SOCIEDADE EDUCAÇÃO

Exames 220 mil alunos do 4º e 6º anos prestam provas a Matemática e a Português na próxima semana. Especialistas deixam conselhos

Pais nervosos, alunos em stresse

Escolas obcecadas com resultados

Textos Isabel Leiria e Joana Pereira Bastos

Tudo o que disser poderá ser, e será, usado contra si. A frase é recorrente nos filmes americanos, mas é assim que muitos pais se sentem quando se aproximam os exames nacionais: os nervos ficam à flor da pele e as tentativas de ajudar e dizer o mais certo aos filhos parecem produzir o efeito contrário. Ter uma conversa séria sobre a importância das provas pode ser o suficiente para os deixar ainda mais ansiosos, mas não ligar pode ser entendido como um sinal de desvalorização. Estar em cima retira-lhes autonomia. Se não entrar no quarto, nunca saberá se é um vídeo no YouTube ou o chat do Facebook que estão a ocupar as horas de estudo.

Certo é que nas escolas, em casa, nas livrarias onde se multiplicam guias de apoio ao estudo, compilações de testes e conselhos vários para o sucesso, já se vive o ambiente da época dos exames. Na próxima semana realizam-se as provas de Matemática e Português para os alunos do 4º e do 6º anos. E ainda que só sejam mesmo decisivas no secundário (quando podem condicionar a entrada num curso superior) a verdade é que a pressão faz-se sentir logo no 1º ciclo.

Ana Manta, psicóloga clínica especialista em desenvolvimento infantil, acompanha vários casos de crianças com perturbações de ansiedade causadas pela aproximação do exame. Pesadelos, insónias e fobias são sinais de alarme que aparecem com frequência alguns meses. “Crianças que nunca tiveram qualquer perturbação, chegam ao 4º ano e de repente começam a ter medos e problemas de sono, sem que os pais percebam porquê. É tudo ansiedade provocada pela prova”, conta.

De acordo com a especialista, autora da obra “Motivar os Filhos Para o Estudo”, o nervosismo dos pais e a “obsessão” de muitas escolas com os resultados dos alunos nestas provas criam uma pressão excessiva sobre as crianças, numa fase em que ainda têm pouca maturidade.

Por isso, Ana Manta defende que os pais devem desvalorizar a importância da prova e aconselha-os a não exigirem mais tempo de estudo nos dias anteriores ao teste: “Nas escolas já se trabalha muito para o exame e só se fala nisso durante semanas. Não é bom que as crianças cheguem a casa e também só ouçam falar da prova. Nesta fase, quanto mais os pais pressionarem pior é.”

“Excessiva dramatização”

Transmitir segurança e apoio incondicional independentemente da nota e nunca estabelecer comparações com o desempenho de irmãos ou primos — “ele estuda mais do que tu”, “ela tem melhores notas” — são outras das recomendações deixadas pela psicóloga.

Para Renato Paiva, diretor da Clínica da Educação e da Academia Wowstudy, o problema não está na existência de exames — “uma avaliação externa não é uma coisa má” —, mas no enquadramento de “excessiva dramatização” que se faz. E que começa na própria escola, por vezes logo no ano anterior: “O discurso assenta muito numa valorização excessiva dos exames do 4º ano. Quando terminam o 3º, os meninos começam logo a ouvir que para o ano é que é a sério, que há exames. Há um clima de nervosismo que é passado pelos pais, mas que começa nas escolas. As privadas porque estão preocupadas com os rankings. As públicas têm essa preocupação e uma adicional, já que a avaliação dos professores e da escola depende do desempenho dos alunos nessas provas.”

Em casa, as estratégias também nem sempre são as melhores. “Às vezes são os próprios miúdos que relativizam esta questão. Só que depois ouvimos os pais queixarem-se de que eles não se preocupam com coisas sérias”, descreve Renato Paiva. A preocupação acaba por traduzir-se na quantidade de “explicações e aulas de reforço” que os miúdos passam a frequentar. “Alguns deixam de ter tempo para fazer o desporto que praticam, perturbando uma rotina que se quer equilibrada. Além de que passam a ideia de que sozinhos os seus filhos não vão ser capazes e de que vão precisar de ajuda.”

Por isso, o professor, autor de livros como “SOS — Tenho de Passar de Ano” e especialista em “coaching pedagógico de alto rendimento escolar”, aconselha os pais a “desmontar este discurso”. “Em vez de amedrontar, o mais importante é tranquilizar. Explicar que é tão importante preparar para o exame, como é para qualquer teste.” É só mais um momento de avaliação e nem sequer é assim tão decisivo. Como vale 30% e as notas finais dos alunos do básico são medidas numa escala de 1 a 5, um aluno de 3 na avaliação da escola só chumbará se tiver uma prova desastrada (abaixo dos 20%, o equivalente a 1 valor).

Na lista de recomendações aos pais, Renato Paiva sugere que não sejam “demasiados interventivos”, já que é importante que as crianças comecem a ser autónomas. “Se se habituarem a ser ajudados pelos pais, mais tarde vão voltar a pedir esse apoio e eles já não vão ser capazes de dar porque as matérias ficam mais difíceis.”

Mais difícil, mas não menos importante, é a imposição de regras sobre o uso do telemóvel ou da internet. “Na altura de estudar é importante que estejam desligados”, aconselha Jorge Rio Cardoso, autor do livro “O Método Ser Bom Aluno”.

Nas conferências em que participa, o também economista do Banco de Portugal faz questão de dizer que foi ele próprio um mau aluno, com dois chumbos no currículo. O fundamental é perceber e corrigir o que está a falhar: “Desmotivação, dificuldade de interpretação, falta de autonomia, ausência de disciplina e de regras, problemas de criatividade, desconcentração e falta de foco e capacidade de hierarquizar o que é mais importante são os sete pecados do insucesso.”

Sem que seja possível identificar com rigor as causas, o facto é que as taxas de chumbo no ensino básico aumentaram nos últimos dois anos (mas não no secundário — ver entrevista e infografia). Aconteceu no 6º de forma muito expressiva, duplicando entre 2010/11 e 2012/13, e também no 9º. Já no 4º ano, a percentagem de reprovações manteve-se estável, apesar da introdução de exames. Além disso, a retenção também aumentou em níveis em que não há provas nacionais. No 2º ano de escola, houve 10% de crianças retidas em 2012/13.

O discurso assenta muito numa valorização excessiva dos exames do 4º ano. Quando terminam o 3º, os meninos começam logo a ouvir que para o ano é que é a sério, que há exames. Há um clima de nervosismo que é passado pelos pais, mas que começa nas escolas.

“Queremos que os alunos passem, mas sabendo”

Nuno Crato Ministro da Educação e Ciência

O ministro da Educação acredita que a realização de exames nacionais a partir do 4º ano é importante para verificar se os alunos estão a atingir os objetivos traçados. Quanto mais cedo se aprender a lidar com a avaliação mais fácil será progredir no futuro, diz Nuno Crato, que garante ter dado mais apoios às escolas.

Portugal é o único país da UE a ter provas nacionais no 4º ano. O que justificou esta decisão?

A avaliação dos conhecimentos dos alunos no final do 1º ciclo (cuja duração é variável nos vários sistemas) é uma prática generalizada, com processos que diferem de país para país. A introdução de provas finais no fim de cada ciclo é uma medida de promoção do sucesso dos alunos, particularmente importante quando temos hoje uma escolaridade obrigatória de 12 anos. É natural que haja metas traçadas, que seja verificado se os alunos as atingem e que o esforço de cada um seja reconhecido. Porque queremos o sucesso de todos, introduzimos medidas de apoio e demos mais horas para as escolas disponibilizarem um acompanhamento adicional aos seus alunos sempre que tal se justifique e a qualquer momento. Após a realização das reuniões de avaliação final, há ainda um período de acompanhamento extraordinário, mais individualizado para os que dele necessitam, e esse tem vindo a mostrar-se importante para o sucesso de mais alunos. Ao longo da vida estamos frequentemente a ser avaliados. E quanto mais cedo aprendermos a lidar com a avaliação mais fácil nos será progredir.

Com a importância crescente atribuída aos exames — as escolas recebem recursos em função dos resultados —, não há o risco de os professores hipervalorizarem as matérias aí testadas em detrimento de outros conteúdos?

Não, as provas incidem sobre duas disciplinas (Português e Matemática) e contam apenas 30% da classificação final. O peso da avaliação interna é maior do que o da avaliação externa. Além de que as provas externas incidem sobre os conteúdos essenciais tratados nas aulas ao longo dos anos. A preparação para as provas deve coincidir com a preparação para o domínio dos conhecimentos e capacidades estabelecidos nas respetivas metas curriculares e programas, que são hoje mais claros e que permitem o acompanhamento por parte das famílias. O crédito adicional é um incentivo à melhoria dos resultados nas provas externas.

Os chumbos no ensino básico aumentaram nos últimos dois anos. Só no 2º ano, há 10% que reprovam. Como se explica esta evolução?

Poderá decorrer do aumento do número de alunos com mais de 15 anos que não obtiveram aprovação em resultado do alargamento da escolaridade obrigatória. Estes alunos, ou parte deles, não seriam antes abrangidos pelas estatísticas da retenção. O ligeiro aumento que se verifica no ensino básico também poderá ser explicado por alguma adaptação da exigência por parte dos professores e pela existência de provas finais adequadas àquilo que deve ser pedido aos alunos. Por seu lado, a melhoria na redução da retenção no secundário reflete certamente o ajustamento progressivo a uma maior exigência traduzida pela existência de exames.

Num relatório recente, o Conselho Nacional de Educação considerou que chumbar os alunos é uma “má solução”, que não tem ajudado a resolver as dificuldades dos jovens. Como comenta?

Queremos reduzir progressivamente as taxas de retenção, mas não de forma artificial. Queremos que os alunos passem, mas passem sabendo. A fragilidade do conhecimento poderá trazer custos muito mais elevados a longo prazo, e a autoestima dos alunos não se promove sem exigência. Tomámos medidas para promover o sucesso, entre as quais as novas metas curriculares, a possibilidade de disponibilização de apoio extra aos alunos e de criação temporária de grupos de homogeneidade relativa, as coadjuvações e o sistema de incentivos às escolas com a atribuição de créditos horários (horas extra). No âmbito da autonomia curricular, as escolas podem aumentar o tempo dedicado às disciplinas nas quais os alunos revelem maiores dificuldades. Nos primeiros anos, em particular, a retenção deve ser reduzida para valores residuais.

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“A pressão é muito grande”

Há escolas a fazer simulações de um dia de exame para “tranquilizar” os alunos mais novos

O formalismo não é o mesmo dos antigos exames da 4ª classe, mas são várias as regras a cumprir. Como os testes não podem ser aplicados pelos professores que acompanham os alunos ao longo do ano, muitas crianças têm de deslocar-se para as escolas maiores do agrupamento. Para prevenir o stresse adicional de se verem num espaço que não conhecem, há diretores que optam por fazer visitas guiadas para os alunos às instalações onde vão decorrer os exames e, nalguns casos, fazem-se mesmo simulações, como se fosse um dia real de provas nacionais.

Há dois anos que é assim no Agrupamento de Escolas André Soares, em Braga. No final de abril, todas as crianças dos quatro estabelecimentos do 1º ciclo compareceram na escola-sede à hora prevista para o início dos exames, munidos de caneta e bilhete de idade, responderam à chamada e fizeram uma prova com o mesmo tempo. “O objetivo é reduzir a ansiedade dos alunos. Ficam a conhecer o percurso, as salas, os procedimentos. A preencher corretamente o cabeçalho do enunciado”, explica a subdiretora do agrupamento, Gina Fernandes. “Não sei se justifica esta pressão neste nível de ensino, mas ela existe. Professores e pais querem que os alunos se saiam bem”.

No Agrupamento de Tondela Cândido Figueiredo não há simulacros, mas apenas uma visita à escola por parte dos 90 alunos que se vão deslocar até à básica do 2º ciclo. Não é que haja grande nervosismo dos pais, mas ajuda a “tranquilizar as crianças”, diz a diretora. O que se sente, reconhece Helena Gonçalves, é uma “pressão muito grande para a escola apresentar resultados, por causa dos recursos que se podem obter a partir daí junto do Ministério”.

Para Isabel Vieira, professora do secundário e doutoranda em Avaliação em Educação, é aqui que reside um dos efeitos nefastos do recurso crescente a estes testes iguais para todos. “O uso excessivo e incorreto de exames padronizados leva os professores e diretores a focarem o trabalho nos resultados nos testes em vez de se preocuparem com as aprendizagens indispensáveis ao ingresso na universidade ou ao exercício de uma profissão”.

A tendência não é um exclusivo nacional, mas o país apresenta uma originalidade. “Ao nível do 4º ano não são conhecidos estudos sobre as virtudes ou prejuízos da realização de exames porque eles não se fazem em mais lado nenhum”, aponta Isabel Vieira. Como se realizam a Português e Matemática e são esses os resultados que os pais querem ver e os professores mostrar, a tendência é desvalorizar tudo mais. “Estudo do Meio, que engloba as ciências naturais e o mundo que nos rodeia, fica para quando houver tempo. Competências cívicas não interessa porque não sai no exame. Trabalho em equipa também não, porque no exame é preciso é que cada um consiga fazer melhor”.

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