EDUCAÇÃO

Estudos das mães pesam mais nas notas do que condições das escolas

Atlas da Educação mostra quais os concelhos e escolas que ultrapassam as dificuldades do meio e as que podiam fazer melhor

Isabel Leiria

Os indicadores relacionados com a origem social dos alunos e dos meios em que se inserem são mais determinantes para os resultados nos exames do que características das escolas, como a dimensão das turmas, os cursos oferecidos ou a estabilidade do corpo docente. Não sendo um exclusivo da realidade portuguesa, o peso das variáveis sociais é “elevado”, comparando com avaliações realizadas noutros países.

Mas se existe, também é certo que não determina tudo. As características socioeconómicas do concelho e a percentagem de mães com ensino superior explicam metade das variações dos resultados nos exames, pelo que falta determinar tudo o resto. Esta é uma das muitas análises feitas no Atlas da Educação 2017, um projeto de investigação conduzido pelo Centro Interdisciplinar de Ciências Sociais da Universidade Nova de Lisboa (CICS.Nova), a pedido da associação Empresários pela Inclusão Social (EPIS) e que será apresentado na próxima semana.

Diferença entre as médias nos exames e as estimadas

Os mapas mostram os desvios, em cada concelho, entre as médias verificadas nos exames nacionais (no período 2011-2016) e as médias estimadas se fossem determinadas apenas pelas características socioeconómicas do concelho e da sua população escolar. Os tons a vermelho assinalam os concelhos onde os resultados ficam aquém do que seria expectável, e os desvios são negativos; os tons a azul revelam os casos em que escolas e município conseguem superar as expectativas e contrariar os fatores que puxam as médias para baixo, obtendo desvios positivos

Nas edições anteriores do Atlas da Educação, a análise do impacto do contexto socioeconómico nas notas dos exames e nas taxas de sucesso já tinha sido analisada, mas apenas ao nível de concelhos. Os investigadores do CICS.Nova foram agora perceber o que acontecia à escala dos agrupamentos de escolas públicas do continente. E juntaram-lhe indicadores relacionados com os estabelecimentos de ensino, para ver o que interferia mais.

A primeira conclusão é a de que, entre todas as variáveis testadas, a percentagem de mães com ensino superior é o preditor mais forte dos resultados escolares. Mais do que a baixa condição económica da família. E esse efeito aumenta à medida que se avança do 1º para o 3º ciclo. Já quando se testa o seu efeito no ensino secundário, o peso diminui. O problema é que não será pelos melhores motivos. “O facto de esse efeito se tornar mais forte ao longo dos três primeiros ciclos do básico, reduzindo-se um pouco no secundário, sugere um processo de seleção crescente nos primeiros anos da escola”, com os alunos de pais com menos habilitações a ficarem para trás.

A desintegração imigrante

Outro dos fatores com influência, mas neste caso negativa, tem que ver com a presença de alunos de famílias de origem imigrante (com nacionalidade estrangeira ou dupla nacionalidade), o que evidencia problemas de integração. O baixo capital económico da família de origem, medido pela percentagem de alunos beneficiários da ação social escolar, também influência, embora o seu “poder explicativo seja inferior às duas variáveis anteriores”.

Já os indicadores relacionados com as características das escolas, não sendo irrelevantes, provocam efeitos “mais fracos do que os de caracterização social”, notam os autores do estudo coordenado por David Justino e Rui Santos. “Nem a dimensão dos agrupamentos, nem o seu grau de especialização no ensino regular (por oposição às vias profissionalizantes) apresentaram efeitos líquidos significativos.”

Cultura de escola “frágeis”

As únicas variáveis que mostraram ter interferência moderada positiva — e, mesmo assim, só em alguns níveis de ensino — foram a percentagem de professores do quadro e o rácio de alunos por turma, com impacto no 2º ciclo e secundário.

Pode parecer estranho ter-se encontrado uma relação entre mais alunos e melhores resultados. Mas há várias explicações possíveis. Por um lado, as escolas mais pequenas encontram-se no Interior e no Sul, onde surgem algumas das médias mais baixas. Por outro, o prestígio das que têm classificações mais altas nos rankings pode levar a uma maior procura, sobretudo por estratos sociais mais elevados. “De modo algum se pode inferir que aumentando o número de alunos por turma se obteriam melhorias de resultados escolares”, salvaguardam os autores.

Se tudo isto está estatisticamente comprovado, os muitos mapas que compõem o Atlas da Educação também mostram que há concelhos que conseguem resultados acima, e também abaixo, do que as condições socioeconómicas e as características da população escolar permitem estimar.

“Há escolas que acrescentam mais do que outras para o mesmo tecido social, isto é, que têm projetos educativos de melhor qualidade”, sublinha Diogo Simões Pereira, diretor-geral da EPIS, a associação que conta com centenas de empresas associadas, para apoiar projetos de combate ao insucesso escolar. É o trabalho desenvolvido nesses agrupamentos que deve ser analisado e partilhado, defendem.

Os autores da investigação puseram a hipótese de as diferenças serem potenciadas pela chamada “cultura de escola”, ou seja, por uma organização e práticas específicas de cada agrupamento e que os fariam distinguir dos demais. Entrevistaram-se diretores de 60 agrupamentos e os resultados foram dececionantes, diz David Justino.

“Quer a análise dos projetos educativos quer dos discursos mostrou-nos uma cultura de escola tradicional, de base burocrática e muito influenciada pelo poder regulatório do Ministério da Educação”, comenta o ex-ministro da Educação. “Estamos perante frágeis culturas de escola. Nesta perspetiva a ideia de autonomia das escolas, assente no desenvolvimento de culturas organizacionais próprias, parece ainda uma quimera, que uma abundante retórica alimenta”, lê-se no documento

E olhando para os mapas também se percebe que o cenário não se faz apenas de tons de verde (assinalam os casos positivos). “O Atlas 2017 evidencia a resiliência no tempo de muitas bolsas de segregação e exclusão de escolas, motivadas por múltiplos fatores: assimetrias de rendimentos, fenómenos de imigração e até as próprias preferências de colocação de professores.” E estes problemas só se resolvem, defende o diretor da EPIS, com estratégias locais, dirigidas a estas bolsas, com o envolvimento do Ministério da Educação, mas também das autarquias e das comunidades.

“Escola reproduz desigualdades”

Ainda que haja escolas que contrariem as dificuldades do meio em que se inserem, a origem social dos alunos continua a ser “muito importante”, diz David Justino, ex-ministro da Educação e um dos coordenadores do Atlas 2017: “Temos sempre a pretensão de que a escola seja um elevador social. Só que, muitas vezes, acaba por reproduzir as desigualdades da sociedade.” Este fenómeno é visível, por exemplo, no facto de o acesso ao superior ainda ser “restrito”, já que há mecanismos de seleção que funcionam ao longo do percurso escolar,, nomeadamente, através da retenção, o que faz com que muitos alunos fiquem para trás. Sendo que as taxas de insucesso são superiores entre os mais carenciados ou entre os imigrantes. Este último fenómeno não se faz sentir em todo o país, mas concentra-se em algumas escolas da Área Metropolitana de Lisboa e do Algarve: 71% dos alunos com dupla nacionalidade ou estrangeira estão em 25% das escolas. Estes números mostram que existe “segregação de alunos e escolas” e que são precisas medidas mais eficazes para prevenir a “guetização escolar e social”.

Portugal: de mau aluno a exemplo

Os testes PISA serviram de base a um novo portal que retrata e ajuda a explicar a evolução do sistema educativo

De uma espécie de mau aluno a caso de sucesso europeu. Em 15 anos, o sistema educativo português sofreu uma transformação considerável, seja por via da maior escolarização dos pais, da diminuição do abandono e do insucesso, do alargamento da frequência do pré-escolar, da qualificação dos professores e do próprio trabalho das escolas. E a evolução ficou patente no desempenho dos jovens de 15 anos no PISA (Programme for International Student Assessment). Em 2000 — ano de estreia destes testes organizados pela OCDE, realizados de três em três anos em dezenas de países e regiões —, Portugal estava na cauda da tabela. Em 2015, o país superou a média na OCDE nas literacias matemática, científica e de leitura (de forma estatisticamente significativa no caso das duas últimas). Esta evolução, o porquê da melhoria e a comparação com outros países, permitindo detetar pontos fortes e fracos, está agora sintetizada no portal “A Educação em Exame” (educacaoemexame.pt), lançado esta semana pela Fundação Francisco Manuel dos Santos (FFMS), em parceria com o Conselho Nacional de Educação (CNE) e o Expresso.

O novo portal permite calcular a probabilidade de o seu filho passar de ano ou responder a perguntas do PISA

Os testes PISA são conhecidos por mostrarem ao mundo como se tem saído cada país participante — foram eles que deram a conhecer a qualidade do sistema finlandês ou que mostraram que os Estados Unidos não são de todo uma superpotência a este nível —, mas também pela quantidade enorme de dados e indicadores que disponibilizam. O projeto ‘aQeduto’, que resulta também de uma parceria entre o CNE e a FFMS, olhou para algumas das sete mil variáveis ligadas ao sistema de ensino, acrescentou outras fontes e é essa análise — dos alunos e famílias, dos professores e escolas e dos recursos investidos — que serve de base ao “Educação em Exame”. Mas não só.

No portal pode ainda ouvir o ex-ministro da Educação Marçal Grilo a recordar o início da participação portuguesa, ou o diretor do PISA, Andreas Schleicher, a elogiar os progressos do país e a lembrar que do “bom” ao “excelente” ainda falta percorrer um grande caminho. Maria de Lurdes Rodrigues e Nuno Crato, os dois ministros que mais tempo estiveram na 5 de Outubro durante este período, também analisam a evolução. O portal permite ainda uma interação entre o utilizador e as bases: há a possibilidade de um pai calcular a estimativa de o seu filho passar de ano ou tentar responder a algumas das perguntas que saíram em testes anteriores. Saberá mais do que um aluno de 15 anos? I.L.

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