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Fumar faz mal ao salário?

Justiça espanhola autorizou a Galp a exigir dos trabalhadores a compensação do tempo gasto em pausas para café e cigarros

Por Cátia Mateus

1 A medida seria possível em Portugal?

Sim. Em Portugal o tempo de trabalho e as pausas são regulados através do Código do Trabalho (artigo artigo 197º) que contempla como “intervalos previstos” as interrupções consideradas contrato coletivo ou em regulamento interno, as resultantes de necessidades da empresa ou decorrentes de motivos técnicos e as interrupções “ocasionais” inerentes à satisfação de necessidades pessoais inadiáveis do trabalhador, como as fisiológicas, alimentares ou associadas à saúde. Pausas para café ou para fumar não são aqui consideradas. Por isso, a menos que o regulamento interno da empresa ou o contrato coletivo preveja interrupções com esta finalidade, a atuação dos trabalhadores pode enquadrar uma falha grave, podendo a empresa acionar as medidas necessárias para o cumprimento dos horários.

2 A Galp vai aplicá-la cá?

Não. A Galp garantiu ao Expresso que o novo sistema de controlo de tempos de trabalho tem na sua base “uma questão específica da legislação em vigor no mercado espanhol” acrescentando que a medida “não terá reflexo em Portugal”. Na base da sentença esta semana conhecida está a decisão da petrolífera de introduzir um sistema de registo de tempo de trabalho em Espanha, até então inexistente e decorrente de uma imposição legal daquele mercado. A empresa, que tinha apenas um sistema de controlo de acesso por torniquetes para fins de segurança, passou a exigir que os trabalhadores ‘picassem’ o ponto indicando o motivo da pausa. Os trabalhadores contestaram judicialmente a decisão alegando uma alteração unilateralmente das condiçõesde trabalho pela empresa. O tribunal rejeitou o argumento.

3 De que forma pode ser feita a compensação?

A lei nacional não prevê um mecanismo de compensação.Em Espanha, a compensação à empresa é possível por duas vias: em horas de trabalho adicionais ou com desconto no salário do tempo proporcional àspausas. Mas em Portugal, um trabalhador que, reiteradamente, abuse dos tempos de pausa ou não cumpra o seu dever de pontualidade é alvo de processo disciplinar podendo arriscar sanções ou despedimento. Os números ajudam a compreender a porquê. Uma investigação do “Journal of the American Medical Association” concluiu que se um fumador gastar, em média, quatro minutos por cigarro, outros quatro a sair e a voltar ao seu posto de trabalho e mais dois para recuperar a concentração, o prejuízo anual para a empresa rondaráos €4382 por trabalhador.

4 Pausas ‘grátis’ podem ser direitos adquiridos?

Sim. Legalmente, os trabalhadores em Portugal só têm direito a uma pausa ao final de cinco horas de jornada, ou ao final de seis horas de trabalho consecutivo se o período de trabalho for superior a dez horas. Porém, na lei portuguesa, o uso é fonte de Direito. Ou seja, se as pausas ‘grátis’ forem durante anos uma prática comum na empresa, aceite pela mesma, e se os trabalhadores o conseguirem provar, passam a ser um direito adquirido do trabalhador, e a organização não poderá exigir uma compensação ao trabalhador já que não pode haver uma perda de direitos. Poderá, quanto muito, negociar com os trabalhadores e seus representantes uma alteração à prática instituída, mas não poderá mudar as regras de um dia para o outro.