CARTAS ABERTAS
COMENDADOR MARQUES DE CORREIA
PENSAI COM OS INTESTINOS QUE É MAIS PRÁTICO, MUITO RÁPIDO, TEM BACTÉRIAS E É MAIS EFICAZ
Lembram-se da velha frase “tens os intestinos ligados diretamente ao cérebro”? Foi o começo de uma investigação bem-sucedida!
ilustração de cristiano salgado
Os intestinos são um órgão que pensa e muito mais rapidamente do que o cérebro. A investigação começou em Portugal, mas agora internacionalizou-se e, com um excelente artigo da jornalista Alexandra Prado Coelho, popularizou-se. É pois altura de divulgar a contribuição portuguesa para esta descoberta.
Estava eu a pensar (com o cérebro) quando necessidades fisiológicas me obrigaram a interromper os elevados pensamentos para me levarem a mais baixas funções.
Lembrei-me, então, das aulas de anatomia que tive com o célebre professor Victor Frankenstein, que por sua vez tinha sido discípulo de Cornélio Agripa, e que costumava dizer aos alunos que não percebiam nada daquela confusão de órgãos que há dentro de um corpo humano (tipo fios de uma Bimby quando aberta) que tinham o intestino ligado ao cérebro pois só tinham ideias de — quer dizer — porcaria!
Acontece que essa ligação entre intestino e cérebro fez sentido na minha cabeça, embora quando dela falei ao meu mestre ele tenha retorquido que isso era o mesmo que querer fazer um aeroporto na Ota. Mas, mesmo assim, não desisti...
Depois de muito pensar em quem poderia associar nesta investigação surgiu-me a alemã Giulia Enders, de 25 anos, que pela sua origem presumivelmente italiana teria um certo interesse em saber a razão pela qual os povos do Sul têm mais ideias intestinais (chamemos-lhe assim) do que os povos do Norte.
Ela não me desiludiu e acaba de publicar o livro “A Vida Secreta dos Intestinos”, já traduzido em português e que — segundo me informa Alexandra Prado Coelho — está em primeiro nos tops da Dinamarca, Alemanha e Holanda e em terceiro cá em Portugal.
Ora, o que defende a Giulia, após as orientações que lhe dei? Uma coisa muito simples e que sempre me saltou à vista: que os intestinos têm uma rede de neurónios tão grande que jamais seria criada se o objetivo fosse emitir um simples flato. Isto é óbvio, ainda que Giulia, provavelmente, jamais tenha registado certos flatos comuns aos ibéricos que nos parecem carecer de consideráveis neurónios, tendo em conta os decibéis e a complexidade tímbrica e harmónica que atingem.
Giulia, ainda assim, dá um contributo para o avanço destes estudos que não pode ser desprezado, embora reconheça — na entrevista a Alexandra Prado Coelho — a barreira social existente para quem estuda traques e fezes e coisas do género, o que não impede, naturalmente, que vejamos a beleza dos milhões de bactérias que habitam o nosso cérebro no ventre.
Ao mesmo tempo que Giulia desenvolvia um estudo mais alargado, eu dedicava-me a uma classe específica em Portugal — os políticos. Embora seja fácil ser boy e nessa condição andar sempre próximo do extremo intestinal do sujeito do estudo (que o nosso povo designa com tanta baixeza, como verdade, como lambe cus), o certo é que não é uma classe que goste de ser escrutinada, ainda que por motivos científicos e médicos.
Ainda assim, dos elementos estudados, posso dizer que a enorme maioria tem, efetivamente, os neurónios intestinais a predominar sobre os cerebrais e posso mesmo informar a minha querida Giulia que esses neurónios do intestino têm sido responsáveis por 87% das decisões políticas, incluindo, como previa de certa forma o meu mestre, fazer um aeroporto na Ota.
O que é notável é a rapidez e a eficácia do neurónio intestinal. Às vezes nem dá tempo ao neurónio cerebral. Tudo tem uma explicação e, no caso da política, não poderia ser por acaso que temos por cá tanta ideia que só poderia ter sido gerada num intestino. Uns bons, repletos de bactérias e neurónios e, por vezes, honestos intestinos que — e de novo cito o povo — só sabem cagar sentenças.