Ricardo Costa

Opinião

Ricardo Costa

O Banco de Portugal como saco de boxe

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Um dos temas mais interessantes (e discutíveis) do recente relatório sobre a dívida portuguesa tem a ver com a utilização de provisões do Banco de Portugal. A questão assenta em vários fatores técnicos que merecem ser debatidos por quem domina o assunto. Há razão em quem reclama um excesso de provisões e ganhos do Banco de Portugal (BdP), sobretudo decorrentes da compra de dívida, e que o acionista Estado deve ter direito a uma parte maior desse dinheiro. E há razões atendíveis em que receia que uma gestão de efeitos imediatos do dinheiro disponível no banco central pode ser pouco cautelosa, além de contribuir artificialmente para o objetivo do défice.

Razões à parte, a forma como o tema foi lançado e, sobretudo, debatido nas horas e dias seguintes à apresentação do relatório deixa poucas dúvidas sobre o que vai acontecer: existe vontade política de utilizar esse dinheiro e só algum argumento muito forte travará uma decisão parlamentar. Neste ponto, PS e Bloco de Esquerda têm toda a razão. O BdP tem como único acionista o Estado e o acionista pode dispor de provisões e lucros. O problema é o que isso representa politicamente, sobretudo se o Banco de Portugal for contra.

Num caso como este não interessa falar em acionistas e administrações, como se o BdP fosse uma empresa. Não é. O Banco Central tem muto mais importância que uma qualquer empresa, é insubstituível no seu papel e tendencialmente eterno. Apesar de boa parte das suas funções terem mudado com a criação do Euro e do Banco Central Europeu, é altamente provável que continue a existir daqui a 100 ou 200 anos...

É por isso que qualquer guerra política em torno do Banco de Portugal é pouco saudável. É verdade que o BdP se pôs muito a jeito, quer por colagem política ao programa da troika, quer por ter condicionado parte das suas previsões por a uma matriz de pensamento único, quer por ter sido completamente incompetente e impotente na supervisão bancária. Mas as falhas do Banco de Portugal não justificam uma guerra pública de larga escala.

O problema é que este braço de ferro tem como razão de fundo uma profunda desconfiança do executivo em relação ao governador do Banco de Portugal (e vice-versa). Ora essas desconfianças mútuas não se podem sobrepor nem condicionar o nosso Orçamento, a gestão da dívida pública e a necessária independência de um banco central. Depois do normal ruído inicial e do menos normal pingue-pongue político, convinha que as partes pudessem conversar um pouco e aproximar posições. Ter o Banco de Portugal como saco de boxe até pode dar gozo aos intervenientes na luta pública, mas deixa-me pouco descansado.