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Quem devolve a sobretaxa do IRS, quem é?

Cobrança de IRS e IVA deixa margem para devolução integral se perfil de cobrança se mantiver idêntico aos anos anteriores

Maria Luís Albuquerque e Paulo Núncio querem dar uma boa notícia aos portugueses já no verão. Até porque em 2016 podem já não estar nas Finanças FOTO Alberto Frias

Maria Luís Albuquerque e Paulo Núncio querem dar uma boa notícia aos portugueses já no verão. Até porque em 2016 podem já não estar nas Finanças FOTO Alberto Frias

O Governo inaugurou este ano o conceito de promessa fiscal condicionada: manteve a cobrança da sobretaxa de 3,5% no IRS mas prometeu devolvê-la parcial ou integralmente caso a receita fiscal ficasse acima do previsto. Mais concretamente, se o encaixe somado de IVA e IRS ultrapassassem o valor inscrito no Orçamento do Estado para 2015 que é de €27,7 mil milhões. A devolução, a acontecer, fica guardada para o momento de apuramento do IRS, ou seja, entre março e maio do próximo ano quando as famílias entregarem as suas declarações anuais.

Para avaliar até que ponto os contribuintes podem contar com a devolução da sobretaxa, o Expresso analisou os números da execução orçamental até maio, que foram divulgados quinta-feira, com base no perfil habitual de cobrança dos dois impostos em causa e concluiu que a manter-se a tendência, a devolução será integral. Ou seja, o Estado devolverá €760 milhões às famílias o que, para um agregado com duas pessoas a trabalhar ambas com €1000 brutos mensais, representa um valor na ordem dos €198 (segundo cálculos das Finanças quando entregou o Orçamento do Estado para 2015).

Esta conclusão resulta da projeção até final do ano dos dados já conhecidos até maio assumindo que o comportamento da receita replica o padrão dos últimos anos. Até maio, entraram nos cofres do Estado €11,1 mil milhões de receitas destes dois impostos — €4,8 mil milhões de IRS e €6,3 mil milhões de IVA — que correspondem a cerca de 40,1% do valor estimado para o conjunto do ano.

Nos últimos cinco anos, o Estado conseguiu cobrar, em média, nos primeiros cinco meses 33,7% do receita anual de IRS e 43,5% do IVA. No caso do IVA, o padrão tem estado mais estável, enquanto no caso do IRS tem havido maiores oscilações. Replicando o mesmo perfil do período 2010-2014, a receita somada dos dois impostos poderá chegar ao final do ano em €28,7 mil milhões. São cerca de mil milhões acima da estimativa do OE que, a confirmar-se, significa a devolução integral da sobretaxa. Claro que esta análise não tem em conta alterações fiscais, como aconteceu este ano no IRS com o quociente familiar e que está a afetar a receita, nem acelerações ou desacelerações da economia. Esta projeção serve apenas de indicação.

Mesmo eliminando o facto de os reembolsos de IVA estarem a ser mais lentos do que no ano passado, devido a novas regras e procedimentos do Fisco, a estimativa para o final do ano mantém-se acima do limiar para devolver a sobretaxa. Descontando os €191 milhões de reembolsos a mais, na comparação com 2014, o encaixe de IRS e IVA no final do ano rondaria 28,5 mil milhões.

Projeção mensal de receita

O Expresso irá publicar mensalmente, a partir de agora, a atualização desta projeção à medida que a direção-geral do orçamento divulgar o boletim de execução orçamental. O Governo prepara-se para disponibilizar um simulador durante o verão precisamente para tentar capitalizar politicamente este desempenho da receita fiscal antes das eleições.

Nos primeiros cinco meses do ano, a cobrança fiscal tem estado acima do orçamento. O IVA é um dos impostos ‘estrela’ com um crescimento homólogo que, apesar da desaceleração no mês passado, está a aumentar a uma taxa de 7,2%. Excluindo o efeito dos reembolsos, a taxa desce para 4,6% mas mantém-se acima da estimativa do orçamento.

No conjunto, o défice das administrações públicas foi de €867,5 milhões de euros, mais €108 milhões do que em igual período do ano passado considerando igual universo. O saldo primário (sem juros) melhorou em €326 milhões (ver tabela). João Silvestre

Fisco penhora comida servida numa refeição em fevereiro

Nem o empregado do restaurante escapou à fúria dos impostos. Vai fazer companhia às gambas e ao bacalhau

Umas “gambas panadas com molho de laranja à parte”, uma “salada verde (alface e chicória)”, um “bacalhau com espinafres gratinado”, um “cheesecake com coulis de frutos vermelhos”, “pãezinhos (couvert incluído)”, um “empregado de mesa (pack ‘almoços corporate’)” e uma “entrega dentro de Lisboa” foram penhorados pelo Serviço de Finanças de Viana do Castelo.

Sim, leu bem, nem o empregado do restaurante, que forneceu a refeição a uma empresa de Lisboa escapa à notificação de penhora datada de 16 de junho passado. Em causa estará o valor do serviço prestado pelo empregado de mesa (€65), mas não deixa de ser mais um caso, juntamente com os alimentos em causa, que soma ao rol de penhoras inusitadas. E que ocorre já depois das medidas tomadas pela Secretaria de Estado dos Assuntos Fiscais, em abril, para evitar este tipo de situações.

Mais. O almoço em causa, no valor total de €192,82 (a salada e os pãezinhos foram de graça, mas constam à mesma da penhora embora com valor zero), foi servido quase quatro meses antes da penhora, a 25 de fevereiro. Em causa estará uma dívida do restaurante às Finanças que cruzada com a guia de transporte eletrónica gerou a caricata ordem de penhora.

Na notificação, a Autoridade Tributária e Aduaneira (AT) indica à instituição que usufruiu da refeição que “deverá considerar penhorados, à ordem deste Serviço de Finanças, os bens identificados no documento de transporte (...) para pagamento da dívida exequenda (...) no âmbito do processo de execução fiscal”.

A instituição ficou também a saber que foi nomeada “fiel depositária” dos alimentos consumidos quatro meses antes, bem como do empregado e do serviço de entrega. E que tem cinco dias úteis para informar o Fisco sobre a “eventual inexistência, total ou parcial, dos bens penhorados”.

Automatismos embaraçam

Com as guias eletrónicas, as Finanças passaram a cruzar os dados dos bens transportados com os processos de execução fiscal em curso e, assim, a atuar com mais eficiência no sentido de recuperar os impostos em falta através da penhora de bens ou de créditos futuros dos devedores. Porém, o sistema automático, cego, criou embaraços à máquina fiscal, com penhoras sucessivas de alimentos, por exemplo. Houve até casos de confisco de alimentos doados a instituições de solidariedade social.

Em abril, o Governo pôs freio a estes automatismos. No caso dos bens perecíveis, foram suspensas as penhoras de alimentos que constam nas guias de transporte eletrónicas quando o destinatário são pessoas singulares ou Instituições Particulares de Solidariedade Social (não é o caso da organização que recebeu esta notificação em Lisboa, vinda do Fisco de Viana do Castelo), deixando as guias de transporte de ser utilizadas para a cobrança coerciva.

A Secretaria de Estado dos Assuntos Fiscais adianta que o mesmo procedimento está a ser alargado a mais situações, “designadamente quando estão em causa outras entidades”. A mesma fonte oficial sustenta que, fruto das medidas tomadas, estes casos “são cada vez menos frequentes (ou praticamente inexistentes) e quando são detetados são dadas instruções para serem corrigidos”. É ainda enfatizado que a reforma dos documentos de transporte tem sido muito eficaz na prevenção e deteção de fraude e evasão fiscal nas transações entre empresas e “uma das principais razões do bom desempenho da receita do IVA neste ano (crescimento de 9,2% até abril)”. Ana Sofia Santos e João Vieira Pereira

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