COLÉGIOS

Decisão do Ministério de Educação de invocar parcialidade do juiz divide opiniões

CONTESTAÇÃO A guerra entre colégios com contrato de associação e o Ministério da Educação arrasta-se há meses e não tem data para acabar FOTO MARCOS BORGA

CONTESTAÇÃO A guerra entre colégios com contrato de associação e o Ministério da Educação arrasta-se há meses e não tem data para acabar FOTO MARCOS BORGA

O Ministério da Educação pediu por três vezes que o juiz do Tribunal Administrativo de Coimbra fosse afastado dos processos que opõem o Estado aos colégios sobre os contratos de associação. A pretensão foi sempre rejeitada

TEXTO HUGO FRANCO E ISABEL LEIRIA

Por três vezes o Ministério da Educação invocou a alegada parcialidade do juiz Tiago Afonso Lopes de Miranda, do Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra, para o afastar dos processos que lhes foram distribuídos e que opõem colégios com contrato de associação e o Estado. E por três três vezes viu o incidente de suspeição rejeitado pelo Tribunal Central Administrativo do Norte.

A situação se não é inédita, não será comum, garante Dantas Rodrigues, advogado especializado em Direito Administrativo, que diz não se recordar de alguma vez o Estado pedir o afastamento de um juiz por questões de parcialidade. “Isto não é normal e desvaloriza a Justiça. É uma posição de demasiada força do Estado, que está a tomar uma posição cega neste processo dos contratos de associação dos colégios”, critica. E acrescenta: “O papel do Estado não é o de levantar incidentes de suspeição contra um juiz”.

Numa nota enviada às redações, o Ministério diz que não “fará quaisquer comentários fora dos autos do processo”. E limita-se a “confirmar o incidente de suspeição de juiz, baseado no facto de anteriormente o próprio juiz ter intentado um processo contra o ME para que um filho tivesse lugar num colégio com contrato de associação para além do número de turmas contratadas.”.

Este processo remonta a 2012 e foi rejeitado pelo tribunal. Quatro anos depois, o juiz Tiago Afonso recebeu para decisão três das várias providências cautelares que foram interpostas por colégios com contrato de associação (ver Perguntas e Respostas). Já decidiu duas: aceitou as providências cautelares interpostas pelo Centro de Desenvolvimento de Educativo de Cantanhede e pelo Centro de Estudos Educativos de Ançã. Ambos contestavam o despacho do Ministério que impões limites geográficos na aceitação das matrículas, dizendo que apenas são elegíveis para financiamento público estudantes da “área geográfica de implantação do colégio.

Ao decretar a providência, o despacho fica provisoriamente suspenso para estes dois colégios e não se aplicam as restrições nas matrículas. O juiz Tiago Afonso terá de decidir uma terceira e o que o Tribunal Central Administrativo do Norte já disse é que é competente para tal.

Numa análise a este processo, Dantas Rodrigues tem o mesmo entendimento e considera que, no caso em concreto, não haverá incompatibilidade pelo facto de o juiz Tiago Lopes de Miranda ter interposto uma ação contra o Estado, há quatro anos, relativamente à frequência de um colégio com contrato de associação por parte da sua filha.

O advogado admite que este magistrado poderia ter-se abstido de participar neste processo e deste modo evitar a polémica que rebentou esta terça-feira. “Estamos apenas a discutir no âmbito da ética e deontologia e não da legislação, que não se aplica neste caso”. Ainda assim, este advogado não deixa de apontar o dedo ao Estado que, acusa, nos últimos anos decidiu dificultar a vida aos juízes. “Estamos numa época de férias em que poucos magistrados estão a trabalhar e os juízes não abundam. Poderia este juiz de facto ter recusado o caso?”, questiona.

Motivo “sério e grave”

Já para outro advogado especializado em Direito Administrativo, Tiago Serrão, docente da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa,“a suspeição deduzida pelo Ministério da Educação não é juridicamente infundada”. Na sua opinião, “há que interpretar e aplicar de modo não demasiado restritivo o disposto na lei quanto à existência de um 'motivo adequado' (...) a gerar desconfiança sobre a sua imparcialidade”. Isto apesar de ser a própria lei a qualificar esse motivo de 'sério e grave'.”

Tiago Serrão lembra que a lei não permite que o juiz se autodeclare voluntariamente suspeito, mas habilita-o a pedir dispensa de intervenção no processo, desde logo, quando “por outras circunstâncias ponderosas – que não aquelas que se encontram elencadas na lei –, entenda que pode suspeitar-se da sua imparcialidade”.

Na sua opinião, a lei devia ser alterada e os incidentes de suspeição decididos por “personalidades da sociedade civil e também juízes”.

O Expresso tentou contactar o juiz Tiago Lopes de Miranda, no Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra, sem sucesso. Já a “falta de conhecimento do processo” levou a Associação Sindical dos Juízes Portugueses a abster-se de responder às perguntas enviadas pelo Expresso.

O Ministério já anunciou que vai recorrer das decisões do Tribunal Central Administrativo do Norte.

EDUCAÇÃO

5 perguntas e respostas para entender a batalha jurídica entre colégios e Governo

MINISTRO DA EDUCAÇÃO Mandato de Tiago Brandão Rodrigues marcado pelo conflito com os colégios FOTO ALBERTO FRIAS

MINISTRO DA EDUCAÇÃO Mandato de Tiago Brandão Rodrigues marcado pelo conflito com os colégios FOTO ALBERTO FRIAS

Depois dos protestos nas ruas, os colégios partiram para a luta nos tribunais. Contestam as restrições nas matrículas impostas pelo Ministério, que limitam novos financiamentos a alunos da área de implantação das escolas, e rejeitam os cortes no financiamento. Até agora houve decisões para todos os gostos

TEXTO ISABEL LEIRIA

1. Quantos decisões judiciais já houve até agora?

Das cerca de duas dezenas de providências cautelares interpostas por outros tantos colégios com contrato de associação, já se conhecem sete primeiras decisões. Neste momento ainda não há sentenças finais, apenas a decisão de considerar ou não que as queixas dos colégios podem ter razão de ser. Aconteceu em três casos. Nos restantes quatro casos, as providências foram indeferidas, mas com argumentações diferentes. E que têm sido invocadas, tanto pelo Ministério como pela Associação de Estabelecimentos do Ensino Superior Particular e Cooperativo (AEEP), como vitórias.

2. O que contestam os colégios?

Para já, o despacho das matrículas aprovado em abril deste ano. Nesse diploma foi incluída uma alínea que limita os apoios do Estado a alunos de colégios com contrato de associação que morem na “área geográfica de implantação” do respetivo estabelecimento de ensino. Isto para as novas turmas que vierem a ser constituídas. Esta restrição é contestada pelos colégios: tal como não podem escolher os alunos e têm de aplicar as mesmas regras de prioridade seguidas pelas escolas públicas, para obterem o financiamento, entendem que o Estado também não os pode sujeitar a limites que não impõe à rede estatal.

3. Que consequências práticas têm as decisões dos tribunais administrativos e fiscais (TAF) que já se pronunciaram?

Como as ações são apresentadas individualmente, cada decisão judicial só tem efeitos sobre o colégio que reclamou. Ou seja, as duas decisões do TAF de Coimbra, conhecidas esta semana, e a do TAF de Braga, do mês passado, que decidiram o decretamento provisório da providência cautelar, com a respetiva suspensão da contestada alínea do despacho das matrículas, apenas possibilitam aos colégios reclamantes a aceitação de todos os alunos até ao limite da lotação das turmas e independentemente da morada. Estas decisões dizem respeito ao Centro de Desenvolvimento Educativo de Cantanhede, ao Centro de Estudos Educativos de Ançã e ao Colégio de Campos. Os juízes entenderam nestes casos que o não decretamento da providência causaria prejuízos aos colégios (com perda de alunos) que podiam não ser possíveis de reparar dado o tempo que demora o julgamento da ação principal.

4. E nos quatros casos em que os tribunais indeferiram a providência cautelar?

Apesar de o Ministério da Educação considerar que estas decisões funcionam a seu favor – afinal, os tribunais consideraram improcedentes as reclamações dos colégios –, na prática pode não ser bem assim. É que, tirando a decisão do TAF de Leiria, em que a juíza é clara ao dizer que não foi dado como provado pelo colégio reclamante (Senhor dos Milagres) que vai sofrer prejuízos de difícil reparação por causa das restrições no despacho de matrículas, nos outros três casos a argumentação do juiz do TAF de Coimbra foi totalmente diferente. A não aceitação das providências cautelares foi decidida com base no entendimento de que não existe uma lei que defina quais são os limites geográficos da implantação de cada colégio. Logo, entendem os próprios, as restrições de localização impostas pelo despacho das matrículas não têm aplicação prática. E os colégios podem aceitar e ter alunos financiados pelo Estado mesmo que não sejam da sua freguesia ou até concelho.

5. Há outro tipo de processos em tribunal?

Ainda poucos, mas há. A segunda linha de contestação judicial dos colégios já tem que ver com as questões do financiamento propriamente ditas e passa por contrariar o entendimento do Ministério da Educação de que os contratos assinados em 2015 com o ministro Nuno Crato apenas garantem a transferência de verbas para turmas autorizadas nesse ano até que os alunos concluam o respetivo ciclo de estudos. Com base nesta interpretação dos contratos, assinados por três anos, o Ministério deixa de financiar no próximo ano letivo 39 dos 79 colégios com contratos de associação. E reduziu o financiamento do número de turmas apoiadas noutros 19. Já os colégios com contrato de associação dizem que os contratos que assinaram dizem respeito ao financiamento de novas turmas durante três anos e que deveriam ter em 2016 o mesmo número de turmas apoiadas que tiveram em 2015, no 5º, 7º e 10º anos (inícios de ciclo). Dois já interpuseram providências cautelares, outros se seguirão.