AMBIENTE ALTERAÇÕES CLIMÁTICAS

Subida do mar ameaça 150 mil portugueses

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Projeções até 2050 revelam que Setúbal, Faro e Aveiro são as zonas de maior risco. Na próxima semana, investigadores e decisores de todo o mundo debatem em Lisboa a adaptação às alterações climáticas

Textos Carla Tomás

No final deste século, a Praça do Comércio pode ficar submersa na maré alta, assim como parte do terreno para onde está projetado o novo aeroporto do Montijo ou a anunciada Cidade da Água na margem sul do Tejo. Estes são cenários projetados na “Cartografia de risco costeiro associado à subida do nível do mar como consequência das alterações climáticas”, elaborada por uma equipa da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa (FCUL), coordenada por Carlos Antunes.

Segundo este estudo, cerca de 146 mil pessoas que vivem na faixa de risco em 11 concelhos e distritos de Portugal continental podem ficar numa situação vulnerável já em 2050, perante uma subida média de um metro no nível do mar (ver www.snmportugal.pt). E o número pode subir para 225 mil até 2100. A projeção é feita com base nos censos de 2011, cruzados com dados da cartografia de inundação e de vulnerabilidade física costeira num cenário extremo de maré cheia, coincidente com um período de marés vivas equinociais e uma intempérie semelhante ao “Hércules” que, em 2014, deixou um rasto de destruição em vários pontos do litoral. De acordo com os investigadores, os distritos mais afetados são Setúbal, Faro e Aveiro (ver gráfico).

Mas os cenários podem vir a ser ainda mais gravosos, já que a comunidade científica internacional aponta agora, num artigo publicado esta semana, para uma subida de dois metros do nível médio do mar, o dobro da projetada até aqui. “Em Portugal, 14% da população vive na faixa de dois quilómetros ao longo da linha de preia-mar”, alerta Carlos Antunes.

Esta semana, a comunidade científica internacional agravou as projeções para a subida do mar

O trabalho de identificação das zonas costeiras, estuarinas e ribeirinhas de elevado risco face à subida do mar e à consequente perda de território é um dos exemplos de projetos que permitem aos decisores políticos locais e nacionais e a entidades públicas e privadas adotarem medidas de adaptação às alterações climáticas.

O investigador da FCUL sublinha que municípios como Lisboa e Loulé já lhe pediram uma cartografia de risco mais minuciosa para incorporarem estes dados nos respetivos PDM e orientarem o ordenamento do seu território. “Mais do que as autoridades nacionais, cujos investimentos nos Programas da Orla Costeira só abrangem os concelhos do litoral (quando muitas das pessoas afetadas estão em zonas de rio e estuário), são os municípios que estão a agir”, diz.

Redesenhar as cidades

Em 2015, Portugal criou uma Estratégia Nacional de Adaptação às Alterações Climáticas e o Governo deverá agora aprovar o Plano de Ação para a concretizar no Conselho de Ministros extraordinário marcado para 6 de junho. O Ministério do Ambiente anunciou 180 milhões de euros para obras de proteção de pessoas e bens face aos avanços do mar na linha de costa e 100 milhões de euros para a rede hidrográfica, tudo intervenções com recurso a verbas comunitárias.

“Mais de 60 municípios têm já estratégias ou estão em vias de as ter, com a grande vantagem de criar massa crítica dentro e entre municípios e permite orientar financiamentos comunitários”, sublinha o presidente da Agência Portuguesa do Ambiente, Nuno Lacasta. O responsável destaca a elaboração em curso do plano metropolitano de adaptação às alterações climáticas, que envolve os 18 municípios da Grande Lisboa, e implica intervenções ao nível do redesenho urbano, aposta em espaços verdes e investimentos nas estruturas de captação de água.

A Câmara de Lisboa tem já há dois anos uma Estratégia Municipal de Adaptação às Alterações Climáticas. A ocorrência de precipitação excessiva e de tempestades de inverno é vista como “o maior risco” a curto e médio prazo, sendo as temperaturas elevadas “a maior ameaça” até final do século. Para lhes fazer frente, a autarquia está a monitorizar os níveis da maré na frente ribeirinha e a redefinir a elevação da cota para enfrentar a subida do nível do mar. Está também em marcha o Plano de Drenagem, que deverá estar concluído até 2030 para tornar a cidade mais resiliente às cheias.

Em Portugal, 14% da população vive a menos de dois quilómetros do mar, alertam os cientistas

Para minimizar as ondas de calor, a autarquia lisboeta aposta no aumento dos espaços verdes, que integram jardins, hortas urbanas e prados biodiversos, e na plantação de mais 60 mil árvores até 2021. E para se adaptar à escassez de água pretende aumentar a reutilização de águas residuais para lavagem de ruas e rega de espaços verdes. Estes projetos vão ser apresentados já na próxima semana, na 4ª Conferência Europeia de Adaptação às Alterações Climáticas (ECCA 2019), que se realiza no CCB.

“Esta é a maior conferência internacional sobre alterações climáticas e é a primeira vez que se realiza num país do sul da Europa”, sublinha Rafaela Matos, coordenadora do projeto BINGO (ver caixa) liderado pelo Laboratório Nacional de Engenharia Civil, que coordena a ECCA2019 em conjunto com dois outros consórcios (liderados respetivamente pela FCUL e pela espanhola AQUATEC) apoiados pelo programa europeu Horizonte 2020. A investigadora lembra que Portugal “é um dos países mais vulneráveis às alterações climáticas, sobretudo às situações de seca e a constrangimentos de disponibilidade de água”. Durante quatro dias, a conferência vai reunir em Lisboa mais de mil investigadores, técnicos, decisores políticos, empresas e organizações não-governamentais nacionais e internacionais para partilharem conhecimento sobre o que nos espera e divulgar o que se está a fazer para enfrentar e reduzir o risco.

“O sentido de urgência é tão grande que temos de estar disponíveis para cooperar com os que estão menos preparados e aprender com os que estão mais bem preparados”, sublinha Rafaela Matos. A especialista em engenharia hídrica reforça que “agora o desafio é a ciência passar os seus avanços para as políticas públicas e ações concretas”, mas considera que “já muitas coisas estão a acontecer”.

Porém, em Portugal e noutros países, vão surgindo medidas ou políticas contraditórias, sublinha o geofísico Filipe Duarte Santos: “Há uma consciencialização muito maior de que vamos ser confrontados com escassez de água sobretudo no sul do país, tendo em conta as quebras de precipitação e o aumento das temperaturas. Ainda assim, estamos a comprometer o futuro com a aposta na agricultura intensiva irrigada, esgotando recursos e degradando as massas de água subterrânea”. E por isso lamenta que, “sendo a água essencial no futuro, não se veja grande diálogo construtivo entre o ministro do Ambiente e o da Agricultura”.

O objetivo de impedir que as temperaturas médias globais subam mais de 1,5° C em relação às registadas na era pré-industrial até final do século dificilmente será cumprido, e com a subida do mar em dois metros, os termómetros poderão mesmo disparar para mais 5° C em termos médios globais. Daí a Comissão Europeia defender a importância de se quantificarem os custos sociais e económicos dos impactos das alterações climáticas, e simultaneamente avaliar os custos da inação ou do adiamento das medidas de adaptação.

NÚMEROS

60

autarquias têm ou estão a elaborar planos municipais de adaptação às alterações climáticas, 26 deles integrados no projeto ClimaAdaPT. Cascais, Sintra e Almada têm estratégias próprias

€180

milhões é o montante que o Ministério do Ambiente vai investir até final de 2019 em obras de defesa costeira, como alimentação artificial de praias ou reabilitação de pontões ou molhes. Desde 2015, realizaram-se mais de 50 intervenções que totalizaram 112 milhões de euros

10%

das águas residuais deverão ser tratadas e reutilizadas para limpeza urbana e rega de espaços verdes ou agrícolas até 2025, como forma de adaptação a situações de seca e escassez de água. Atualmente, só 1,2% destas águas são recicladas para estes fins

Verão quente? Previsão só a 10 dias do jogo

Portugal acordou há dois dias com notícias de que vinha aí um verão tórrido, com temperaturas acima de 43° C. Mas as previsões meteorológicas avançadas pelo site norte-americano Accuweather estão longe de confirmadas. Segundo o físico da atmosfera Pedro Matos Soares, não passam de “considerações gerais com pouco suporte científico”, já que previsões para o período entre junho a agosto “situam-se bem acima do horizonte temporal de capacidade preditiva dos modelos mais sofisticados do mundo”. Apesar do avanço tecnológico das últimas décadas, as previsões do tempo meteorológico de curto e médio prazo não vão além de 16-23 dias, com um consenso maior num horizonte a 10 dias de distância. Por isso, Matos Soares considera “perigoso e alarmista dar eco a este tipo de informação muito distanciado das melhores práticas científicas”. O próprio Instituto Português do Mar e da Atmosfera (IPMA) adverte que a previsão mensal que aparece no site “deve ser vista com reservas”. E indica não existir “um sinal estatisticamente significativo” quanto à temperatura média a partir da segunda semana de junho. Até lá, a primavera continuará com valores médios acima do normal. Ao contrário das previsões a curto e médio prazo, as projeções feitas pelos cientistas para as consequências das alterações climáticas para meados ou finais do século assentam em modelos físico-matemáticos complexos baseados em probabilidades.

Projetos em curso

BINGO

Liderado pelo LNEC, estende-se a seis países, entre os quais Portugal, e procura soluções de mitigação e adaptação face a secas e escassez de água. No caso nacional procura identificar medidas para redução de perdas e um uso mais eficiente da água na região do baixo Tejo, tendo em conta que este rio poderá sofrer reduções de caudais na ordem dos 30%, com implicações na afluência de água à barragem de Castelo de Bode, que abastece cerca de três milhões de pessoas.

RESCCUE

Coordenado pela espanhola Acuatec, este é o maior projeto europeu de inovação à escala urbana que visa tornar as cidades mais resilientes às alterações climáticas. Lembra que 66% da população mundial estará a viver em cidades em 2050 e que seis das 10 cidades mais populosas do mundo correm o risco de inundações, intempéries ou tsunamis.

ClimAdaPT.Local

Promovido pela Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa, envolveu 26 municípios portugueses e as respetivas estratégias de adaptação. É financiado pelo Programa AdaPT, com comparticipação do EEA Grants (85%) e do Fundo Português de Carbono (15%). Os planos municipais de adaptação abordam o risco de fenómenos extremos, como inundações, secas, escassez de água, perda de território ou incêndios, e a forma de reduzir riscos.

Outros

Há vários projetos em curso ligados à adaptação do sector agrícola que consome 70-80% dos recursos hídricos. A vinha não é regada mas para se para adaptar às alterações climáticas num horizonte de 50 anos há várias casas vitivinícolas a apostar na conservação da biodiversidade das castas.