uma década de crise crescimento

DESACELERAÇÃO O PIB mundial saiu da crise mais lento. São poucos países a acelerar, e Portugal é um deles. Mas não é necessariamente uma boa notícia

Sobe, sobe, crescimento sobe... Talvez não suba

Textos João Silvestre e Jorge Nascimento Rodrigues

PORTUGAL CRESCE PELO EMPREGO POR POUCO TEMPO Cerca de dois terços do crescimento da economia portuguesa desde 2014, quando Portugal saiu da recessão, vieram da criação de emprego. O resto veio quase integralmente da produtividade já que o capital pouco contribuiu. As contas feitas pelo Expresso a partir da base de dados AMECO, da Comissão Europeia, mostram, no entanto, que o contributo do emprego vai diminuir este ano (para 50%) e no próximo para cerca de um terço à medida que a taxa de desemprego se aproxima do estrutural. Como a produtividade e capital não aceleram, o PIB vai perdendo velocidade.

PORTUGAL CRESCE PELO EMPREGO POR POUCO TEMPO Cerca de dois terços do crescimento da economia portuguesa desde 2014, quando Portugal saiu da recessão, vieram da criação de emprego. O resto veio quase integralmente da produtividade já que o capital pouco contribuiu. As contas feitas pelo Expresso a partir da base de dados AMECO, da Comissão Europeia, mostram, no entanto, que o contributo do emprego vai diminuir este ano (para 50%) e no próximo para cerca de um terço à medida que a taxa de desemprego se aproxima do estrutural. Como a produtividade e capital não aceleram, o PIB vai perdendo velocidade.

Há muitas formas de analisar as estatísticas. Há até quem diga, em jeito de piada, que devidamente torturados os números dizem tudo o que quisermos. Mas, mesmo sem waterboarding numérico, há inúmeras formas de ler uma estatística. E os dados do crescimento do produto interno bruto (PIB) na saída da crise são um exemplo perfeito. A economia mundial saiu da crise a um ritmo muito mais lento. Mais concretamente, pelas contas do Expresso a partir das estatísticas do Fundo Monetário Internacional (FMI) para 191 países e cujas projeções vão até 2023, o PIB global cresceu 4,2% em média ao ano na década entre 1999 e 2008 e nos dez anos entre 2014 e 2023 fica-se por 3,7%. É uma queda de 13,1% que é o resultado que acontece na maior parte dos países mas onde há exceções. Portugal é uma delas: deverá ter um crescimento ligeiramente mais rápido agora do que antes da crise financeira que teve o auge com o estouro do Lehman Brothers em setembro de 2008 (1,631% contra 1,628%). O problema português está no facto de ser uma aceleração face a um ritmo fraco e, ao mesmo tempo, o PIB nacional estar em processo de perder gás.

Esta tendência da economia global tem preocupado. A diretora do FMI, Christine Lagarde, ainda não voltou a usar o termo “medíocre” para classificar a dinâmica do crescimento mundial como fez em 2016, quando o ritmo anual se aproximou de 3%, um limiar vermelho para muitos economistas. Limita-se, por agora, a falar de um crescimento “sem brilho” o que é, por si, só um sinal de alerta. As projeções até 2023 falam por si: o PIB mundial atingiu um “planalto” de crescimento, com uma taxa ligeiramente abaixo de 4%, e não vai conseguir ir mais longe. Pelo contrário vai abrandar duas décimas nos próximos cinco anos. Sinais visíveis dessa desaceleração são a descida das projeções de crescimento da China — o atual motor mundial — para menos de 6% a partir de 2022 e a queda esperada do ritmo na zona euro e nos EUA para 1,4% dentro de cinco anos. No caso do gigante chinês, como escrevia esta semana Martin Wolf numa longa análise no “The Financial Times”, a grande questão é saber como será possível corrigir desequilíbrios — leia-se dívida elevada — sem comprometer o crescimento. Será muito difícil, considera Wolf, porque o PIB chinês tem crescido com taxas estratosféricas de investimento, o que implica endividamento.

Portugal vai estar em linha com a zona euro e a perder velocidade durante os próximos anos: no ano passado o PIB cresceu 2,7%, este ano deverá rondar 2,3%, e o ritmo irá progressivamente perder gás até 2023.

Tudo pode piorar

Os números são já pouco animadores e ainda podem piorar. Basta que haja uma escalada na guerra comercial e/ou um choque na confiança dos investidores, como avisou o FMI na reunião do G20 do fim de semana passado. Num cenário extremo desse tipo, as contas do FMI implicam uma redução do crescimento para 3,3% em 2020, no ano de maior impacto da guerra comercial, e uma estabilização em 3,4% ou 3,5% no final do período de projeções (ver artigo em baixo).

Bastam uns abanões e a recessão pode ressurgir. Nada que Ayhan Kose, diretor do Banco Mundial (BM) e responsável pelo relatório anual Global Economic Prospects, afaste por completo: “A probabilidade de uma recessão nas grandes economias, como os EUA, parece-me muito baixa, de facto. Mas, como apontámos em janeiro, a economia mundial tem registado um abrandamento abrupto ou mesmo uma recessão a cada década, desde os anos 60 do século passado.” A história dos ciclos estudados pelo BM revela que, em regra, antes desse choque, a economia mundial vive um período de sobreaquecimento em muitas economias, que operam acima das suas capacidades. “Esta proporção de países é estimada por nós em cerca de 50% este ano, e deverá aumentar ainda mais no próximo ano”, acrescenta Kose. Um sinal a que devemos estar atentos é dado pelos países em expansão económica: “Este ano apenas 45% dos países deverão registar uma aceleração do crescimento, menos do que os 56% no ano passado.” O número de países cujo PIB está acima do potencial continua a crescer: entre as 27 economias avançadas, para as quais o FMI tem estimativas de produto potencial, há 17 que o vão ultrapassar este ano e em 2019 serão 21 (ver gráfico).

A todo o potencial

Com grande parte das economias avançadas acima do potencial — Portugal incluído em 2018 — isso significa que, sem alterações de fundo na economia, é muito difícil crescer mais rápido. O PIB português tem crescido, em larga medida, com base na criação de emprego e, à medida que a taxa de desemprego se aproxima do nível estrutural, a tendência é para perder velocidade já que o ónus recai sobre a produtividade e o capital que não apresentam grande dinamismo (ver gráfico). “Houve uma erosão do crescimento potencial durante estes dez anos devido a fraco investimento, e há constrangimentos estruturais, como a desaceleração do crescimento da produtividade e o envelhecimento da população”, conclui o diretor do Banco Mundial.

Outro dos sinais a estar atento é a evolução das economias que alguns analistas apelidam de “canários na mina de carvão”. O canário morria se estivesse presente um gás venenoso. A expressão é usada, agora, quando se pretende avaliar sinais que indiquem iminência de perigo. E não faltam ‘canários’ (ver Focus). Os mais óbvios estão nas economias emergentes, e foram recentemente apontados num estudo do Instituto Internacional de Finanças. Mas a consultora MRB Partners surpreendeu apontando um lote de oito ‘canários’ entre as economias desenvolvidas, que, à primeira vista, estariam, acima de qualquer suspeita. Na análise que publicou em maio juntou ainda alguns “candidatos”, onde listou Itália e Portugal.

Estagnação secular?

Uma das explicações para a desaceleração foi avançada por Larry Summers, ex-secretário de Estado do Tesouro, de Bill Clinton, há cinco anos. O economista de Harvard recuperou a hipótese avançada por Alvin Hansen em 1939 de que a economia americana teria chegado a um estado de “estagnação secular” por poupar mais do que consumia e investia e, mesmo quando investia, aplicava o dinheiro em ativos não produtivos. Summers projetou essa explicação para a história mais recente, marcada pelo que muitos chamam ‘financeirização’.

Mas a hipótese não é pacífica. Kose refere-nos que “as tendências estruturais de longo prazo são independentes dessa hipótese que está focada numa procura insuficiente crónica”. Charles Wyploz, professor do The Graduate Institute, em Genebra, vai mais longe no ceticismo: “O crescimento de longo prazo depende de tantos parâmetros, inclusive da inovação tecnológica e do seu impacto na produção e nos hábitos de consumo, que eu fico admirado em haver quem consiga fazer previsões sólidas.” “Há uma contradição espantosa entre o pessimismo da estagnação secular e o entusiasmo tecnológico”, conclui Wyploz.

Seja secular ou não, o crescimento está coxo e assim vai continuar nos tempos mais próximos.

Guerra comercial pode matar a recuperação

Juncker conseguiu uma trégua para a Europa na Casa Branca, mas a ameaça não está eliminada. FMI avisa que perda de confiança dos investidores será letal para o PIB mundial

Quando a expansão económica mundial começou a ser sólida e sincronizada, Donald Trump resolveu agitar as águas. A guerra comercial desencadeada pelos Estados Unidos veio na pior altura e pode colocar em risco a recuperação. Consciente dessa ameaça, a Comissão Europeia procurou um entendimento com a Casa Branca, e Jean-Claude Juncker esteve esta semana em Washington, onde, juntamente com Trump, assinou o acordo dos três zeros, para “trabalharem em conjunto no sentido de taxas [aduaneiras] de zero por cento, de zero barreiras não alfandegárias e de zero subsídios para os produtos industriais excluindo os automóveis”. E decidiram adiar a imposição de outras taxas enquanto as negociações prosseguem, nomeadamente sobre as importações de automóveis e dos componentes, um sector onde os estragos podem ser significativos. É uma vitória parcial que agradou aos mercados e mereceu o elogio da China, do Fundo Monetário Internacional (FMI) e de Mario Draghi, presidente do Banco Central Europeu. Só que não elimina a ameaça de guerra comercial, não só porque não abrange todo o comércio com a União Europeia como também deixa de fora todos os outros países com quem os EUA têm estado em litígio comercial, nomeadamente a China. E o risco permanece, com consequências imprevisíveis.

Um cenário de perda de confiança fruto de uma escalada nas tensões comerciais entre as maiores economias do mundo pode levar a uma redução de 0,5% no PIB mundial no segundo ano após o impacto, que será o pior, e pode implicar um estrago acumulado de quase 2% distribuído pelos próximos cinco anos, segundo uma simulação realizada pelo FMI para a reunião de ministros das Finanças e banqueiros centrais do G20 em Buenos Aires, no fim de semana passado (ver gráfico).

O FMI simulou quatro cenários para avaliar os efeitos que ainda não tomam em consideração as ameaças mais recentes da Administração Trump em taxar todas as importações da China e em eventualmente suscitar uma guerra de divisas. O pior cenário é o de perda de confiança generalizada. E, nesse caso, o maior impacto no crescimento vai ser sentido nos próprios Estados Unidos (uma redução de 0,8% do PIB logo no primeiro ano de impacto), cujo Presidente abriu as hostilidades, na América Latina (um corte de 0,7% no segundo ano) e no Japão e nos mercados emergentes asiáticos (uma redução de 0,6%).

Na zona euro, o impacto vai ser menos de metade ou metade do que nas outras regiões (ver gráfico), o que revela uma maior flexibilidade para “desviar” fluxos de comércio internacional. Ou seja, a capacidade das empresas da zona euro para mudarem de clientes que imponham taxas alfandegárias (como os EUA) e para procurarem fornecedores alternativos cujos bens e produtos a zona euro não tenha de taxar em retaliação.

Geopolítica por outros meios

A atuação de Trump não cai do céu. Estes movimentos “crescentemente erráticos, destrutivos e imprevisíveis”, como refere o economista e historiador Kenneth Rogoff na entrevista que publicamos (ver página 6), são parte de uma estratégia geopolítica de romper com a ordem económica e política mundial vigente. A guerra comercial e de divisas, neste contexto, é o prosseguimento da geopolítica por estes meios. A dinâmica do comércio internacional vai, por isso, sofrer uma travagem ainda maior do que a que já teve. A taxa anual média passou de 7% entre 2000 e 2007, antes da crise, para 5% a partir de 2010. E vai reduzir-se ainda mais, para 3,7%, entre 2021 e 2023, segundo as projeções do FMI.

O impacto de uma guerra comercial no espaço da moeda única vai ser menor do que nos próprios EUA e em outras regiões

Este abalo no comércio internacional vai afetar ainda mais as economias desenvolvidas e emergentes, mais sensíveis a abalos, os ‘canários’, a que fazemos referência noutro artigo. “As guerras comerciais são mais uma ameaça potencial de fim de ciclo em economias muito focadas na exportação como são os ‘canários’”, refere-nos Phillip Colmar, da consultora MRB Partners.

Há, no entanto, dúvidas de que a guerra comercial atual chegue a extremos como no início da Grande Depressão do século passado, quando os EUA também a desencadearam a partir das taxas alfandegárias impostas pela legislação Smoot-Hawley entre junho de 1930 e junho de 1934. Na altura, a vaga protecionista surgiu durante a fase inicial da crise, agravando ainda mais a depressão de 1929. Há, por ora, uma enorme incerteza sobre a dimensão da manobra geopolítica de Trump. “Ainda que uma guerra comercial seja um desenvolvimento chocante, o seu impacto, até agora, é modesto. E também não sabemos até onde os EUA poderão ir. É possível que Trump vá para a frente, mas também é igualmente possível que seja apenas uma tática de negociação”, diz Wyplosz.

Produtividade é o calcanhar de Aquiles

Apesar da revolução tecnológica, a capacidade de produção das economias desenvolvidas está quase estagnada, e nos mercados emergentes está mesmo a cair

A produtividade é como o sangue das economias, que, para crescerem, precisam dela. Pode ser medida de formas diferentes, mas significa sempre a mesma coisa: a capacidade de com os mesmos recursos produzir mais. A cada ano, o PIB dos países cresce porque há mais capital, porque há mais pessoas a trabalhar e/ou porque a produtividade aumentou. Em economias, como a portuguesa mas não só, onde o investimento cresceu durante anos a ritmos baixos — e o stock de capital pouco ou nada se alterou — e onde a taxa de desemprego se aproxima do seu nível estrutural, resta à produtividade o ónus de meter o PIB a andar. E é aqui que o problema começa. Apesar da revolução tecnológica permanente em que a economia mundial tem vivido desde que a Intel inventou o microprocessador em 1971, o andamento da produtividade já não é o que era. O que parece um paradoxo e tem, inclusivamente, motivado alguns especialistas a questionar a medição da produtividade, por acreditarem que pode estar aí a explicação.

Os economistas medem normalmente a dinâmica da produtividade a partir da chamada produtividade total dos fatores (PTF). Não é a única medida, mas é, em termos macroeconómicos, aquela que tenta capturar a parte do crescimento que não é explicada pela utilização de mais capital ou mais trabalho. Um exemplo simples: uma economia onde num determinado ano o emprego e o capital cresceram ambos 5%, e o PIB deu um salto de 10%, tem uma parte da ‘explicação’ atribuída à PTF. Ou seja, os recursos utilizados foram mais produtivos e deram melhores resultados.

No caso português, o maior contributo tem vindo da criação de emprego, com a contribuição do capital em níveis baixos

Foi a queda a pique desse indicador que, nos anos 80 do século passado, sinalizou o colapso para onde caminhava a União Soviética, o que foi antecipadamente revelado pela equipa do economista Abel Aganbegyan, à frente do então importante Instituto Económico de Novosibirsk, na Sibéria. A economia mundial atual ainda não é uma URSS em ponto grande. Mas a taxa anual de crescimento da PTF desceu abruptamente de mais de 2% nas décadas de 60 e 70 do século passado nas economias desenvolvidas e nos mercados emergentes para flutuar em torno de 1% nas duas décadas seguintes no mundo avançado e cair inclusive para terreno negativo nos emergentes. Antes da crise de 2008 e 2009, ela arrebitou nos emergentes até atingir um ritmo de 2% ao ano, mas não subiu nos desenvolvidos. A crise veio provocar, naturalmente, uma queda para terreno negativo da PTF nos desenvolvidos e uma desaceleração fortíssima nos emergentes, como chamou a atenção um estudo recente do Fundo Monetário Internacional (FMI) sobre a produtividade global (ver gráfico). No caso português, o histórico da produtividade desde 1999, quando nasceu a moeda única, não tem sido muito animador, e no crescimento dos últimos anos o maior contributo tem vindo da criação de emprego, com a contribuição do capital em níveis muito baixos (ver gráfico).

Com a recuperação económica e com a expansão mundial sincronizada nos últimos anos esperava-se que o ritmo de crescimento da PTF regressasse, pelo menos, aos níveis anteriores à crise. Mas não. “O crescimento médio da PTF [nas economias desenvolvidas] está perto de 0% nos últimos dez anos, abaixo do que se registou em qualquer período similar nas últimas seis décadas”, refere o estudo do FMI “Gone with the Headwinds: Global Productivity Headwinds”, para destacar ainda que a dinâmica nos emergentes ficou presa num ‘planalto’ em torno de 1%.

Dúvidas sobre medição

É por isso que muitos economistas duvidam de que a produtividade esteja a ser medida corretamente. “Talvez sejamos incapazes de medir a PTF numa época em que centenas de milhões de pessoas gastam imenso tempo consumindo bens e serviços gratuitos na web. Estudos excelentes sobre o problema dão sinais muito contraditórios sobre o que se passa, pelo que estamos muito longe de entender as tendências que modelam o crescimento”, refere Charles Wyplosz, professor do The Graduate Institute, em Genebra. O FMI garante, no entanto, que, mesmo tomando em linha de conta os erros de medição para o caso dos EUA, uma economia na ponta da digitalização, eles representam “menos de um décimo do abrandamento na taxa de crescimento da produtividade dos EUA”. Pelo que conclui que a desaceleração é “genuína”. E não transpira otimismo em relação ao futuro no seu estudo: “No médio prazo, as perspetivas para a produtividade são altamente incertas. Um renascimento impulsionado pela inteligência artificial e outras ruturas tecnológicas é concebível, embora a sua magnitude e tempo de concretização sejam difíceis de prever.” Moral da história, segundo o FMI: “É improvável que o crescimento da produtividade regresse às taxas mais elevadas do final dos anos 1990 nas economias desenvolvidas e de meio da década de 2000 nos emergentes e em desenvolvimento.”

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