Sociedade SONDAGEM

Avaliação Serviços de saúde são os que têm nota mais baixa, ainda que positiva. Posição ideológica influencia a opinião

Nem mal nem bem: serviços públicos estão assim-assim

Texto Raquel Albuquerque Infografia Sofia Miguel Rosa

A avaliação que os portugueses fazem dos serviços públicos prestados na saúde, nas escolas, no ensino superior, nos transportes e nas forças de segurança é como ter um ‘satisfaz pouco’ num teste: nem os reprovam nem os acham bons. E para metade dos inquiridos a qualidade desses serviços ficou na mesma desde que o atual Governo entrou em funções, mostra a sondagem Expresso/SIC, resultante da parceria com o Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa (ICS) e o ISCTE-Instituto Universitário de Lisboa.

Entre estes cinco sectores, a Saúde é a que tem a nota mais baixa, ainda que ‘suficiente para passar’. Numa escala de 0 (muito negativa) a 10 (muito positiva), tem cinco. Quem recorreu aos serviços nos últimos seis meses penaliza-os mais (4,9) do que quem não os usou (5,1). E é entre a população acima dos 65 anos — a que mais precisa do Serviço Nacional de Saúde (SNS) — que a avaliação é pior (ver infografia). Mas não é só a idade que muda a opinião. A simpatia partidária também influencia: os simpatizantes do PS veem os hospitais públicos e centros de saúde de forma mais positiva (5,4) do que os do PSD (4,8).

“A situação dos serviços públicos de saúde ainda é má”, afirma Pedro Lopes Ferreira, professor na Universidade de Coimbra e um dos coordenadores do Observatório Português dos Sistemas de Saúde (OPSS). “A redução brutal do investimento público no sector quando a crise começou a ser avistada foi, e ainda é, uma das causas para o que estamos a viver.” Apesar da melhoria do investimento em 2017, que passou para 9% do PIB, o valor está abaixo da média europeia. “É muito mais difícil para um português manter-se saudável do que para um alemão. A percentagem do orçamento familiar gasto em saúde é maior cá do que na Alemanha, onde se investe 11% do PIB no sector.”

Apesar do aumento do número de profissionais, “ainda são precisos mais”, defende Pedro Lopes Ferreira. “Na Área Metropolitana de Lisboa, a explosão demográfica agravou os problemas e não houve acompanhamento financeiro para dar resposta.” Por isso, defende, é preciso uma posição diferente: “Esta questão é política e é decidida pelo Governo quando apresenta o Orçamento do Estado, pela Assembleia da República quando o vota e pelo Presidente da República quando o promulga. É preciso saber se querem ou não mais investimento na saúde.”

Os transportes públicos recebem uma nota de 5,5. Quem os usou recentemente avalia-os melhor (5,7) do que quem não os utilizou (5,5) e a posição ideológica parece não influenciar a opinião. Fora da sondagem, o retrato é outro. “O nível de serviço nas áreas metropolitanas é muito baixo devido à falta de investimento. E no resto do país só anda de transporte quem não tem alternativa. O serviço está degradado e é caro”, alerta João Figueira de Sousa, especialista em transportes e professor na Universidade Nova de Lisboa. Também o coordenador do Movimento de Utentes dos Serviços Públicos (MUSP) traça um cenário negro. “É um serviço claramente amputado e insuficiente perante as necessidades”, afirma Rui Monteiro. Ainda este ano, no entanto, irá sentir-se o efeito da redução dos preços dos transportes, “uma medida muito importante e para a qual nunca se pensou que houvesse tanto dinheiro”, diz João Figueira de Sousa (ver caixa). “Mas não basta reduzir preços, é preciso fazer mais.”

Uma arma de arremesso político

O ensino superior e as escolas públicas merecem uma avaliação mais positiva (6). São os mais jovens, os que completaram o ensino secundário e os simpatizantes do PS que veem com melhores olhos a qualidade das universidades. E quanto às escolas, os mais otimistas têm entre 18 e 24 anos, embora a cor política também influencie a perceção.

A simpatia partidária tem um impacto constante neste estudo. “É difícil não concluir que a qualidade dos serviços públicos se tornou um tema politicamente relevante. E a partir do momento em que isso sucede, as predisposições partidárias das pessoas são ativadas quando chamadas a pensar sobre o assunto”, diz Pedro Magalhães, investigador do ICS e membro da equipa que coordenou a sondagem.

O único caso em que a posição ideológica se inverte é na avaliação das forças de segurança, o sector com melhor nota (6,1). E quanto mais à direita, mais se tem as polícias em boa conta. “Não pode deixar de ter a ver com a natureza do serviço prestado e o facto conhecido de que, para as pessoas mais à direita, a manutenção da lei e da ordem é um valor mais importante e o combate à criminalidade um tema mais saliente do que sucede com os que se posicionam à esquerda”, explica o investigador.

A maioria dos portugueses acha que os serviços públicos “estão na mesma”. Entre os que entendem que mudaram com o atual Governo, 27% consideram que estão melhores e menos de um quinto (17%) que pioraram.

Políticos apostam em descontentamento que não existe

Portugueses desdramatizam discurso da oposição e da esquerda em torno da degradação dos serviços públicos

A degradação dos serviços públicos tem dominado o discurso político, os noticiários, os debates parlamentares, as iniciativas dos partidos, mas, tendo em conta a sondagem Expresso/SIC, a opinião pública não acompanha o dramatismo dos líderes partidários. Se o PSD e o CDS têm feito das falhas do Estado um eixo da oposição ao Governo, o BE e o PCP — aliados do PS na ‘geringonça’ —, também têm sido críticos, sobretudo ao pedirem mais investimento, e ao acusarem a direita de “hipocrisia” por partilhar essas responsabilidades. O esforço parece, no entanto, ser em vão: os eleitores de direita não têm uma visão catastrofista e os de esquerda muito menos. Segundo a sondagem coordenada por uma equipa do ICS e do ISCTE, só 17% dos inquiridos consideram que os serviços públicos pioraram durante a governação de António Costa e 77% acham que estão na mesma ou melhor. Se os partidos pensavam apostar neste caminho para tirar dividendos de uma suposta insatisfação generalizada em ano eleitoral, estão a elaborar em perceções diferentes do que os portugueses parecem ter.

Por exemplo, a líder do CDS-PP, Assunção Cristas, investe pelo menos desde 2016 no discurso sobre o “colapso” dos serviços públicos. No fim do ano passado, depois da tragédia de Borba, até lançou uma campanha para mostrar que o país estava “preso por arames” em termos de infraestruturas e tem insistido na “degradação” do Serviço Nacional de Saúde (SNS). No PSD, Rui Rio tem repetido a ideia de que os socialistas e parceiros “degradaram os serviços públicos para um patamar que é inadmissível em qualquer circunstância” e que a saúde foi o “serviço público” que “mais se degradou”. Em outubro, os sociais-democratas chegaram a marcar um debate parlamentar sobre “a qualidade dos serviços públicos”. Segundo o deputado Pedro do Ó Ramos, “a degradação dos serviços públicos é visível e sentida diariamente pelos cidadãos”.

Será? Segundo a sondagem, os cidadãos não se queixam nos mesmos termos dos políticos, nem sequer as diferenças entre eleitores do PS e do PSD são muito acentuadas. Os inquiridos não consideram que os serviços públicos sejam ótimos, mas também não lhes dão notas ao nível da “degradação”: ficam-se pelo valor intermédio a rondar os 5 pontos numa escala de 10. Exemplo na saúde: os que votaram PS dão 5,4 valores ao sistema e os do PSD atribuem uma nota de 4,8 pontos em média. Nos transportes, os socialistas avaliam o serviço com 6 valores e os do PSD com 5,7. A avaliação que fazem da escola pública até é melhor e a diferença mínima: os eleitores dos PS dão 6,4 valores de média e os do PSD atribuem-lhe 6,1 valores. Apesar de poderem olhar para a realidade com óculos partidários (ver texto ao lado), as diferenças de opinião dos portugueses são menos acentuadas que as dos políticos.

Vítor Matos

Os serviços públicos e a Cidade das Esmeraldas

<p class="nome">Pedro Adão e Silva <br>José Santana Pereira <br><span class="cargo">ISCTE-IUL</span> </p>

Pedro Adão e Silva
José Santana Pereira
ISCTE-IUL

Os portugueses estão cada vez mais afastados dos partidos. A afirmação é feita inúmeras vezes e tem um fundo de verdade — se olharmos, por exemplo, para as taxas de confiança nos partidos políticos, que se situam quase sempre abaixo dos 25 pontos percentuais. Também esta sondagem revela um número significativo de portugueses que não sentem simpatia por nenhum partido em particular (44%). Apesar disso, há elementos que nos devem levar a duvidar do pressuposto de que, hoje, a identificação partidária conta pouco. Como veremos em seguida, o que os portugueses pensam sobre os serviços públicos e a avaliação que fazem da sua qualidade é muito influenciada pelas suas afinidades partidárias.

Apesar de os inquiridos não serem particularmente generosos na avaliação que fazem dos serviços públicos, todas as áreas incluídas nesta sondagem apresentam valores favoráveis, situando-se a saúde no ponto intermédio da escala de avaliação (5) e as escolas, a universidade, os transportes e as forças de segurança pública um pouco acima — ou seja, os portugueses não estão muito contentes com os serviços públicos, mas também não estão muito insatisfeitos. Curiosamente, recorrer ou não recorrer a estes serviços pouca diferença faz: as opiniões de utentes e não utentes são idênticas, com duas exceções — quem teve contacto recente com as forças de segurança pública avalia o serviço que prestam de forma menos positiva, enquanto quem recorreu aos transportes públicos expressa uma opinião mais favorável da qualidade deste serviço.

É sabido que, em momentos de recuperação da economia, as prioridades políticas se alteram, com a preocupação com o emprego a perder relevância relativa. A este respeito, o Eurobarómetro do Outono de 2018 já mostrava que a saúde (a par da segurança social) era uma preocupação partilhada por uma proporção considerável de cidadãos portugueses. Nesta perspetiva, o facto de a saúde ser o serviço público menos bem avaliado não é surpreendente, se tivermos em conta o historial recente de contestação no sector.

É neste quadro que deve ser interpretada a saliência que a discussão sobre a qualidade dos serviços públicos tem assumido na agenda política recente e que, certamente, continuará a marcar o ano eleitoral. E é, precisamente, o crescendo de saliência política do tema ‘qualidade dos serviços públicos’ que pode ter levado a que as inclinações políticas dos portugueses passassem a ser mais mobilizadas quando foram desafiados a pronunciarem-se sobre a matéria.

São apenas 3% os simpatizantes do PS que identificam uma degradação dos serviços públicos, contra 33% entre os do PSD

Sintomaticamente, quando analisamos, de entre vários fatores (idade, género, instrução, utilização dos serviços, simpatia partidária e ideologia), aqueles que melhor explicam diferentes avaliações dos serviços públicos, identificamos um padrão claro: a simpatia partidária é sempre relevante, quer se trate da avaliação da saúde, do ensino superior, das escolas, dos transportes públicos ou das forças de segurança. Em particular, os inquiridos que expressam simpatia pelo Partido Socialista fazem avaliações mais positivas da qualidade dos serviços públicos.

Aliás, esta avaliação por áreas é consistente com o posicionamento global dos portugueses sobre o que se passou com os serviços públicos desde a entrada em funções do atual Governo. Se a maioria dos inquiridos (52%) considera que a qualidade dos serviços públicos ficou na mesma — enquanto 27 por cento reconhecem melhorias e apenas 17 por cento acha que pioraram —, a verdade é que, uma vez mais, há uma relação forte entre predisposições políticas e perceção de que a qualidade se deteriorou. São apenas 3% os simpatizantes do PS que identificam uma degradação dos serviços, contra 33 por cento entre os do PSD. Se considerarmos a clivagem esquerda/direita, os valores são semelhantes.

No fundo, um pouco como os protagonistas de “O Feiticeiro de Oz”, que viam tudo verde na Cidade das Esmeraldas, devido aos óculos com lentes dessa cor que eram obrigados a utilizar, também os portugueses usam óculos coloridos quando olham para a qualidade dos serviços públicos: se simpatizam com o partido no Governo, a realidade ganha tons de verde; de contrário, o panorama muda ligeiramente de cor. No fim de contas, como revela a sondagem ICS/ISCTE, os óculos com que se olha para o mundo continuam a ter matizes partidários.