ELEIÇÕES

Contagem decrescente A data das eleições está marcada (4 de outubro), os programas delineados, as listas quase todas fechadas. O PS arrumou a casa esta semana, a coligação vai fazê-lo na semana que vem, apresentando candidatos e promessas — sem grandes novidades, a direita entra em terreno tradicional de esquerda e aposta num programa de desenvolvimento social. Com as sondagens a indicar um empate entre coligação e PS, Passos e Portas foram à televisão marcar terreno

A campanha das políticas sociais

Filipe Santos Costa

Um programa de desenvolvimento social, apresentado como “ambicioso” e focado na redução da pobreza e no apoio a famílias desfavorecidas, será uma das grandes bandeiras das propostas eleitorais do PSD e CDS para as legislativas de 4 de outubro. Ou seja, depois de confrontar a esquerda na guerra dos números do desemprego, a coligação volta a “comprar a guerra” noutro terreno que à partida seria mais favorável à oposição.

O programa da coligação Portugal à Frente (PàF) é divulgado esta terça-feira, e são os próprios dirigentes da direita, a começar por Pedro Passos Coelho e Paulo Portas, a baixar as expectativas: não são de esperar grandes novidades, num documento que cumpre as políticas já apresentadas em Bruxelas, e que segue as linhas gerais já apresentadas em junho pelos dois líderes da coligação.

O programa, que segundo o Expresso apurou é “razoavelmente extenso e detalhado”, reafirma as três prioridades identificadas nas “linhas de orientação geral” que Passos e Portas divulgaram há quase dois meses (políticas demográficas; qualificação das pessoas; competitividade das empresas e da economia) e detalha, com políticas sectoriais, as “garantias” então assumidas pelos líderes do PSD e do CDS. É nesse contexto que as políticas sociais surgem como “o coração do programa”, nas palavras de um dos responsáveis da coligação.

Apesar desse relevo, não há novidades sobre uma das questões sociais decisivas: a sustentabilidade da Segurança Social. A coligação não assume uma solução para o buraco de €600 milhões que o Governo identificou nas contas para 2016 — sobre isso, repete que tudo depende de um compromisso político alargado. E sobre a reforma estrutural da Segurança Social, abre espaço ao plafonamento, mas não se compromete.

O nome dado ao novo pacote social não é um acaso: depois de, nesta legislatura, ter um programa de emergência social, a coligação promete o programa de desenvolvimento social — sinalizando que passou a fase de emergência, mas admitindo que estes anos deixaram sequelas sociais que precisam de respostas. De resto, na entrevista que deu na terça-feira à SIC (a primeira entrevista em três anos), Paulo Portas frisou que na próxima legislatura o foco da governação deve ser “a questão social”. E deixou o argumentário: depois de quatro anos focados nas contas (“O Estado falido é o maior inimigo do Estado social”), “é evidente que ganhámos margem de manobra, desde que mantenhamos prudência orçamental, para que a próxima legislatura tenha um foco social”.

O PRINCIPAL ALVO DA COLIGAÇÃO SÃO OS ABSTENCIONISTAS QUE VOTARAM PSD E CDS EM 2011

O programa de desenvolvimento social deverá combinar a aplicação dos fundos europeus do Portugal 2020 (nomeadamente do programa operacional de inclusão social e emprego) com parcerias público-sociais, que passam por aprofundar a política de contratualização do Estado com IPSS e Misericórdias. Nas linhas gerais divulgadas em junho, a coligação já prometia para a próxima legislatura “um novo patamar de coesão social” — a resposta do PSD e do CDS ao facto de, nestes quatro anos, ter aumentado a pobreza no país.

Neste, como noutros aspetos do programa, as ideias-chave são gradualismo, estabilidade, segurança e previsibilidade. Passos, aliás, já assumiu que os autores do documento (que foi coordenado por José Matos Correia e Assunção Cristas) “não precisam de se pôr com invenções, nem precisam de espremer a imaginação para surpreender os portugueses”. O objetivo não é esse, mas o contrário: manter o rumo. “Nós temos um rumo que as pessoas conhecem” — reiterou o primeiro-ministro, na quinta-feira, em entrevista à TVI. “Apresentámos um programa de estabilidade que significa o caminho económico-financeiro que vamos percorrer até 2019 se formos Governo, portanto as pessoas sabem com o que contam se esta maioria vier a ser renovada.”

Cavaco, ma non troppo

No discurso da coligação, a ideia de imprevisibilidade e “invenções” é colada ao PS. Os dois programas, disse Passos na mesma entrevista, são “muito diferentes” e “não são fáceis de fundir”. Por isso, reafirmou que o importante é que os eleitores escolham um dos caminhos e deem maioria absoluta a um dos lados, porque “não podemos andar dois anos ou três a seguir às eleições a ver se nos entendemos”.

Se, nos seus tempos, Cavaco exigia a maioria absoluta como condição para governar, Passos não vai tão longe, mas assume a fasquia. “Deem a maioria absoluta ao PS ou deem a maioria absoluta ao PSD e ao CDS, para que o governo que saia das eleições tenha estabilidade”, disse o líder do PSD, preto no branco, um dia depois de Cavaco ter marcado as eleições com uma comunicação ao país em que dramatizou a importância de um resultado que garanta estabilidade e governabilidade.

Passos, garantem os seus conselheiros, não voltará aos tempos em que Cavaco ameaçava não governar sem maioria absoluta. “Não precisa de ir mais longe”, diz um alto responsável da coligação. Ao pedir uma maioria absoluta para um lado ou para o outro, o líder do PSD procura dois objetivos: primeiro, condicionar o eventual voto útil à esquerda (no pressuposto de que um potencial eleitor do BE ou do PCP não aceitará que seja Passos a sugerir-lhe que vote útil no PS); depois, mobilizar o eleitorado de centro que em 2011 votou PSD ou CDS mas, depois de quatro anos de austeridade, ainda não se reconciliou com a coligação. Esse será o grande alvo dos esforços do PàF até 4 de outubro: o eleitorado de centro, que gosta de maiorias e normalmente as decide, mas que ainda está abstencionista.

“Os descontentes que querem correr com o Governo já estão nos partidos da esquerda e não votam em nós. Mas as sondagens ainda indicam um nível alto de abstencionistas, muitos dos quais votaram em nós, zangaram-se connosco, mas não aderiram à mensagem do PS. São esses que ainda podemos motivar”, diz um dos estrategos da coligação. Daí decorre a convicção de que a direita terá mais margem de crescimento do que a esquerda (ver entrevista de Luís Montenegro na pág. 12). Para já, as sondagens mandadas fazer pela coligação dão ânimo. Resta saber se a tese se confirma... com Ângela Silva

Portas conta ir aos debates

O líder do CDS deu na terça-feira a sua primeira entrevista em três anos e tenciona dar mais algumas até às eleições, antecipando o risco de ficar na sombra caso não tenha lugar nos debates, por ir coligado com o PSD. Mas as TV admitem incluir nos debates os seis partidos com assento parlamentar, incluindo CDS (Portas) e Os Verdes (Heloísa Apolónia), os junior partners das duas coligações. Mas só se houver consenso do PS e do BE.

O tabu de Marco António

Fazia sentido o nº 2 do PSD não estar nas listas de deputados? Não fazia. Correram teses, mas Marco vai ser candidato

Primeira tese: Marco António Costa não queria ser candidato a deputado. O próprio legitimou a ideia — por alegadas razões da sua vida familiar e pessoal, não estaria interessado em ir para o Parlamento. Segunda tese, difundida nos bastidores do PSD: Marco António estaria a caminho duma instituição bancária e por isso não queria comprometer-se com as listas, cenário que entretanto terá caído. Terceira tese, alimentada pelos sectores do partido que não gostam dele: Marco António Costa preferia sair da boca de cena para prevenir eventuais desenvolvimentos dos casos que sobre ele têm vindo a público e que já suscitaram uma queixa na Procuradoria, por alegado tráfico de influências. Conclusão factual: Passos Coelho entendeu não fazer sentido não ter o seu braço direito no partido nas listas de candidatos às próximas eleições. E Marco António será candidato a deputado.

O seu distrito natural é o Porto, e o mais provável é que vá por lá, mas os eleitores da Invicta vão vê-lo pouco. Responsável pela organização da campanha, Marco andará a correr o país, de preferência perto do líder, com quem os seus adversários no PSD dizem não existir uma relação intacta. A intriga conduz às movimentações já percetíveis nos bastidores do partido com vista à possível sucessão de Passos Coelho se este perder as eleições.

POIARES MADURO VO

Em entrevista ao Expresso, Miguel Relvas ousou apontar dois nomes para o futuro: Luís Montenegro e Sérgio Monteiro, e acusam-no de estar, na sombra, a apoiar o líder parlamentar numa disputa surda com Marco António. Relvas desmente em absoluto. E Marco afasta-se da história: “Quando Passos deixar a liderança, eu saio com ele.” Intriga à parte, foi com o seu nº 2 que Passos Coelho se reuniu nos últimos dias para avançar nas listas. Mas chamou a si os primeiros nomes.

Ontem, dia do seu aniversário e com várias deslocações e discursos, o PM ainda não tinha, à hora do fecho desta edição, fechado o puzzle final. Sabe-se que quis Sérgio Monteiro em Viseu, mas este não estaria disponível. E que Miguel Poiares Maduro, seu ministro adjunto, também declinou encabeçar a lista de Coimbra, para não perder o seu vínculo às universidades de Florença e EUA, que interrompeu temporariamente para vir para o Governo e onde tenciona voltar.

Dados como praticamente certos para os distritos mais decisivos eram os nomes do próprio Passos por Lisboa, Aguiar Branco pelo Porto, Maria Luís por Setúbal, Montenegro por Aveiro e Jorge Moreira da Silva por Braga. Coimbra estava em dúvida. As listas são conhecidas no dia 30. Ângela Silva

PS: nas listas manda ele

Nunca são pacíficos os processos de formação das listas de deputados. Mas Costa conseguiu (quase) tudo o que quis

Foi o único rombo visível na estratégia de António Costa para a composição do seu próximo grupo parlamentar: o presidente do PS/Madeira, Carlos Pereira, recusou que o cabeça de lista fosse Bernardo Trindade, como pretendia o secretário-geral. E, antes que as coisas se complicassem ainda mais, foi o antigo secretário de Estado do Turismo — que o líder socialista recuperara para o seu secretariado depois do congresso de novembro — que se retirou.

Costa cumpriu a promessa de renovação — que iniciara, na semana passada, com a apresentação dos cabeças de lista, onde incluiu cinco independentes. E no final das mais de quatro horas de reunião da Comissão Política Nacional que aprovou a totalidade da composição das listas, na terça-feira, Carlos César quis relevar isso mesmo: dos 230 candidatos, só 66 se mantêm, contabilizou o presidente do PS. O que significa que, se os socialistas obtiverem a 4 de outubro exatamente o mesmo número de mandatos da legislatura anterior (74), haverá mais de 70% de novas caras — ainda que algumas já tenham sido deputados em legislaturas anteriores. Entre elas, potenciais ministeriáveis, como o coordenador do cenário macroeconómico, Mário Centeno (8º por Lisboa), ou o economista Paulo Trigo Pereira (4º por Setúbal).

Mas se o líder socialista conseguiu renovar foi, aos olhos de alguns, à custa do compromisso de unidade com que se fez eleger nas primárias de setembro de 2014. “Há mais apoiantes do Syriza e de José Sócrates nas listas do que membros da anterior direção. E isso é uma opção política”, constata um antigo dirigente socialista, que classifica como “sectarismo” as exclusões de membros do inner circle de Seguro como António Galamba, Miguel Laranjeiro, João Proença, Sónia Sanfona (que estava no 3º lugar da lista de Santarém e foi substituída à última hora, por indicação expressa de Costa, por Idália Serrão) e Isabel Coutinho (a presidente do Departamento Nacional das Mulheres Socialistas, que acabou por se demitir do cargo na sequência do processo).

Saem uns, entram outros

Ainda assim, a direção anterior mantém representantes nas listas: Eurico Brilhante Dias é o 2º em Castelo Branco, Jamila Madeira é a 3ª em Faro, Alberto Martins o 4º no Porto e Joaquim Raposo o 14º em Lisboa. Álvaro Beleza, que nestes meses assumiu o papel de líder da minoria, acabou por ficar de fora (é o último suplente da lista de Lisboa), recusando o 11º lugar que lhe foi oferecido na capital, vaga que acabou ocupada por João Soares, outro ex-apoiante de Seguro que não estava no elenco inicial. No cômputo geral, contra-argumenta a direção atual, os seguristas até terão mais assentos no grupo parlamentar do que na legislatura anterior. Quanto aos socráticos, ficam alguns (Vieira da Silva — o único ministro de Sócrates que continua como cabeça de lista —, Renato Sampaio e Isabel Santos), saem outros (os casos de José Lello, André Figueiredo e Fernando Serrasqueiro) e regressam outros ainda (Edite Estrela e Capoulas Santos).

Costa puxou dos galões de líder para encaixar nas listas alguns dos seus apoiantes

O secretário-geral do PS teve de usar a sua prerrogativa de líder para resolver, já na madrugada de quarta-feira, os casos mais bicudos das listas de candidatos a deputados. Fez entrar por Coimbra (apesar da resistência da distrital) o nome da antiga secretária de Estado da Igualdade, Elza Pais (que em 2011 fora eleita por Viseu), uma das suas apoiantes de primeira hora. Coimbra foi também o círculo que abrigou o secretário nacional João Galamba (depois de, há quatro anos, ter sido eleito por Santarém). Não foram os únicos que Costa fez questão de garantir que estariam nas listas, apesar de não indicados pelas estruturas. Jorge Lacão acabou por entrar em 10º lugar por Lisboa e João Soares em 13º (o antigo presidente da Câmara de Lisboa, cabeça de lista por Faro nas duas últimas legislativas, beneficiou da vaga aberta pela recusa de Beleza). Também a antiga ministra da Cultura, Gabriela Canavilhas, foi repescada e entra na 10ª posição do elenco do Porto (tinha sido eleita por Braga); Inês de Medeiros também ficou mas, sem lugar em Lisboa, indicada na zona cinzenta de Setúbal. Já depois de aprovadas as listas, houve mexidas no rol da capital: a pedido do secretário-geral, Isabel Moreira subiu de 20º para 17º lugar — para lhe dar francas possibilidades de ser reeleita (em 2011, o PS elegeu apenas 14 deputados em Lisboa).

Experiente negociador das listas de candidatos (a primeira vez foi nas legislativas de 1991, como líder da Federação da Área Urbana de Lisboa), António Costa estreou-se no processo como líder partidário. E acusou as evidentes dificuldades, deixando no ar a sugestão, em jeito de desabafo: para evitar guerras futuras, é melhor mesmo que, para a próxima, a escolha seja feita através de primárias. Ver-se-á.

Ontem, o “Público” noticiou que António Costa se prepara para arrancar para a pré-campanha já na próxima semana. E que a estratégia passa por deixar nas mãos do secretário-geral socialista a passagem da mensagem de afirmação da alternativa como candidato a primeiro-ministro. As críticas ao Governo serão feitas por três secretários nacionais: Graça Fonseca (áreas sociais), Fernando Rocha Andrade (áreas institucionais) e João Galamba (questões económicas). Cristina Figueiredo

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