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Marcelo veta lei que proíbe PPP na Saúde

Privados vão mais longe do que Presidente e acusam lei de ser mais “ideológica” do que racional <span class="creditofoto">FOTO José Carlos Carvalho</span>

Privados vão mais longe do que Presidente e acusam lei de ser mais “ideológica” do que racional FOTO José Carlos Carvalho

Formulação aberta, ainda que mais à esquerda, passa em Belém. Proibir as parcerias numa lei de bases é para o PR “um absurdo”

Ângela Silva e Ana Sofia Santos

Marcelo Rebelo de Sousa espera para ver que redação final da Lei de Bases da Saúde sai do Parlamento, mas considera “um absurdo” proibir as parcerias público-privadas (PPP) no sector, apurou o Expresso. Para o Presidente da República, o espírito de uma lei de bases deve ser o de abrir possibilidades e não de as fechar, por forma a dar espaço para que sucessivos Governos de diferentes cores políticas tenham margem de manobra para decidir, sem que seja necessário estar sempre a mudar a lei. Um diploma que proíba liminarmente as PPP para futuro tem praticamente certo o veto presidencial.

“A atual lei de bases durou muitos anos porque permitiu que quem quisesse fazer PPP as fizesse e quem não quisesse não fizesse. É muito estranho querer tornar impossível para futuro que um Governo as faça e afunilar numa lei de bases uma proibição que, quanto muito, é da competência do Governo”, afirmou ao Expresso fonte próxima do PR. Marcelo tem, aliás, partilhado dúvidas de que o primeiro-ministro proíba liminarmente as PPP — embora o BE tenha anunciado esta quarta-feira que chegou a acordo com o PS para que as atuais PPP só durem até ao final dos contratos.

“Outra coisa é arranjar uma redação para a lei que condicione esse tipo de parcerias a determinadas conveniências conjunturais. Isso pode deixar espaço para que cada Governo avalie se deve ou não optar por as fazer”, acrescenta a mesma fonte. Uma formulação mais aberta pode ser o segredo para que o Presidente aceite o diploma, não estando nesse caso afastada a hipótese de o PSD não votar contra a lei, o que também agradaria ao PR.

Em finais de março, depois da ministra da Saúde, Marta Temido, ter sido obrigada a moderar a primeira versão do diploma que levou a Conselho de Ministros, Marcelo mostrou-se otimista: “Redescobri que talvez exista espaço para um acordo”, afirmou, negando que haja “um veto prometido”. Pelo contrário, o PR destacou o facto de “o articulado não ser exatamente igual na sua densidade doutrinária ao preâmbulo, nem ao debate que é feito em alinhamento com o contexto pré-eleitoral”. E mostrou agrado por o texto do Governo garantir “dentro do SNS, gestão pública preferentemente, mas com previsão expressa de contratos com o sector social e privado, sempre que necessário, a título subsidiário”. Ser uma lei menos flexível e assumidamente mais à esquerda não é problema para o Presidente. O próprio líder do PSD disse em março que se não passar “qualquer coisa feia para cabeça do PSD”, o acordo “é relativamente fácil”. O que esbarrará em Belém são proibições radicais que condicionem futuros governos.

Óscar Gaspar: “Carregada de ideologia”

De qualquer modo, para o atual Executivo, as PPP são para acabar nos próximos anos. O fim foi anunciado, de forma tímida, na semana passada, num despacho conjunto dos Ministérios da Saúde e das Finanças que suspendeu o lançamento de um novo concurso público para gestão do Hospital de Braga — esta unidade, gerida pelo Grupo Mello desde 2011, vai passar para as mãos do Estado a 1 de setembro depois do insucesso das negociações para prorrogar o contrato. Entretanto, o BE anunciou que, por acordo com o Executivo, em 2022 é posto um ponto final à experiência (finda o último contrato de PPP, no Hospital Beatriz Ângelo, gerido pelo Grupo Luz Saúde). Além de Braga e de Loures, os hospitais de Cascais (Grupo Lusíadas Saúde) e de Vila Franca de Xira (administração Mello) também são PPP.

O presidente da Associação Portuguesa de Hospitalização Privada (APHP), Óscar Gaspar, diz que o que motiva o anunciado fim das PPP na saúde “é uma decisão carregada de ideologia política”. Isabel Vaz, CEO da Luz Saúde, concorda: “Parece-me uma decisão mais baseada em pressupostos ideológicos do que na racionalidade dos factos.” Para Gaspar, que foi secretário de Estado da Saúde num Governo socialista, “as PPP são um instrumento muito útil e trouxeram eficiência para o SNS”. E acrescenta que “todas as análises feitas às parcerias pelo Tribunal de Contas, Administrações Regionais, Ministério das Finanças e Universidade Católica mostram que os privados cumpriram o que estava contratualizado e originaram uma poupança para o Estado superior a 20%. Estamos a falar de cerca de 70 milhões de euros, por ano”.

“A estupefação é grande”, garante Óscar Gaspar, sobretudo tendo em conta que no Programa Nacional de Reformas, apresentado pelo Governo no início desta semana, é dito que “nas parcerias da saúde há uma efetiva transferência de risco para os privados”. Aliás, o documento confirma que os privados não obtiveram o retorno esperado: “Os relatórios sobre as PPP relativos a Braga e Cascais concluíram uma efetiva transferência de riscos para os parceiros privados, que obtiveram uma rentabilidade económica bastante inferior à projetada, sem que daí adviessem encargos adicionais para o Estado.”

Isabel Vaz considera que, assim, o Estado “limita a sua flexibilidade” num mundo em evolução rápida, e acredita que da lei de bases “não resultará numa resolução, qual passe de mágica, dos problemas que afetam o SNS e os sistemas de saúde em geral.” A gestora aponta para o risco de também se estar a limitar a “exposição do SNS a diferentes modelos de gestão e à comparação sempre benéfica de resultados que daí possam advir”.

“PS não se deve demitir de liderar este processo”

Adalberto Campos Fernandes não esconde reservas em relação ao que se espera que venha a ser a próxima Lei de Bases da Saúde. Mesmo assumindo que só poderá comentar com mais propriedade quando conhecer o documento, o ex-ministro da Saúde de António Costa não gostou de ver o Bloco de Esquerda a assumir a condução do processo. “O PS não se deve demitir da responsabilidade que tem de liderar este processo. Espero que o PS não abdique de uma condição que lhe é exigível na condição de partido fundador do SNS”, diz ao Expresso.

Ainda que, por princípio, defenda a restrição das taxas moderadoras tal como aparentemente propõe o Governo — “um caminho inteligente”, concorda —, Campos Fernandes discorda que o fim das PPP esteja previsto numa lei de bases. “É uma opção política. Ninguém desconhece que me revia na proposta de Maria de Belém. Acho que uma proposta de Lei de Bases deve ser mais estratégica do que tática. Mas é perfeitamente legítimo que o Governo tenha procurado outro caminho”, sentencia.