Cem Por Cento
Nicolau Santos
O Banco CTT: pouca coisa bate certo
O Governo PSD/CDS decidiu privatizar os CTT não porque dessem prejuízos (davam bons lucros) ou por causa do quadro europeu (em 2013, 80% dos correios na UE a 28 eram públicos) ou porque os privados fossem mais competentes (se a missão dos correios for entregar cartas e encomendas, não há nenhum privado que disponha de uma rede melhor). Ou seja, as razões para a venda dos CTT foram sobretudo ideológicas. Mais nada justifica um negócio tão estúpido para o Estado e para os utilizadores dos CTT. Com efeito, os primeiros prejudicados pela privatização têm sido os clientes tradicionais dos CTT, sobretudo as pessoas idosas que se deslocam aos seus balcões para receber pensões ou enviar/levantar encomendas. Desde 2015, quando a empresa foi privatizada, fecharam 133 estações de correios e 90 postos de correios, foi reduzido em 1018 o número de trabalhadores e deixou de haver distribuição diária de correio.
O Banco de Portugal insiste que o país continua a ter agências bancárias a mais, mas autoriza mais um banco, o Banco CTT, e este abre 202 agências. Alguém percebe isto?
O grande objetivo de Francisco Lacerda, que passou pelo Banco Mello e pelo BCP, nunca foi ser carteiro mas voltar a ser banqueiro. E assim nasce o Banco CTT em 2015, que já abriu 202 agências — apesar de, desde 2011 até junho de 2016, os bancos em Portugal terem fechado 1620 balcões e do Relatório de Estabilidade Financeira do Banco de Portugal, em novembro de 2016, insistir que o país continua a ter agências bancárias a mais, sendo este um dos fatores que ainda pode ser trabalhado para reduzir custos operacionais e tornar a banca mais eficiente e rentável. É pois totalmente incompreensível a luz verde dada pelo banco central ao Banco CTT. Também não se percebe como, depois de ter lançado em janeiro o crédito à habitação com um spread de 1,75%, o Banco CTT o baixe para 1,3% logo em junho, apesar de Lacerda ter afirmado que o banco disponibilizaria “produtos simples e com custos baixos. Mas isso não quer dizer ter hiperagressividade em produto nenhum”. O spread do Banco CTT é agora o terceiro mais baixo do mercado, e, se isso não é hiperagressividade... Não se percebe ainda que nas áreas concorrenciais (correio de grandes clientes) os CTT estejam a perder posição, mas também naquelas onde são um monopólio natural (tráfego de correio e correio registado).
A ideia que dá é que os CTT estão a deixar de saber fazer o que sabiam e a meter-se por caminhos que não dominam. Por outras palavras, tem tudo para correr mal. A não ser para o presidente dos CTT, que, ao passar de gestor público em 2014 para gestor privado em 2015, passou a ganhar mais 110% (€943.700), aumentando exponencialmente a disparidade salarial entre o CEO e os trabalhadores de 21,8 vezes para 45,3, o segundo maior agravamento entre todas as cotadas naquele período. Ou seja, os utentes dos correios estão pior mas o presidente está melhor. Já é um sinal do sucesso desta excelente estratégia.
O fim do roaming é bom ou mau?
O roaming acabou na União Europeia esta quinta-feira, 15 de junho. É uma medida pela qual a Comissão batalhou durante dez anos que vai obviamente beneficiar os clientes das empresas de telecomunicações. A partir de agora, em qualquer ponto que estejamos dos 28 Estados da União Europeia, podemos telefonar, enviar mensagens ou navegar na internet sem custos acrescidos relativamente ao pacote que pagamos no país de origem, limitado a um “consumo responsável”. Só que como há muito mais turistas a visitar-nos do que portugueses a visitar outros países, é óbvio que as empresas locais vão ter um maior rombo nas suas receitas. Com menos dinheiro, investem menos e inovam menos, logo o resultado final pode não ser bom para o país - mesmo que a MEO e Vodafone sejam detidas por capital estrangeiro. Daí que se coloque a pergunta: o fim do roaming é bom ou mau? E para quem?
2,8%
TAXA DA EMISSÃO DA REPÚBLICA A 10 ANOS Portugal emitiu esta semana €750 milhões de Obrigações do Tesouro a 10 anos, a uma taxa de 2,851%, a mais baixa desde agosto de 2016. É uma excelente notícia, porque: 1) esta taxa reflete a confiança acrescida que os mercados começam a ter na economia portuguesa; 2) fica abaixo do patamar psicológico dos 3% e é mais baixa do que a taxa média da nossa dívida, pelo que estão criadas condições para fazer novas emissões a longo prazo; 3) este facto vem juntar-se a outras boas notícias na frente económica, pressionando as agências de rating a melhorar a notação que atribuem à nossa dívida. Será a cereja em cima do bolo.
Erasmus, o seguro de vida da UE
Lançado há 30 anos, o programa Erasmus tornou-se uma das principais razões por que o projeto europeu irá sobreviver contra ventos e marés. Hoje há uma geração Erasmus, mais de nove milhões de pessoas, que desenvolveram a sua formação superior noutro país da UE. A partir de 2014, o programa estendeu-se a outras áreas de ensino mas também a países como o Brasil. A geração Erasmus é profundamente europeia (81% votaram nas últimas eleições para o Parlamento Europeu, contra uma participação de 30% entre os não Erasmus), tendo gerado um milhão de bebés. Portugal é o sétimo país mais procurado pelos Erasmus e é o décimo de origem de estudantes do programa. Ou seja, o país é hoje bem mais conhecido na Europa por causa do Erasmus mas também existe uma geração de portugueses bem mais europeia por causa do programa. O Erasmus é o verdadeiro seguro de vida da UE.

FOTO TIAGO MIRANDA
Existem palavras por nós ignoradas
vivem ao lado das que mais usamos
e nunca sabemos quando
uma delas em fuga
com a calibração precisa
surgirá para transtornar a neutralidade
a língua arrasta a noite ancestral
um vento de neve
cheio de folhas mortas
a idade que possuímos em segredo
sem que nenhuma documentação civil
a detecte
as línguas são portas
que se abrem rangendo
para coisas que não existem
José Tolentino Mendonça,
‘Bocca della Verità’, in “Teoria da Fronteira”, Assírio & Alvim, maio de 2017