Utilidade Marginal

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João Silvestre

Sai uma crise política para a mesa do canto, s.f.f.!

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Bem sei que uma crise política é algo que ninguém parece querer neste momento. O Governo até se tem esforçado por dar imagem de descontrolo, mas não parece interessado em eleições nesta fase. A maioria absoluta ainda nem tem um ano. Marcelo Rebelo de Sousa sabe que a dissolução do Parlamento poderia conduzir a uma situação ingovernável. Um verdadeiro pântano. E mesmo o líder do PSD, Luís Montenegro, se já está preparado para governar, tem disfarçado bastante bem. Conclusão: não interessa a nenhum dos principais protagonistas avançar agora com eleições antecipadas. Muito menos aos portugueses, que enfrentam sérios problemas económicos e do que menos precisam é de novos sobressaltos.

Crises políticas têm quase sempre consequências económicas. Pela incerteza que causam, pela perturbação nas políticas que provocam e pela forma como afetam a credibilidade dos países. Numa economia como a portuguesa, que teve uma intervenção da troika há 10 anos, cuja dívida pública está a descer mas ainda anda nos 115% do PIB (dados do Governo para 2022) e a dívida externa ronda 90% do PIB, é algo que deve ser encarado com a maior das cautelas. Vimos, com o exemplo do Reino Unido e do Governo-relâmpago de Liz Truss, como os investidores e os mercados estão hipersensíveis. Portugal tem estado longe dos holofotes na zona euro. Tem sido mais Itália e até França, “o risco mais subestimado da moeda única”, como diz Nouriel Roubini (ler aqui). Sabemos como as coisas mudam num piscar de olhos. Não abusemos da sorte.

Brincar às crises num ano de alto risco para as dívidas públicas não é boa ideia. Portugal tem estado longe dos holofotes, mas os ventos podem mudar de repente

Este é um ano perigoso. Os juros subiram a uma velocidade vertiginosa no ano passado e vão continuar a aumentar. Vale a pena recordar: no dia 1 de janeiro de 2022 Portugal pagava uma taxa (yield) de 0,512% pela sua dívida pública a 10 anos e a Euribor a seis meses usada nos juros dos créditos andava nos -0,539%. Hoje as duas taxas estão em 3,121% e 2,858%. E a escalada não parou. O ritmo dependerá da inflação. E o PIB vai desacelerar bastante, quiçá até à recessão, dizem os mais pessimistas. Em qualquer caso, juros mais altos e PIB mais lento colocam sobre o Governo o ónus de garantir a descida da dívida através da contenção orçamental e de excedentes primários.

Crises políticas nesta fase só podem dar mau resultado. Num ano em que Portugal prevê colocar no mercado mais de €10 mil milhões em Obrigações do Tesouro. Até agora são demissões, nada demasiado grave ainda. Mas rapidamente as coisas se podem inverter. Portugal entraria com facilidade no grupo dos países de risco. Recordo-me sempre das conversas que mantive ao longo dos anos com as equipas das agências de rating que visitam Portugal. Principalmente no tempo da troika. Aqueles analistas não querem números que conhecem de cor nem análises de sustentabilidade da dívida que dominam como ninguém. Querem perceber os políticos. E o que vão fazer. É quase sempre isso que os preo­cupa. Ninguém quer uma crise política? Talvez não. Mas nunca se sabe até onde a irracionalidade nos pode levar.