RESTAURANTES
POR FORTUNATO DA CÂMARA

<span class="creditofoto">Nuno Botelho</span>

Nuno Botelho

O que parece... é!

Um cruzamento insuspeito. Uma porta sempre com fila. Será um restaurante de boa cozinha tradicional?

A rua — é meio rua, meio entroncamento — tem a toponímia de Câmara de Lobos, está na zona da Mealhada, no nº 1 serve-se cozinha minhota, mas também de outras paragens, a casa tem o nada sugestivo nome de Snack Tasca Ruacaná, e tudo isto de passa no coração da cidade de Loures. Confuso!? Talvez não. É a arte de se estabelecer uma casa frugal de comes e bebes numa pacata zona residencial. O Ruacaná, é hoje um restaurante familiar, que em diversas visitas nunca consegui descortinar com clareza a origem do nome, que começou por ser um pequeno snack-bar com uma salinha contígua onde se serviam petiscos e alguns pratos diários.

O proprietário é o sr. Fernando, que é de Vila Nova de Cerveira, da freguesia de Mentrestido, mas que não recebe os clientes nada entristecido, antes pelo contrário. A disponibilidade do anfitrião é extensível à simpatia da equipa de sala, embora um pouco menos no atendimento sorumbático da segunda geração. A casa já passou o quarto de século e este verão viu o antigo anexo, onde habitualmente se serviam muitos petiscos, ser transformando em nova sala com o mesmo conforto do espaço inicial. A ementa tem muitos clássicos minhotos, com especialidades sazonais como a lampreia (na época), e também navega por outros pratos de cozinha tradicional.

A começar ficou uma boa impressão dos “Carapaus de escabeche” (€6) com os peixinhos pequenos e bem cobertos de cebolada com molho de pimentão doce, azeite e vinagre em equilíbrio. No “Pratinho maluco” (€13,50) surge uma boa seleção de alguns dos vários petiscos disponíveis: agradáveis e bem temperadas a salada de orelha; a salada de grão com atum, e a salada de camarão com azeite, cebola e salsa; tirinhas tenras de entremeada grelhada; na parte quente, umas rodelas delgadas chouriços de carne e de vinho com cogumelos.

Em incursões de almoços semanais e de fins de semana familiares, surgiram umas “Pataniscas de bacalhau com arroz de feijão” (€11) espalmadas, fofas e bem fritas, cujo defeito evidente era a escassez de bacalhau, mas que me pareceu ser ‘feitio’ caseiro, pois em outras duas ocasiões as observações vizinhas à boca pequena iam para a exiguidade do dito, algures no meio do polme. Se o cliente não faz o reparo, o bacalhau não comparece. Sem objeções, a generosa “Feijoada de lingueirão” (€30/2 pax) com bivalves em porção vistosa e apetitosa, numa feijoada rica, com uns cubinhos de chouriço na ignição do refogado, mas sem ofuscar o sabor marinho dos canivetes. Viagem ao centro nos saborosos “Maranhos da Sertã” (€14) com uma peça inteira do enchido à base de carne de cabra, arroz e hortelã, trinchado em oito fatias muito aromáticas, na companhia de uma boa salada verde e palitos de batata frita. Um dos pratos de romaria é o “Cozido à portuguesa” (€11 ou €17) com carnes suculentas e enchidos de qualidade, bons legumes, feijão vermelho à parte, e arroz feito com a morcela do cozido, com os bagos saboroso e sarapintados pelo recheio do enchido avinagrado. Presença habitual aos domingos é o “Cabrito assado no forno” (€15), com tempero pouco dado a massa de pimentão, e mais balanceado à base de vinho branco, alho, pimenta, ervas e afins. Surgiu tenro e com a carne a soltar-se junto ao osso, grelos salteados, batata assada no molho, e à parte um arroz húmido feito com os miúdos do cabrito.

A lista de vinhos tem preços aceitáveis para várias bolsas, e mais opções nos tintos do que nos brancos, com um ou outro fora do óbvio. No serviço sente-se a atmosfera familiar, sem perder o foco na eficiência com simpatia e profissionalismo. A lista de doces anda no registo caseiro com um bom “Arroz doce” (€3) de bago gordo e creme mais compacto, depois um belíssimo “Bolo de bolacha” (€3) com intensidade cafeína no creme nada enjoativo, e umas delicadas “Farófias” (€3), com o creme inglês, amarelinho e abaunilhado, a cobrir bem os montes nevados.

Ainda que a conjugação de nomes que levam à sua localização pareça algo atabalhoada, o Ruacaná está apenas a dois passos do tribunal de Loures. O julgamento que se lhe pode fazer é que parece mesmo aquilo que é. Com gente amiúde sempre à porta, confirma-se que tem boa cozinha e muitos clientes assíduos à mesa. Pratica preços ajustados, o que se deseja ainda mais em tempos de incerteza, e sabe receber bem. Sentença: é uma casa portuguesa, onde se deve ir com certeza!

Desde 1976, a crítica gastronómica do Expresso é feita a partir de visitas anónimas, sendo pagas pelo jornal todas as refeições e deslocações