FRASES ESTÚPIDAS
Os políticos dominam como ninguém a arte da manha traduzida em linguagem e por isso debitam algumas das frases mais estúpidas da semana
Eno concurso das frases mais estúpidas da semana temos como candidatos três políticos, classe que domina como ninguém a arte da manha traduzida em linguagem. Em primeiro lugar, candidato fortíssimo, diga-se de passagem, o senhor José Silvano, do PSD, o Partido Sem Definição. O candidato Silvano, entaramelado em faltas parlamentares justificadas por uma colega, processo que nem as escolas acham aceitável, disse de forma lapidar que se parasse já a guerrilha dentro do PSD o partido poderia ganhar as eleições. Ora a bêtise é de assinalar, para não chamar-lhe outra coisa. O candidato Silvano sabe que mais facilmente um camelo passaria pelo fundo de uma agulha, vulgo o buraco, do que o PSD ganharia as eleições, com ou sem guerrilha partidária. Este pensamento mágico — o PSD ainda podia ganhar as eleições — destina-se apenas a fazer de lorpas os eleitores do PSD, número ainda nos dois dígitos, que gostariam que a gerontocracia social-democrata apresentasse pelo menos meia dúzia de ideias políticas viáveis e executáveis em vez de comentar as políticas do PS, do Bloco e do PCP. De comentadores está o país cheio. Rui Rio precisa da solidez de um programa, de ministros apresentáveis que de preferência nunca tenham sido ministros e de baixar a média de idade das cabeças pensantes que o rodeiam uns bons 15 anos, porque o mundo mudou e até o CDS tem uns jovens escovados que não sentem a ausência de Paulo Portas, promovido a geronte do próprio partido. Frases como a do senhor Silvano apenas abusam da paciência coletiva e fazem a juventude irrequieta do Bloco de Esquerda pensar que há que ajudar Rui Rio para o PS não conseguir a maioria absoluta. Mais frases como a deste fortíssimo candidato ao pódio e o partido passa a movimento.
A segunda frase da semana, também do território nacional, pertence ao ministro da potência contratada, que anda para aí a explicar-se para baixar a tensão e emendar a frase, imbatível, das famílias portuguesas que poderiam diminuir em menos de dois euros a continha da luz se diminuíssem a potência contratada e se se tornassem mais energeticamente eficientes ou, noutra formulação rigorosa, se se tornassem mais energeticamente deficientes. Ora, o que significa diminuir potência contratada? Significa uma coisa simples e conhecida dos pobres: poupar. Passar frio no inverno, rapar um frio danado, diz o povo, desligar a televisão, aproveitando para deixar de ver o Silvano e o ministro a dizerem coisas, usar eletrodomésticos a pilhas, lavar a roupa no tanque, lavar a loiça no lavadouro com água fria, fazer uma fogueira para aquecer a comida no quintal, cozinhar e iluminar a querosene como no campismo, ler com uma lanterna LED, usar o Facebook durante as horas de trabalho para não sobrecarregar a tomada caseira do computador. E carregar o telemóvel na tomada do emprego. As famílias podem ainda entreter-se a jogar ao Monopólio, como fazia o doutor Salgado, ou às cartas, desde que não passem da bisca lambida, cantar canções de Natal, ouvir rádio com transístor, acender velas para dar à casa aquele conforto sazonal que as baixas temperaturas devidas ao desaparecimento do aquecimento justificam. E assim, mais unidos e felizes, os portugueses poderão antecipar o futuro e prescindir dos desagradáveis combustíveis fósseis que nos andam a matar. Sem contar com o dito desconto, incentivo brutal à poupança de energia.
Por último, na terceira frase candidata, temos um político internacional, o senhor Corbyn, candidato a futuro primeiro-ministro trabalhista britânico. Disse Corbyn, especialista em meias opiniões sobre temas candentes, que mais lá para a frente será de pensar na hipótese de um novo referendo. Quer isto dizer que a coisa do ‘Brexit’ não é para ser feita, é para se ir fazendo, visto que os países e as pessoas podem ser postos em modo de suspensão até o dito Corbyn ocupar Downing Street. Ora, tempo é o que ninguém tem, e menos ainda paciência para com os ingleses, eternamente convencidos de que são o sal da terra e que Gibraltar e a Praia da Oura lhes pertencem. Anda a pobre May de um lado para o outro com os papéis, num foguete, por causa da frase mais estúpida do ano, “‘Brexit’ means ‘Brexit’”, e pressionada por toda a gente para se despachar, e vem o seráfico Corbyn acalmar os do seu partido com a cenourinha. Lá mais para a frente. A Europa que espere que o meu nome é Corbyn, Jeremy Corbyn.
E como temos ainda um prémio suplementar para a ideia mais estúpida da semana, a vencedora sem competição é a dos contentores no Martim Moniz, a praça mais feia do mundo. Saem os caixotes, vulgo quiosques, e entram uns lindos contentores que dão à praça aquele aspeto alegremente desleixado e decrépito das docas do porto de Lisboa. Parece que a brilhante ideia foi recusada por um grupo de desinformados moradores e cidadãos, que pediram um espaço verde e silêncio e que representam a gente que não tem respeito pelas linhas puras do moderníssimo pensamento urbanístico com a sua encantadora devoção à fealdade e à geometria da depressão. Que sabe o povo disto? Nada. Apenas se lhes pede que votem na frase. Que escolham entre o Silvano, o Matos Fernandes e o Corbyn. Porque a dos contentores já ganhou. É de uma estupidez, repita-se, imbatível.