O país de António Costa preparou-se para a crise?
Em 2015 quando os gregos radicais do Syriza ganharam as eleições, António Costa foi dos primeiros líderes europeus a celebrar. Costa não teve pejo em decretar o “sinal de mudança” numa Europa de austeridade ditada pela Alemanha e pelo Eurogrupo. Aconteceu muita coisa nestes três anos mas será que houve de facto tantas mudanças? E foram as necessárias? A crise em Itália e Espanha pôs-nos novamente em alerta. Bastou um abanão para nos levar ao mesmo sítio. A austeridade continua a ser regra. A Europa mantêm-se frágil. Costa e o Syriza são bons exemplos.
Com a formação da “geringonça”, António Costa foi encostado à esquerda mas na realidade governou à direita – a maior das ironias foi ouvir Manuel Alegre gabar-se de um PS “que sabe fazer contas” e que é mais certeiro do que a direita. Se dúvidas houvesse, Costa tem sido o que sempre foi: um europeísta convicto, moderado e cumpridor. As suas aproximações à esquerda devem ser lidas como movimentações táticas com objetivos eleitorais. Não quero com isto dizer que se tenha tornado num convicto apoiante de Merkel, com quem se passeou em Lisboa e no Porto, mas a chanceler ajuda a reforçar a imagem de um Portugal (e de Costa!) “num novo ciclo”, importante para os mercados em dias de turbulência na zona euro. Mais: com importantes negociações nos fundos, a “cunha” da Alemanha não é despicienda.
É indiscutível que Portugal é hoje olhado de forma diferente pelos mercados internacionais. Com o governo de António Costa alcançámos metas tão importantes que até ouvimos falar de uma “crise das boas notícias”. O problema é que 2018 chegou com sabor mais amargo. O crescimento do primeiro trimestre foi pior e as previsões são de abrandamento – o que porá em causa alguns planos para a campanha eleitoral. O cenário já não era animador na comparação com outras economias como por exemplo a Irlanda (que também passou por uma intervenção externa). Se a isto acrescentarmos a pesada dívida que carregamos e cujas taxas de juro se agitaram com a indefinição italiana, percebemos que ainda caminhamos sobre gelo fino.
Os sinais que nos chegam revelam-nos que a tempestade esteve sempre lá. A bonança não é eterna. Na verdade, o primeiro-ministro acusou o toque quando esta semana nos veio dizer que este não era o momento para mexer na carga fiscal ou para aumentar a despesa. As atenções, dizia António Costa, são todas para a redução da dívida. O ponto é este: não deveria ter sido esta a prioridade da legislatura? Não deveria ser esta uma matéria de acordo de regime?
António Costa revelou-nos nos últimos dois anos e meio o quão exímio é na arte da política, dos equilíbrios às negociações. Revelou-se nas boas notícias. Mas o alerta que nos chega de Itália – com um governo eurocético – e de Espanha – com enormes incertezas no futuro – fez reacender os receios em torno do euro e pôs muita coisa em perspetiva. Estaremos hoje melhor preparados para uma crise de contágio? É verdade que soubemos apanhar a onda positiva, mas tenho muito menos certezas sobre se a soubemos aproveitar de forma estrutural. Ao sabor de uma lógica de manutenção do poder e ancorado em acordos imobilistas, o governo andou sempre em águas pouco profundas. Preferiu uma navegação de terra à vista assente nas reversões e na gestão de expectativas e pouco concentrada na alteração estrutural da economia. É verdade que criámos uma boa almofada financeira e fizemos uma gestão mais inteligente da dívida, mas continuamos híper vulneráveis à pressão dos mercados.
A mudança que Costa encontrou na eleição do Syriza mais não foi do que uma miragem. A Grécia de Tsipras não teve alternativa. Costa e as esquerdas podem acreditar no que quiserem, mas também eles tiveram de seguir a via-sacra do cumprimento das regras. É verdade que Merkel visitou esta semana um Portugal diferente, mas não totalmente. A chanceler sabe que continuamos frágeis, dependentes e pior: devedores. Enquanto não dermos passos mais firmes, com uma agenda de futuro e de consenso, poucos ou nenhuns acreditarão nas nossas capacidades. Costa pode convencer-se, tal como Sócrates nos seus tempos mais difíceis, que o “mundo mudou”. É verdade que mudou mas para ficar quase tudo na mesma.