Presidência

Recandidatura: Marcelo já fala em “dever de consciência”

Presidente da República diz que não vai a um segundo mandato “se entender que há alguém melhor”. Haverá?

Ângela Silva

O Presidente da República continua popular. 70% dos portugueses são fãs do estilo de Marcelo FOTO ANTÓNIO PEDRO FERREIRA

O Presidente da República continua popular. 70% dos portugueses são fãs do estilo de Marcelo FOTO ANTÓNIO PEDRO FERREIRA

Marcelo Rebelo de Sousa vai dando pequenos passos para desfazer o tabu que muito cedo alimentou sobre se tenciona ou não recandidatar-se. No encontro que teve com jornalistas em Belém a propósito do segundo aniversário da sua Presidência, Marcelo foi claro: só não avançará para um segundo mandato se entender que há alguém mais bem colocado do que ele (que continua com mais de 70% de adesão dos portugueses nas sondagens).

“Quando me candidatei, fi-lo por sentir um dever de consciência. Olhando para o que era o país, incluindo o país político, e o resultado que tinha saído das eleições [legislativas], achei que era o mais bem colocado”, afirmou o Presidente. Ou seja, Marcelo achou que como Presidente que vinha “da esquerda da direita” era o mais bem colocado para coabitar com um Governo de esquerda apoiado pelas esquerdas à sua esquerda e assumiu-se como fator de moderação, capaz de evitar tensões. “A minha posição é a mesma. Se no verão de 2020 [já lá vamos à justificação desta data] entender que tenho o dever de consciência de continuar, eu continuo e recandidato-me”, acrescentou.

“Falarei no verão de 2020, no termo do prazo para uma decisão. Não quero usar o cargo para candidaturas escondidas”

E o que o poderá levar a mudar de ideias? “Se entender que naquele contexto há alguém melhor, então não me recandidato.” Marcelo Rebelo de Sousa não analisou em detalhe os possíveis contextos nem o que fará se, em vez de um Governo minoritário, lhe sair um de maioria absoluta ou se em vez de um Governo de esquerda lhe sair um de direita (coisa que as sondagens dizem improvável). Mas disse-se apostado em “manter exatamente o mesmo tipo de comportamento — frio a pensar, medido nas declarações e muito próximo das pessoas”, além de disposto a “lutar pela estabilidade política”, a “lutar por um Governo forte” e a “lutar por oposições fortes”. Ou seja, um programa presidencial que se adapta a quase todos os cenários e que mantém o chefe de Estado como protagonista central do xadrez político, com vontade de “lutar” pelo “reforço da credibilidade das instituições”.

Quanto à data que escolheu para anunciar se se recandidata ou não, Marcelo Rebelo de Sousa explicou que o verão de 2020 é o tempo certo. Além de, nessa altura, já saber qual o quadro saído das legislativas de 2019 e com que solução de Governo terá de conviver, o Presidente diz que protelar a sua decisão para lá disso seria, caso queira recandidatar-se, “usar o cargo de Presidente da República para candidaturas escondidas”. E não é sua intenção “criar problemas aos outros”.

Se, no verão de 2020, a sua decisão for ao arrepio do que todos esperam, Marcelo antecipa um “apagamento progressivo” da sua parte, porque não gosta de “despedidas grandiosas”.

Mendes diz que ele vai

Para Luís Marques Mendes, conselheiro de Estado muito próximo de Marcelo Rebelo de Sousa, não há dúvidas: ele vai recandidatar-se a um segundo mandato. No seu habitual comentário na SIC, Marques Mendes explicou porque é que está convicto disso, qualquer que seja o cenário saído das próximas legislativas.

Se não houver uma maioria absoluta (Marques Mendes disse “do PS”, afastando sempre da sua análise uma possível vitória do PSD em 2019), a reeleição de Marcelo será necessária “enquanto fator de estabilidade e de normalidade política”. Ou seja, o Presidente teria pela frente o papel de moderador e construtor de pontes que assumiu como prioridade na sua agenda neste primeiro mandato. Se das legislativas sair um Governo de “maioria absoluta do PS”, Marques Mendes diz que Marcelo avançará porque terá uma tarefa essencial a cumprir: “Fazer o reequilíbrio político.”

Embora reconheça que esse não será o cenário que Marcelo Rebelo de Sousa mais aprecia, o comentador trata de desfazer os prognósticos dos que apontam uma maioria absoluta socialista como eventual fator de desmobilização para o atual PR. Pelo contrário, Mendes puxa Marcelo para, nesse caso, estar ainda mais obrigado a ficar em jogo, para evitar que um eventual candidato do centro esquerda ocupe o lugar. A teoria de que é necessário evitar pôr todos os ovos no mesmo cesto vem sempre ao de cima na altura das presidenciais, e o facto de Marques Mendes nem sequer admitir uma vitória do PSD nas legislativas reforça a sua convicção de que, num caso ou noutro, Marcelo Rebelo de Sousa avançará para um segundo mandato.

Quanto aos desafios que o PR terá pela frente até ao fim deste seu mandato, Mendes replicou ideias que o próprio Marcelo assumira perante os jornalistas no dia do segundo aniversário em Belém: Europa, crescimento económico e incêndios. Mas somou um desafio com potencial de conflito com o Governo de António Costa. A saber: a escolha do novo rosto para a Procuradoria-Geral da República, depois de a ministra da Justiça ter tornado público (sem ser desmentida pelo primeiro-ministro, que, pelo contrário, considerou a sua leitura “correta”) que não tenciona reconduzir Joana Marques Vidal.

Júdice: “PR não tem de ter medo de uma maioria absoluta do PS”

José Miguel Júdice, que é amigo de Marcelo há 40 anos, aconselha-o a não se deixar condicionar pelo “interesse pessoal”

José Miguel Júdice acha que o melhor que pode acontecer ao país nas próximas eleições legislativas é uma maioria absoluta do PS — “ao contrário de uma maioria de direita, controla a tensão social, e sem isso não se fazem reformas” — e não percebe porque é que o Presidente da República dá sinais de não querer esse cenário. Amigo de Marcelo há mais de 40 anos, com quem viveu o combate ao bloco central nos anos 80, Júdice, hoje influente advogado e comentador semanal na TVI, deixa um aviso: “Com 70 ou 80% de popularidade, Marcelo não tem de ter medo de uma maioria absoluta do PS.”

Na sua opinião, um António Costa com poder absoluto seria até vantajoso para uma reeleição triunfal do atual Presidente da República (a velha teoria de que o povo não gosta de pôr os ovos todos no mesmo cesto). Mas Marcelo, diz Júdice, sabe que o contrapeso seria ter de viver um segundo mandato “muito chato”. Ora, acrescenta, o Presidente deve pensar mais no interesse do país, e isso implica “acalmar” e dar espaço e tempo ao líder da oposição, em vez de estar tentado a ocupar os vazios que Rui Rio, ao fim de um mês na liderança do PSD, continua a dar sinais de não ter pressa em preencher.

“António Costa é um pragmático e um oportunista absoluto e sabe muito bem que o país precisa de reformas e sabe quais são”

“Eu quero bem ao Marcelo e sei que quando o critico ele pensa.” Ao Expresso, José Miguel Júdice diz que ficará “muito contente se o PR tirar algumas lições”: “Eu não vejo problema nenhum em que o António Costa — que é um pragmático e um oportunista absoluto e sabe muito bem que o país precisa de reformas e sabe quais são — tenha maioria absoluta.” Fica o aviso ao amigo: não faz sentido pressionar o maior partido da oposição só por estar obcecado em travar o PS.

Segunda-feira, na TVI, Júdice reagiu à notícia do Expresso de sábado passado — que explicava como Marcelo Rebelo de Sousa quer dar tempo e espaço ao novo líder do PSD mas admite, caso Rio não se afirme como alternativa até ao verão, ter de ser ele próprio a regressar ao terreno aos poucos — e acusou o PR de, se o fizer, estar a cometer “um erro grave”. Impressionado com a pressa do Presidente — “o Rio acabou de chegar e ele já está nervoso?” —, o comentador diz que Marcelo está a gerir a atualidade política na base “do interesse pessoal”. E que é por “interesse pessoal” que o Presidente quer evitar uma maioria absoluta de Costa. “A sua reeleição ficará assegurada, mas o seu segundo mandato será uma maçada e o seu semipresidencialismo ativopopulista ficará frustrado.” Da mesma forma que, pelo mesmo motivo, quer evitar uma vitória da direita, “para não correr riscos de falhar uma reeleição triunfal”.

“A popularidade deve ser gasta”

Em vez de deixar que a sua alta popularidade fique condicionada por cálculos políticos, José Miguel Júdice acha que Marcelo Rebelo de Sousa devia “dizer coisas que pode dizer como ninguém”. Exemplo? “Que o Governo anda à bolina e não nos diz o que vai ser Portugal daqui a 10 anos.”

“A popularidade serve para ser gasta, e Marcelo deve usá-la mesmo que tenha de dizer o que o país não quer ouvir”, acrescenta o comentador, que desafia o Presidente da República a complementar o que fez no início do mandato: “Ajudar a credibilizar uma solução de Governo em que ninguém acreditava.” Ele “cumpriu a sua missão”, mas agora deve passar de Rei a Presidente. “Já não chega curar com as mãos, é preciso preocupar-se com os grandes desígnios nacionais.”

Como desígnio político, Júdice insiste em lembrar que “só há duas maneiras para reduzir a influência da extrema-esquerda junto do Governo: a mais complicada é a maioria absoluta PSD/CDS; a mais evidente é a maioria absoluta do PS, e com isso não gerar a necessidade de renovação da ‘geringonça’”. De acordo com esta tese, se continuar a beliscar umas vezes Costa, outras vezes Rio, Marcelo apenas vai ajudar a ‘geringonça’.

No encontro que teve com jornalistas no dia do seu segundo aniversário em Belém, o Presidente insistiu que o país e a democracia precisam de três coisas: estabilidade política, um Governo forte e uma oposição forte. Marcelo garantiu, aliás, que não irá mudar o seu comportamento mas explicou o que isso significa: “O PR quer estabilidade? Lutará pelo cumprimento da legislatura. Quer um Governo forte? Lutará por um Governo forte. Quer uma oposição forte? Lutará por oposições fortes.” Se Rio falhar... Â.S.

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