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Tchizé dos Santos diz-se “fugida” do país e pede destituição de João Lourenço

Filha de José Eduardo dos Santos reage mal a sugestão do MPLA para suspender mandato de deputada e fala em ameaças

Micael Pereira

Foi uma sequência rápida. Tudo começou na terça-feira, 7 de maio, quando a direção do grupo parlamentar do MPLA, o partido do poder em Angola, resolveu escrever uma carta “à camarada Welwítschia José dos Santos”, mais conhecida como Tchizé dos Santos”, a sugerir que ela pedisse a “suspensão provisória do mandato” de deputada, tendo em conta que tinha ultrapassado o limite permitido por lei de 90 dias de ausência do parlamento e do país. A resposta não podia ter sido mais enérgica. E polémica. Nos dias seguintes, entre quarta e quinta-feira, a filha de José Eduardo dos Santos, o ex-Presidente da República que governou o país durante 38 anos, entre 1979 e 2017, fez várias declarações que foram gravadas em formato áudio e começaram a circular pelo WhatsApp em que justificava os mais de 90 dias fora de Angola por se encontrar “fugida”, admitindo que está com medo do que lhe possa acontecer. “Se o MPLA quer que eu diga a verdade ao povo, eu digo a verdade ao povo. Eu estou aqui fora, fugida, desde que raptaram dentro de um avião, em território internacional, um deputado e desde que inventaram e publicaram, em documentos da Justiça angolana, acusações falsas a meu respeito”, ouve-se Tchizé dos Santos a dizer.

Segundo o Expresso apurou, a filha de José Eduardo dos Santos está a viver em Londres, onde tem casa. Nem o seu advogado em Portugal nem ela própria, contactada diretamente por e-mail na quinta-feira, responderam aos pedidos urgentes do Expresso para esclarecerem o contexto em que as gravações áudio foram feitas e até que ponto Tchizé dos Santos se sente ameaçada. As suas declarações, que rapidamente se espalharam pelos círculos políticos e económicos em Luanda, incluem acusações sérias ao seu partido — partido que também é o do seu pai e do atual Presidente da República, João Lourenço — e às autoridades angolanas. “Se o MPLA decidir ou as pessoas da bófia decidirem usar meios [pouco] ortodoxos e se livrarem de mim, estão mal porque os meus advogados já têm tudo na mão. (…) Eu tenho filhos menores de idade portugueses. (…) As autoridades portuguesas têm direito de investigar. Ninguém vai ficar a rir. Eh, pá, se quiserem matar-me, matem-me. Vou entregar-me na mão de Deus. Mas também ninguém vai ficar a rir.”

Este incidente aconteceu numa semana agitada em Luanda, em que o Presidente João Lourenço demitiu Carlos Saturnino do cargo de CEO da Sonangol, a empresa petrolífera estatal angolana, em resultado de uma crise no sector dos combustíveis, com falhas generalizadas no abastecimento de gasolina e de gasóleo (Angola exporta petróleo mas tem de importar combustível refinado). A demissão motivou também comentários por parte da irmã de Isabel dos Santos, que tinha sido afastada da presidência da Sonangol por Lourenço em novembro de 2017, meses depois de este ter ganhado as eleições. “Será que [os administradores da Sonangol] não andaram distraídos nessas guerras do controlo da empresa mais rentável de Angola [Unitel, controlada por Isabel dos Santos]?”

A culpa é de Lourenço

Já nesta sexta-feira, no rescaldo da circulação das suas declarações pelas redes sociais, Tchizé dos Santos assumiu à agência Lusa que pretende avançar com um pedido no Tribunal Constitucional angolano para a destituição de João Lourenço da presidência da República, apontando-lhe o dedo pelas intimidações de que se sente vítima. “O Presidente da República é conivente porque nada faz”, disse, acrescentando: “É o senhor João Lourenço que me está a fazer a perseguição através do MPLA, porque ninguém no MPLA toma ali uma atitude sem a autorização do Presidente ou sem a orientação”.

A ansiedade de Tchizé dos Santos não é alheia ao que tem acontecido aos seus irmãos. José Filomeno dos Santos esteve em prisão preventiva durante meio ano, entre setembro de 2018 e março de 2019, por causa de um inquérito-crime em que é suspeito de ter defraudado o Estado enquanto esteve à frente do fundo soberano de Angola.

Antes disso, em março de 2018, tornou-se público que Isabel dos Santos passou a ser investigada pelo Ministério Público angolano por suspeitas de desvio de dezenas de milhões de euros em transferências feitas pela Sonangol. A empresária, que além de ser acionista de várias empresas e bancos em Angola também é investidora em Portugal, já foi notificada pela Procuradoria-Geral da República angolana mas até hoje ainda não terá sido interrogada. Contactado por e-mail, um dos advogados de Isabel dos Santos, Jorge Brito Pereira, não se mostrou disponível para esclarecer se a sua cliente está a negociar uma ida ao Ministério Público para prestar declarações sobre o caso.