Foco

Gerald Posner Jornalista de investigação e autor de livros sobre os assassínios de J.F.K. e de Martin Luther King

“Não houve nenhuma maquinação para matar J.F.K.”

Jacqueline Kennedy tenta ajudar o marido, alvejado em Dallas a 22 de novembro de 1963. No carro iam também o governador do Texas, John Connally, e a sua mulher, Nellie <span class="creditofoto">Foto Getty Images</span>

Jacqueline Kennedy tenta ajudar o marido, alvejado em Dallas a 22 de novembro de 1963. No carro iam também o governador do Texas, John Connally, e a sua mulher, Nellie Foto Getty Images

Ricardo Lourenço Correspondente nos EUA

Os ficheiros remanescentes sobre o atentado que matou o Presidente americano John F. Kennedy (J.F.K.) serão desclassificados dentro de poucos dias, por ordem do atual inquilino da Casa Branca, Donald Trump. Mais tarde surgirão novos dados sobre os assassínios de Martin Luther King Jr. e Robert F. Kennedy, respetivamente líder do movimento dos direitos cívicos e irmão de J.F.K. Porém, as atenções concentram-se no assassínio do chefe de Estado em 1963, fonte inesgotável de conspirações. Em entrevista ao Expresso, o investigador Gerald Posner explicou os pormenores da saga que começou com uma “bala mágica”, deixando a América órfã. Previu novidades, mas “nada bombástico”.

Investigou o assassínio de J.F.K. durante décadas e escreveu o best-seller “Case Closed”, dedicado ao tema. Quais as conclusões do seu trabalho?

Surgiram teses conspirativas após a morte do Presidente. A máfia odia­va-o, porque Robert, seu irmão e procurador-geral [equivalente a ministro da Justiça], queria desmantelar o crime organizado. Fidel Castro, então Presidente de Cuba, sabia que os americanos — CIA e máfia — queriam matá-lo e pretenderia antecipar-se. Tínhamos também a União Soviética, humilhada após a crise dos mísseis estacionados em Cuba. Supostamente, havia muitas entidades com vontade de matar o Presidente e porventura todas estariam a preparar algo. Porém, a conclusão principal — as autoridades oficiais apontam no mesmo sentido — é: o responsável pelo atentado é Lee Harvey Oswald. Não houve nenhuma maquinação para matar J.F.K. Não há provas que liguem Oswald a uma ação planeada por terceiros.

Observa-se um revivalismo de teses conspirativas em ecossistemas de infoentretenimento, nomea­damente podcasts de celebridades. Teme que os factos apurados jamais entrem nesse mundo?

Esse fenómeno relaciona-se com a visão conspirativa deste novo movimento de direita, cético quanto ao papel do Estado profundo (deep state), o mesmo que opera contra os interesses de Donald Trump. É um elemento central. Falo de indivíduos como Joe Rogan e outros tantos, que levam as pessoas a suspeitarem de tudo. No caso de Kennedy, apontam o dedo à CIA, a agência que quererá mal ao Presidente Trump.

No passado foi um desses crentes.

Peguei neste caso porque acreditava que a máfia planeara tudo, não só porque estava desesperada, consequência da pressão exercida por Robert F. Kennedy, como porque Oswald é assassinado dois dias após cometer o crime, sob custódia policial e em direto na televisão, por um indivíduo com ligações ao submundo e com aparência de mafioso, Jack Ruby. No entanto, no final do meu trabalho esclareci todas as dúvidas e concluí que não houve conspiração.

Porque diz que Ruby “destruiu o caso”?

Com a morte de Oswald, jamais saberemos a verdade. Eu e muitos outros investigámos, procurámos essa verdade, mas nunca a ouvimos da boca do acusado. Oswald nunca foi a julgamento, onde provas e argumentos seriam apresentados, assim como a sua defesa. Olhe-se para James Earl Ray, que confessou ter assassinado Martin Luther King Jr., livrando-se assim da pena de morte. Condenado a perpétua, falou diversas vezes sobre o papel de um autor moral. Estes anos de relatos extra nunca aconteceram com Oswald. Caso tivesse cumprido pena, talvez um dia contasse uma versão substantiva do que se passou.

Com a morte de Lee Harvey Oswald, jamais saberemos a verdade. Não foi a julgamento, onde haveria provas e argumentos”

O que motivou Ruby a agir?

Quis ser um herói, o assassino do homem que matou o Presidente. Acreditava que seria aplaudido de pé e, por isso, ficou chocado quando foi formalmente acusado. Décadas mais tarde, o FBI desclassificou escutas aos líderes da máfia. Percebe-se que ficaram surpreendidos com a morte de J.F.K. As mesmas escutas revelam também que desconheciam Oswald.

O motivo desta conversa relaciona-se com a decisão do Presidente Trump de desclassificar o que resta dos ficheiros secretos sobre a morte de J.F.K. Espera novidades?

Estamos a falar de 1% dos documentos, cerca de três mil, o restante é do domínio público. Não prevejo nada bombástico, mas algumas novidades ajudarão a perceber melhor certas passagens. Por exemplo, será revelado o conteúdo da única entrevista de Jacqueline Kennedy sobre o assunto. Porventura saberemos um pouco mais sobre a vigilância montada pela CIA a Oswald, em particular durante a sua viagem à Embaixada de Cuba na Cidade do México, seis semanas antes do atentado.

Que pensa da teoria da “bala mágica”, expressão criada na bolha conspirativa, que ridiculariza a ideia de que uma única bala, seguindo uma trajetória quase impossível, pudesse ter provocado tamanho dano?

Quando a Comissão Warren [organismo federal que investigou o atentado] avançou com a teoria de que uma bala matou o Presidente e feriu o governador do Texas sentado no mesmo carro, no banco da frente, tiveram de a testar. Era a única maneira de perceber a sequência dos disparos. Não conseguiram prová-la, mas mantiveram a convicção. Entretanto, os testes de balística e ferramentas de análise de vídeo melhoraram nas últimas décadas. Em 1992, ano anterior à publicação de “Case Closed”, registou-se um enorme avanço após novo teste de balística conduzido pela Failure Analysis, entidade com vasta experiência que auxiliou o Departamento de Justiça em casos levados a tribunal. Analisaram a sequência de imagens do momento preciso em que J.F.K. é alvejado e perceberam que a bala poderia ter atravessado os corpos das vítimas em linha reta. Mesmo assim, como foi possível a bala ter saído de ambos os corpos em tão bom estado? Percebeu-se que o projétil entrou e saiu do corpo de J.F.K., na zona da garganta, sem atingir nenhum osso, ferindo posteriormente o governador. Por fim, pegaram em duas carcaças com peso e altura semelhantes ao do Presidente e do governador e reconstruíram o tiroteio, reproduzindo a teoria da bala única várias vezes ao longo do dia.

Sem apoios, como foi possível a Oswald, descrito por si como “homem perdido”, planear num instante o assassínio do Presidente?

Oswald queria matar Edwin A. Walker, general com ambições políticas que ele via como um novo Hitler. Tentou uma vez e falhou, mas vivia obcecado. Entretanto, uma amiga arranjou-lhe emprego no Texas School Book Depository, em Dallas. Ele só se apercebeu de que a comitiva presidencial iria passar em frente ao edifício onde trabalhava a 20 de novembro de 1963. No dia seguinte, véspera do crime, desloca-se a casa da mulher — estavam separados, após relação tumultuosa — para ir buscar a espingarda.

Então, J.F.K. surgiu como um alvo de oportunidade?

Oswald acreditava que ficaria para a história como o homem que matou um general de extrema-direita. De repente surgiu uma oportunidade ainda maior de desestabilizar o Estado americano.

Não havendo complô, por que razão Governos sucessivos mantiveram os ficheiros inacessíveis?

O Estado foi o seu pior inimigo. Gerou desconfiança generalizada na população sem necessidade. Percebo a cautela relativamente a informação sensível, nomes de agentes da CIA, números de segurança social, etc. Tudo o resto foi mantido por razões burocráticas, por gente que censura com muito gosto. Curiosamente, Trump é uma ameaça existencial a esta burocracia. Veremos como ela lidará com o desafio.