas nem sempre foi assim: em 2008, menos de metade dos americanos tinha uma opinião favorável sobre Michelle. Falámos com especialistas - incluindo o biógrafo dela, um ex-jornalista do “Washington Post” -, para perceber como se passa de parcialmente rejeitada a quase consensual

TEXTO MARIANA LIMA CUNHA

Michelle Obama nem sempre foi a Michelle Obama popular, viral até, que hoje conhecemos. Em 2007, tentava cativar uma ampla audiência no New Hampshire, já com as eleições de 2008 em vista, com um discurso que pretendia ser terra-a-terra e familiar para as mulheres ali presentes: “Normalmente, se a sanita entope, somos nós que temos de mudar a hora da nossa reunião para estarmos presentes quando o canalizador chegar. Certo, senhoras?”

As palavras eram desajeitadas – Michelle falava, nessa altura, sobre o ressonar e o hálito matinal do marido com desenvoltura – e vinham de uma candidata a primeira-dama relutante que por várias vezes foi apontada, durante a primeira campanha de Barack Obama, como um possível “ponto fraco” para o marido. Mas quem viu o discurso de Michelle em defesa de Hillary Clinton há poucos dias, na convenção democrata, pode pensar que estamos a falar de duas mulheres diferentes.

“Houve uma certa transformação, mas parte dela terá sido apenas de estilo. No início, até 2008, a grande estrela era Barack. O grande público só começou a conhecer os diferentes aspetos de Michelle já depois de ela se tornar primeira-dama”, explica Germano Almeida, especialista em política norte-americana e autor de dois livros sobre a administração Obama. “Em 2008, ela dizia temer as consequências para a família, sobretudo para o crescimento das filhas, Malia e Sasha, de uma campanha presidencial dura e muito exposta. A verdade é que acabou por ser um trunfo para Barack nesse momento definidor, ao fazer um grande discurso na convenção democrata de 2008.”

POPULAR “Michelle já beneficiou o marido e quase nunca o prejudicou”, asseguram os especialistas FOTO CHIP SOMODEVILLA / GETTY

POPULAR “Michelle já beneficiou o marido e quase nunca o prejudicou”, asseguram os especialistas FOTO CHIP SOMODEVILLA / GETTY

Nessa convenção de 2008, uma Michelle com uma imagem menos polida, mais simples, mas já com o carisma que hoje tantos especialistas lhe reconhecem falava sobre os valores que partilhava com o marido: “Devemos trabalhar pelos nossos objetivos, a nossa palavra é a nossa honra e cumprimos o que prometemos, tratamos as pessoas com dignidade e respeito – mesmo que não as conheçamos ou não concordemos com elas”. E partilhava a sua história – a história de uma mulher afro-americana de Chicago que enfrentou dificuldades e construiu uma carreira de sucesso de forma independente (ou não fosse Michelle, quando conheceu Barack, chefe do marido na firma de advogados em que ambos trabalhavam).

“Para muitos sectores do eleitorado americano, o exemplo inspirador daquele casal, ambos com carreiras de sucesso e uma vida familiar estável, quebrou carreiras e preconceitos”, salienta Germano Almeida. O biógrafo de Michelle e ex-jornalista do “Washington Post” Peter Slevin concorda, explicando ao Expresso que “ela não é uma política – diz que não vai garantidamente ser candidata à presidência – e Washington não lhe era familiar”. “Quando chegou à Casa Branca em 2009, Michelle não tinha um plano concreto. Os primeiros meses foram difíceis.”

A importância política de ser cool

Apesar das dificuldades dos primeiros tempos, Michelle depressa criou condições para se tornar “a primeira-dama mais cool de sempre”, um título que lhe foi outorgado ainda na semana passada pela “Vanity Fair”. Nesse ano de 2009, escassos meses depois da primeira eleição do marido, Michelle já conseguia a sua taxa de popularidade mais alta de sempre, com uns impressionantes 79%. Peter Slevin explica que Michelle “encontrou o seu caminho quando se focou em temas que lhe dizem muito, especialmente a obesidade infantil e a educação”. “Ela percebeu o poder da sua mensagem enquanto mulher afro-americana trabalhadora que enfrentou muitos obstáculos durante a sua infância e depois. Agora fala frequentemente para os mais jovens e especialmente para os jovens afro-americanos e hispânicos, incentivando-os a dar um rumo às suas vidas e educação. Diz-lhes que olhem para o seu exemplo e do seu marido e nunca desistam.”

Encontrado o foco do seu discurso enquanto primeira-dama, Michelle trabalhou para transmitir a sua mensagem – e mesmo quando o fez “através de paródias ou de canções”, como nos populares talk-shows de Ellen Degeneres ou James Corden, “nunca deixou nada ao acaso”. “Ela pensa estrategicamente e planeia cuidadosamente”, considera Germano Almeida, que assegura que “Michelle já beneficiou várias vezes Barack Obama e quase nunca o prejudicou”. “Os temas da saúde, educação e igualdade de género definem o quadro de valores que guiam a primeira-dama. Em todos eles, a intervenção dela não foi dominante nas ações do presidente, mas ajudou a humanizar posições e a pessoalizar histórias de vida.”

E se Michelle, uma primeira-dama “única” com formação em duas universidades de elite americanas, recusa entrar na política, Germano Almeida lembra que “em fases particularmente difíceis para a popularidade do presidente – a meio do primeiro mandato, com a crise de não haver acordo para o teto da dívida, por exemplo – a presença de Michelle em talk-shows televisivos, sempre num estilo ‘cool’ e consensual, despertava simpatia e ajudava a reduzir o nível de crítica de alguns sectores contra Barack Obama”.

Pode não parecer muito, mas certo é que Michelle tem uma aprovação quase independente da do marido – enquanto nos casos de Laura Bush ou Hillary Clinton, que alcançou um dos seus picos de popularidade durante o escândalo da traição do presidente com Monica Lewinsky, a aprovação do público das primeiras-damas dependia em grande parte da popularidade dos respetivos maridos. “O presidente Obama costuma lançar uma piada, quando fala da mulher, que tem sido uma grande verdade: ‘Há neste casal um membro com uma taxa de popularidade incrível e dou-vos uma pista: não sou eu’”, salienta Germano Almeida.

Acredita que Michelle compreende os seus problemas?

Germano Almeida concede que “o fenómeno acaba por ser compreensível: Barack Obama ocupa um cargo político de grande desgaste, Michelle não é política nem quer ser”. O que não quer dizer que não reúna simpatia (que já foi dos 43% de 2008 aos 79% em poucos meses) em sectores sociais muito diferentes: segundo uma pesquisa do Pew Research Center, em 2014, a popularidade de Michelle junto das mulheres negras rondava os 96% e caía para 66% junto das mulheres brancas. Mais significativa ainda era a resposta à pergunta “acredita que Michelle Obama compreende os seus problemas?”: enquanto mulheres brancas e negras e homens negros acreditavam que sim em larguíssimas maiorias, apenas 44% dos homens brancos responderam afirmativamente.

Mesmo com estas divisões, o discurso de Michelle nesta convenção democrata foi aplaudido por democratas e conservadores e admirado como um dos seus momentos mais poderosos enquanto primeira-dama. “A campanha de Clinton está radiante com o forte apoio de Michelle, que tem seguidores extremamente leais, especialmente entre os afro-americanos e as mulheres. Michelle cria facilmente ligação com o público e tem uma história forte para contar”, salienta o seu biógrafo.

A alegria na campanha de Clinton não é de espantar: estamos a falar de uma primeira-dama “jovem, descontraída e com presença mediática poderosa”, assegura Germano Almeida – o último vídeo no programa de James Corden, em que cantarolou músicas de Beyoncé e Missy Elliot dentro do carro, chegou aos 30 milhões de visualizações em apenas sete dias.

Afinal, Michelle pode não querer nada com a política – mas parece certo que continuará a contar com um amplo grupo de seguidores, mesmo fora da Casa Branca.