PARLAMENTO

Nas últimas leis, o PS espera o apoio do... PSD

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FOTO josé carlos carvalho

Governo de Costa tem oito prioridades para o final da legislatura. Uma vai cair. E em seis espera o voto de Rui Rio. Da 'geringonça' pouco sobra

David Dinis

Promete ser um fim de legislatura em contracorrente. Entre as mais de 40 propostas e projetos de lei que estão pendentes nas comissões para aprovar até ao último plenário da legislatura, o Governo de António Costa quer dar absoluta prioridade a oito.

Há duas particularmente mediáticas: a nova Lei de Bases da Saúde e a revisão da legislação laboral. Mas há outras tão ou mais importantes do que essas, como o projeto das chamadas “terras sem dono”, que foi o terceiro que o primeiro-ministro chamou ao último debate quinzenal, na terça-feira. As três (aliás, sete das oito) têm muito poucas hipóteses de serem aprovadas só com BE, PCP e Verdes. Estando muitas na mão do PSD ou de geometrias de aprovação pouco habituais. “Não é por acaso que ficaram para o final”, admite ao Expresso fonte do Governo. “São as consequências de não ter maioria.” Por isso, também a reforma da supervisão financeira deve cair — apesar da pressão de Centeno. Na próxima semana começam as últimas negociações.

Supervisão financeira

Sem tempo, depois do ‘não’ do BCE...

O ministro das Finanças queria tirar o poder de resolução do Banco de Portugal, abrir novas hipóteses de despedir o governador, impor mais partilha de decisões entre BdP e outros reguladores, como a CMVM. Mas o projeto demorou a chegar à AR. E teve já a reprovação do BCE em vários pontos. Sem maioria certa para aprovar a lei, o Governo admite já ter “dúvidas que se conclua” o processo a tempo. “Exige muitas audições e já não deve haver tempo para o fazer”, reconhece fonte do núcleo político ao Expresso.

Salários de magistrados

Repetir a aliança PCP-CDS

O aumento dos salários dos juí­zes, aprovado com polémica há um mês e que está na mão de Marcelo, teve rápida reação dos magistrados: se uns podiam ganhar mais do que o primeiro-ministro, os outros não queriam ficar atrás. Ainda não há uma proposta final, mas a ministra foi prometer esta semana ao Conselho Superior de Magistratura que ela vai acontecer este mês (ver texto nesta página). No Governo, admite-se que só pode ser aprovado “numa geometria muito variável”. Pela lógica dos processos, o mais certo é que se repita a maioria improvável da lei sobre os juízes: PS+CDS+PCP.

Terras sem dono

Na mão do PSD, para ganhar anos

António Costa tem um problema com o cadastro de terrenos rurais: a sua lei para avançar com o processo a nível nacional está quase aprovada, mas PCP e PSD juntaram-se para impor a suspensão por 10 anos de um elemento crucial: a atribuição das chamadas “terras sem dono” ao Estado, por 15 anos, para permitir o reordenamento do território e uma mais eficaz proteção contra incêndios. No último debate quinzenal, Costa apelou aos Verdes para que convencessem o PCP. Mas até aqui foi o PSD quem admitiu “reavaliar”, depois de dois ministros terem dado uma conferência de imprensa a pedir uma reconsideração da matéria. O Governo aguarda, ainda, a resposta definitiva.

Infraestruturas militares

Direita, marchar

Em matéria de Defesa, não foi à esquerda que o Governo se orientou. Pelo que, em reta final de legislatura, também é com PSD e CDS que a equipa do ministro João Gomes Cravinho conta para viabilizar a Lei das Infraestruturas Militares, que planeia os investimentos nesta área para toda a próxima legislatura. A fórmula deve repetir a recente aprovação da Lei de Programação Militar (onde se enumeram as compras de material para as Forças Armadas): PS+PSD+CDS.

Grandes investimentos

Solução à vista, com tudo e todos

Há cerca de um ano, António Costa pediu a Rui Rio um acordo sobre os grandes investimentos que o Estado vai fazer em infraestruturas. O projeto, entregue algum tempo depois, engloba um novo aeroporto de Lisboa, infraestruturas portuárias, ferrovia e algumas estradas, por exemplo. O PSD abriu portas, depois afastou-se: como os outros partidos, reclamava a inclusão de várias outras obras ali ‘esquecidas’, nomeadamente no interior (mas não só). Na Assembleia da República, o secretário de Estado Duarte Cordeiro e a bancada do PS encontraram uma solução para o impasse: juntar um anexo com todas as obras propostas pelos vários partidos, de maneira a estes não chumbarem as maiores, indicadas pelo Governo. A solução permite que todos vão para a campanha, estrada fora, reclamar louros. Mas tem um truque: o Conselho Superior de Obras Públicas (com técnicos) vai avaliar cada uma e filtrar as que não interessam. Mas só depois das eleições.

Leis laborais

Mais uma para o PSD

A proposta do Governo tem como base o acordo de concertação social de há um ano. E, como tal, ficou com cartas marcadas desde cedo: PCP e BE dizendo não aceitar um acordo com medidas que “aumentam a precariedade” (mesmo que muitas outras a queiram limitar); PSD admitindo aprovar a revisão do Código Laboral, se não fosse desvirtuado o acordo com patrões e UGT. O processo só não ficou já fechado porque o PS quis introduzir mudanças no projeto que deixaram a CIP preocupada. O PS garantiu-lhe que na substância nada mudaria, mas só as votações na especialidade (que já começaram) vão determinar o seu fim. Certo é isto: ou o PSD aceita ou não há lei nem acordo de concertação.

Saúde

À esquerda, direita ou nada?

Era para ser à esquerda, mas as negociações ficaram bloquea­das (aparentemente). Tanto que o PS pediu ao PSD para negociar. A nova Lei de Bases da Saúde só vai ter desfecho mesmo no fim da legislatura, e neste momento, admite fonte do Governo, tudo é possível: acordo com Rui Rio, acordo à esquerda ou acordo nenhum (ver texto nesta edição).

Cuidador informal

O último à esquerda?

Foi uma medida bandeira do Bloco, mas a definição de um estatuto para o cuidador informal (as pessoas que cuidam de doentes em casa e não podem, por isso, trabalhar) ficou remetida para um projeto-piloto e para uma regulamentação. PS, Bloco e PCP já acertaram os termos para aprovar a medida. Das prioritárias para o Governo, é a única onde, para já, ainda se vê a marca da ‘geringonça’.

Só PGR e vice ficam a ganhar mais do que Costa

Fim do teto salarial no MP vai beneficiar duas pessoas. Procuradores ainda temem controlo político da Justiça

“É quando se olha para onde o ilusionista quer que somos enganados.” A imagem é do procurador Rui Cardoso e reflete o estado de espírito dos magistrados do Ministério Público que, apesar da garantia da ministra da Justiça de que vão ter os mesmos aumentos salariais do que os juízes, mantêm os três dias de greve marcados para esta semana: “O paralelismo das carreiras judiciais é uma questão de princípio e, no nosso caso, os aumentos e o fim do teto salarial nem vão ter um grande efeito prático”, concorda António Ventinhas, presidente do Sindicato dos Magistrados do MP, que exemplifica: “O fim do teto salarial só vai beneficiar duas pessoas: “o procurador-geral da República, que pode até nem ser magistrado do MP; e o vice-PGR. São os únicos que, se a garantia dada pela ministra for mesmo cumprida, vão passar a ganhar mais do que o primeiro ministro”. Se o acordo conseguido com os juízes for aplicado aos procuradores, o subsídio de casa passa dos 775 para os 875 euros, é pago 14 vezes e terá desconto da Caixa Geral de Aposentações. Os aumentos do vencimento só se refletem nos recibos dos procuradores da República com mais de 15 anos de carreira que terão um aumento bruto de 341 euros (de 5778 para 6119); e no dos procuradores-gerais-adjuntos, que passarão dos atuais 6129 para os 6629. A PGR passará a ganhar 6629 euros a que se juntam despesas de representação e o subsídio.

“Problemas mais graves”

A ministra Francisca Van Dunem foi à reunião extraordinária do Conselho Superior do MP, marcada de propósito para discutir esta questão, e garantiu que os aumentos previstos para os juízes também vão abranger os magistrados do MP. “Mas não há qualquer proposta escrita e por isso a greve mantém-se”, insiste Ventinhas. Até porque, “há outros problemas, tão ou mais graves, nas propostas do PS e do PSD para a alteração dos estatutos do MP que estão, de facto, a passar despercebidas”, diz o sindicalista. Quais?

Tanto o PSD como o PS têm nas propostas que estão em discussão na Assembleia da República medidas de alteração de composição do Conselho Superior do Ministério Público. O PSD quer que passe a haver uma maioria de não magistrados entre os conselheiros; o PS pretende diminuir o número de eleitos diretamente pelos magistrados do MP. “Por parte do PSD o objetivo é óbvio: controlar o conselho e com isso a Justiça; o PS não vai tão longe, mas quer transformar os procuradores em altos funcionários e diminuir a representatividade no conselho”, acusa Ventinhas. Como assim? “No caso da Operação Marquês, por exemplo, foi o conselho a autorizar a comissão de serviço do procurador Rosário Teixeira e podia tê-la suspendido a qualquer momento. E é o conselho que permite que o magistrado José Ranito esteja há cinco anos em exclusivo com o caso BES”.

Para Rui Cardoso, que também já foi presidente do sindicato, o mais surpreendente é que “essas questões nem foram postas à ministra quando esteve na reunião do conselho. Foi uma oportunidade perdida para saber qual é a posição dela sobre isso”.

O primeiro dia de greve cumpre-se a 26 de maio. Na mesma data, as propostas do PS e do PSD vão ser discutidas no Parlamento. Rui Gustavo