In Memoriam

In Memoriam

George Coyne, S. J.

Contactos

1933-2020 Foi um jesuíta americano considerado no Vaticano, onde atingiu posição de relevo, sobretudo sob o Papa João Paulo II

José Cutileiro

George Vincent Coyne, S. J., que morreu no passado dia 11 de Fevereiro de complicações de cancro da bexiga num hospital de Syracuse, estado de Nova Iorque, foi um jesuíta americano altamente considerado no Vaticano, capital da sua fé católica, onde atingiu posição de grande relevo, sobretudo sob o Papa João Paulo II (no decurso de carreira científica excpcional como astrónomo, fora nomeado director do Observatório do Vaticano durante o brevíssimo mandato do predecessor daquele, João Paulo I) que o ajudou na tarefa que a si próprio se impusera de mostrar que o conhecimento científico era compatível com conhecimento teológico, que a Igreja, que muito tardiamente, quase de mau modo e demasiado discreta, havia reconhecido ter sido um erro condenar Galileu, deveria tornar tal reconhecimento mais bem conhecido e deveria também não considerar pseudoalternativas cristãs à teoria da evolução de Darwin que ele, Coyne, aceitava sem qualquer restricção — tais como ‘criacionismo’ e ‘design alternativo’, tão queridas de tantos fiéis norte-americanos e também de alguns príncipes da Igreja em Roma, pois estas não são teorias científicas mas antes, assim como as escrituras, um conjunto de mitos, de poesia e de história. (Este argumento, evocado por Coyne como correctivo a defesa do ‘design alternativo’ pelo cardeal Schönborn, de Viena, discípulo dilecto do Papa Bento XVI, que tal declarara em artigo de jornal, teria levado segundo alguns mentideros vaticanescos, à demissão de Coyne de director do Observatório, o que este imediatamente desmentiu: pedira há muito para se retirar e, de volta a LeMoyne College, Syracuse, continuou a escrever e a meditar.) Entrevistado num filme sobre religião, declarou: “Como poderia haver alguma ciência nas escrituras? Não pode porque os dois períodos — o das escrituras e o da ciência moderna — têm tanto a separá-los. As escrituras não ensinam ciência. É muito difícil para mim aceitar não só uma interpretação literal das escrituras mas também uma abordagem fundamentalista da crença religiosa. É uma espécie de praga. Apresenta-se como ciência e não o é.”

Impôs a tarefa de mostrar que o conhecimento científico era compatível com o teológico

Nascido em Baltimore, terceiro de uma ninhada de oito, a pais — ele caixeiro-viajante ela doméstica — muito católicos, passou aos 18 anos a ser ensinado por jesuítas, fez mestrados e licenciaturas, doutoramento, ordenou-se aos 26 anos e com eles ficou até morrer. Professor perspicaz de grego — também formado em matemática — deu ajuda determinante à sua formação de astrónomo, ao notar lhe entusiasmo por equinócios e solstícios de que o professor falara num aparte. Havia uma dificuldade: estudantes jesuítas de grego e latim só estudavam grego e latim, não podendo levar da biblioteca livros sobre outras matérias. Mas o professor ajudou, jesuisticamente, num significado diferente da palavra. Fez vir de outra biblioteca jesuíta próxima, com o seu cartão de leitor, os livros de astronomia de que Coyne precisava e lia depois à noite, debaixo dos cobertores com lanterna, o que também era proibido. A partir daí fez estudos sólidos que lhe dariam depois autoridade nos seus debates filosóficos.

A coisa não é simples. De quatro quintos do universo — constituídos por matéria negra e energia negra — pouco ou nada de sabe; vida, só se conhece entre nós, na Terra; sobre 14 biliões e meio de anos a contar para trás toda a gente está mais ou menos de acordo, mas menos de dez segundos antes disso, houve o chamado Big Bang e antes do Big Bang o silêncio é absoluto e as opiniões divergem. Ao Deus de Coyne, espécie de pai que não acabou ainda o seu trabalho, crentes preferem quase sempre confortos tradicionais, com ou sem ajuda ignara de criacionismo. E muitos ateus convictos tão pouco precisam do que, para eles, é hipótese escusada. Mas capacidades científica e teológica como as de Coyne são raras de encontrar e mais raras ainda numa só cabeça.

Publicou em Portugal: “Evolution and Intelligent Design: What is Science and What is Not”, in “Revista Portuguesa de Filosofia”, 66 (4), 2010

José Cutileiro escreve de acordo com a antiga ortografia