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Tempestade perfeita na conta da luz

Preço da eletricidade sobe há seis meses e aproxima-se do máximo histórico de 2008. ERSE está a investigar

A Península Ibérica está a atravessar uma “tempestade perfeita” que ameaça levar o preço grossista da eletricidade para perto dos níveis mais altos de sempre. As empresas justificam a escalada com uma mão cheia de fatores. Mas há especialistas que dizem que parte da subida é injustificada. Certo é que a ERSE — Entidade Reguladora dos Serviços Energéticos está a investigar.

Em agosto, o preço médio da eletricidade no mercado grossista ibérico chegou a €64 por megawatt hora (MWh), o mais alto desde janeiro de 2017, quando o preço médio para Portugal se fixou em €71,5 por MWh. Já esta semana o preço alcançou um pico de €74,5 na quarta-feira e recuou para €68 sexta-feira. Os contratos futuros para o quarto trimestre estão a ser negociados a €72. Um valor em linha com os futuros para França, que até costuma ser um mercado mais barato, mostrando que a inflação do preço da luz não é exclusiva do mercado ibérico (Mibel). Sobre o sector elétrico paira uma nuvem carregada em forma de interrogação: até onde pode subir o preço?

Há uma década a Península Ibérica registou os mais altos preços da eletricidade, com o valor médio por MWh a chegar, em novembro de 2008, a €76,5, pressionado pelos máximos históricos do petróleo, que puxaram pela cotação do gás natural, usado nas centrais de ciclo combinado. Hoje o petróleo está longe desses recordes, mas nos últimos meses a sua subida contagiou o custo do gás. E com a produção elétrica a partir do gás a encarecer, cresceu a procura das centrais a carvão, que fez subir a cotação desta matéria-prima. Em paralelo... uma valorização explosiva das licenças de carbono.

A EDP enfatiza que “a evolução do preço do CO2 tem sido impressionante, sendo que o preço das licenças hoje é três vezes superior ao preço verificado precisamente há um ano”. “Este contexto afetou não apenas o mercado ibérico, mas todos os outros mercados europeus, como é o caso da Alemanha e de França, onde os preços sofreram também aumentos muito significativos”, acrescenta a elétrica liderada por António Mexia, que invoca ainda “a reduzida eolicidade verificada no período e várias indisponibilidades de centrais nucleares espanholas” como razões da subida.

Vários especialistas que acompanham o sector elétrico têm levantado dúvidas. É o caso do espanhol Luís Valero, que esteve ligado à criação da empresa Fortia. “Os preços deste ano não se justificam. Temos as centrais elétricas mais renováveis, as hidroelétricas, cuja matéria-prima é a água, a marcar os preços máximos da eletricidade. E temos as barragens cheias. É precisamente nas horas em que há mais procura que a produção hidroelétrica marca os preços mais altos da eletricidade”, escreveu Valero num artigo no mês passado na publicação especializada “El Periódico de la Energia”. E observou, com ironia, que em julho do ano passado, em plena seca, a eletricidade estava nos €48,6 por MWh, e este ano, com mais energia hídrica, chegou a €61,8: “Deve ser porque o preço da água que cai do céu valorizou.”

Também tem sido levantada em alguns fóruns a ideia de que nem toda a capacidade hidroelétrica estará a ser usada. Em Portugal, este ano 50% da eletricidade veio de centrais térmicas, 27% das hídricas e 22% das eólicas. Estarão as elétricas a subaproveitar as barragens para que mais centrais térmicas (mais caras) possam ditar preços de mercado mais altos? “De todo”, responde o presidente da Endesa Portugal, Nuno Ribeiro da Silva, notando que “as albufeiras têm níveis de segurança que não estão particularmente confortáveis”. “Este ano já choveu bem mas foi chuva de pouca dura”, acrescenta. Já a EDP frisa que “é precisamente por haver maior disponibilidade da hídrica que os preços não têm sido mais elevados”.

E está o mercado a funcionar de forma eficiente? A EDP responde que “o Mibel está a funcionar normalmente e de acordo com as regras estabelecidas”. “Seria, contudo, importante tomar medidas no sentido de reduzir a carga fiscal sobre a geração em Espanha (em concreto, o imposto de 7% que se aplica à geração), sendo esta a principal razão que limita a convergência dos preços de eletricidade do Mibel com os restantes mercados europeus”, acrescenta a EDP.

O presidente da Apren — Associação de Energias Renováveis, António Sá da Costa, diz ainda que “a maior parte dos fatores externos que têm levado ao aumento dos preços não são controlados pelas utilities”. Mas admite que em algumas situações as elétricas possam estar a tentar recompor as suas contas. “Em Portugal e Espanha acabou-se com a garantia de potência. As empresas têm de ir buscar o dinheiro a algum lado”, comenta Sá da Costa, lembrando ainda que a carga fiscal sobre alguns produtores elétricos subiu (as centrais a carvão em Portugal passaram este ano a pagar ISP).

A ERSE confirmou ao Expresso que no final de maio abriu “uma investigação formal aos preços do mercado grossista de energia elétrica”. Resultados ainda não há. “Até à conclusão dessa investigação, a ERSE não pode divulgar qualquer outra informação sobre a mesma”, explica o regulador. Já o secretário de Estado da Energia, Jorge Seguro Sanches, afirma que na cooperação entre Portugal e Espanha “há questões que estão identificadas e a ser consideradas no redesenho do Mibel”.

Nuno Ribeiro da Silva lamenta as suspeitas criadas. “Quando os preços do petróleo ou da eletricidade sobem é típico lançar-se a suspeição”, observa o gestor, garantindo que não há uma “conspiração” das elétricas ibéricas, já que noutros mercados, como França, Alemanha e Itália, os preços também estão a subir. “Há dois fatores que me preocupam. Primeiro, onde o preço do CO2 vai parar. Segundo, se não tivermos vento nem água as coisas ficam feias”, aponta Nuno Ribeiro da Silva. Miguel Prado

FATORES DE PRESSÃO

Licenças de CO2

As licenças valorizaram 170% desde o início do ano, custando agora €21 por tonelada. Numa central a carvão cada MWh sai €12 mais caro só com o CO2

Custo do gás natural

O gás tem estado a subir, custando €30 por MWh, valor ao qual as elétricas têm de acrescentar o custo fixo das centrais de ciclo combinado

Preço do carvão

O encarecimento do gás vem levando a uma maior procura por centrais a carvão, o que também puxa pelo seu custo

Recurso eólico limitado

A EDP aponta uma “reduzida eolicidade” como fator de pressão. Este ano a produção eólica em Portugal está 2% acima de 2017

Impostos

A taxa de 7% que Espanha aplica aos produtores, os impostos regionais e outros encargos que pendem sobre as elétricas estão a ser repercutidos nos preços de mercado

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