COMENDADOR MARQUES DE CORREIA

CARTAS ABERTAS

COMENDADOR MARQUES DE CORREIA

OS PROBLEMAS DA EXISTÊNCIA DO OE, DE ULTIMATOS DO BLOCO E DO PRÓPRIO RUI RIO À FRENTE DO PSD

Nem tudo o que parece é e nem tudo o que é parece. É este extraordinário problema filosófico que é aqui debatido

ilustração de cristiano salgado

ilustração de cristiano salgado

Algumas questões têm-me atormentado extraordinariamente. Uma, é se o Orçamento do Estado vai ser aprovado; outra, é se o Bloco de Esquerda continuará a fazer ultimatos ao PS; outra, ainda, é se Rui Rio existe verdadeiramente ou é uma invenção da comunicação social. Mas vamos por partes, que é uma forma muito usada pelos esquartejadores e pelos defensores de causas fraturantes.

O OE corre o risco de não ser aprovado, a acreditar no que se diz. Não tanto pelo que diz o PCP, mas sobretudo pelo que diz o Bloco de Esquerda. Reparem que o PCP disse que não mudava uma palavra ou uma letra em relação ao que tem dito sobre este assunto. Restou-lhe acrescentar que o PCP não muda uma palavra ou uma letra em relação a nada, pelo menos desde 1976. Aliás, a divisa do PCP deveria ser: “A dizer o mesmo desde que nos puseram a andar do Governo”. Na verdade, o PCP na sua breve, mas produtiva passagem pelo Governo, nos idos do Processo Revolucionário em Curso (PREC), quando considerava as greves reacionárias e as manifestações tentativas de golpe, diz o mesmo sem cessar: Portugal está refém de uma política de direita. Tem-no repetido à exaustão, dizendo que o PS não conseguiu sacudir a política de direita que terá, pelos vistos, a consistência da água no capote ou da caspa no colarinho. Assim sendo, e carecendo o PS dos votos do PCP, haverá Orçamento? Há, porque o PCP não muda uma palavra ou uma letra e já disse que havia!

Já o Bloco de Esquerda fala grosso. E Augusto Santos Silva não gosta. O ministro dos Negócios Estrangeiros, que ganhou uma linguagem diplomática muitos furos acima da velha máxima “gosto de malhar na direita”, também não se ensaia de “malhar na esquerda”. Mas Catarina Martins não se cala e parece uma torneira a pingar. Não tenho a certeza de saber o que ela diz, mas parece estar sempre a dizer coisas. São ultimatos, como diz o ministro? Não me parece… Antes diria que são conselhos de amigo. O Bloco é amiguinho; quando está muito irritado faz uma recomendação ao Governo. Quando está em pé de guerra propõe o fim das touradas ou a abolição de taxas excessivas numa coisa qualquer, só para chatear. Mas vai votar o Orçamento. Não creio que, por isso mesmo, sejam ultimatos. São arrufos, próprios da paixão que nutre Catarina e todo o Bloco por Costa e todo o PS (incluindo o próprio Augusto Santos Silva).

Por último, a mais intrigante de todas as questões: Rui Rio existe enquanto líder do PSD? Ou é uma invenção da comunicação social? Esta questão ocorre depois de o Grupo Parlamentar ter acusado o mesmo Rio de querer viabilizar o Orçamento. Este veio dizer que não o conhecia, pelo que não sabia o sentido de voto que o PSD teria. Ao mesmo tempo disse que a comunicação social deturpava tudo e que nem se podia fazer declarações à dita porque saía tudo mal. Eu, como sou muito esperto, pensei: e se o próprio Rio é uma deturpação da comunicação social?

Sim, porque nada do que Rui Rio aparece a dizer na comunicação social parece normal num líder da oposição. Por exemplo, no que concerne à Justiça ou ao próprio Orçamento. E isso leva-me a colocar esta questão, determinante para o assunto que, não nos esqueçamos, diz respeito à existência do Orçamento do Estado. É que, caso todas as outras teses estejam erradas, ou seja, caso o PCP mude uma palavra e uma letra e não vote o Orçamento; caso o Bloco não esteja despeitado por amor, mas na verdade a fazer ultimatos daqueles que Augusto não gosta; caso Rui Rio seja, de facto, o líder do PSD, então o OE passa de qualquer maneira, nem que seja com Rui Rio a votar a abster-se. No entanto, se Rio for uma invenção da comunicação social e o PSD tiver um líder que não é nada daquilo que os jornais nos fazem crer, podemos ficar sem Orçamento e ter um grande sarilho. Por isso, esperemos que o PCP cumpra a palavra, que o Bloco se mantenha apaixonado e que Rio seja uma invenção. É o melhor para todos!

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