RICARDO COSTA

O caso Miguel Macedo e o Ministério Público

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Há alguns meses que os jornalistas que seguiam o julgamento do caso dos Vistos Gold tinham a certeza de que tudo aquilo daria em pouco ou nada. Por pouco ou nada entenda-se a não condenação de Miguel Macedo, ex-ministro da Administração Interna, e de Manuel Jarmela Palos, ex-diretor do SEF (um órgão de polícia criminal), que chegou a estar preso preventivamente.

Esta perceção dos jornalistas só é relevante porque decorre do que se foi passando em tribunal, com a prova recolhida a bater demasiadas vezes na trave e, sobretudo, a não ter força suficiente para uma condenação nos crimes mais relevantes. Nada disto é anormal, porque os julgamentos servem exatamente para isto. A justiça não se faz na investigação nem na acusação, mas em tribunal.

O problema com que a decisão deste julgamento – que ainda é passível de recurso – nos confronta em dois níveis relevantes. O primeiro tem a ver com o nome do caso, porque as condenações não tiveram nada a ver com Vistos Gold, mas com a nomeação de cargos públicos via CRESAP. Ou seja, o caso Vistos Gold é agora um menos sexy “caso CRESAP”, com dois protagonistas importantes, mas sem a relevância de Macedo ou Palos.

Já uma vez alguém se enganou a chamar Monte Branco a um caso que tinha a ver com dinheiros escondidos na Suíça, porque o Monte Branco fica… em França e em Itália! Mas não me parece que quem batizou a operação Vistos Gold (ou Labirinto) estivesse à espera de acabar com nomeações da CRESAP ao colo, como o mais sumarento a que se agarrar.

O segundo nível é muito mais relevante e tem a ver com a relevância pública dos arguidos e as consequências que estes casos têm, tanto pelo tempo que duram como pela natural relevância pública. A situação mais chocante, em minha opinião, é a de Manuel Jarmela Palos. Foi a primeira vez em democracia que se mandou prender preventivamente o chefe de um órgão de polícia criminal. Agora existe um outro caso na Polícia Judiciária Militar, mas o ex-diretor do SEF foi o primeiro a sentir isso na pele.

A prisão preventiva de um chefe máximo de uma polícia criminal não pode acontecer por qualquer razão. E o processo sempre foi fraquíssimo nesta frente. Manuel Palos era suspeito de receber coisas irrelevantes por facilitar processos de regularização dos vistos Gold, a pedido de outros altos dirigentes públicos. Palos era um funcionário histórico do SEF, fez toda a sua carreira lá, passou por vários Governos. Era competente, mas cometeu o erro de se dispor a acelerar alguns processos. A troco de quê? De nada ou quase nada. Mas isso não impediu uma prisão preventiva.

É bom que se desmistifique a ideia de que o Ministério Público é sempre obrigado a agir. Não é, por isso é que existe o bom senso. Não tem de fazer buscas ao Ministério das Finanças por causa de convites do Benfica nem mandar prender preventivamente em casos menos sólidos

A carreira de Manuel Palos no SEF acabou, sendo que essa era a sua carreira e sua vida. Miguel Macedo tem, apesar de tudo, mais sorte. Viu a sua vida política ser interrompida de forma abrupta e injusta e a carreira como advogado seriamente comprometida, mas tem condições de as retomar. Não sei a que “canalhices” se estava a referir quando saiu do julgamento, mas tiveram seguramente o efeito de o prejudicar na sua carreira profissional.

É certo que há uma diferença entre julgamento jurídico e julgamento político – como defende esta terça-feira João Miguel Tavares, no “Público” –, mas as duas coisas não podem ser separadas na esfera pública. E o caso jurídico que julgou politicamente Miguel Macedo tinha uma dimensão que, entretanto, se dissipou. Macedo não sofreu a humilhação e o excesso de uma prisão preventiva – como Manuel Palos – e teve o bom senso de se demitir preventivamente. Mas ficou sem trabalho durante quase quatro anos.

Um caso destes tem complexidade para demorar quatro anos até ao fim da primeira instância? Não. Boa parte da investigação foi feita antes das detenções, com recurso a escutas e não só. O Ministério Público pôde trabalhar em segredo tempo suficiente para consolidar a prova e robustecer a acusação. Mas não o conseguiu, porque partiu de uma convicção excessiva e de uma sobrevalorização de práticas menos corretas mas que não são necessariamente crime.

É bom que se desmistifique a ideia de que o Ministério Público é sempre obrigado a agir. Não é, por isso é que existe o bom senso. Não tem de fazer buscas ao Ministério das Finanças por causa de convites do Benfica nem mandar prender preventivamente em casos menos sólidos. E deve perceber que em certos casos é muito relevante que a acusação seja acelerada, pelos efeitos públicos que tem.

Duvido que Miguel Macedo se queira meter outra vez na política. É pena, porque era (é) um ótimo quadro. E vai ter trabalho em meter-se na advocacia a sério e com o retorno a que já esteve habituado. São coisas que acontecem, mas que não precisam de quatro anos para chegar a este ponto. Tudo espremido, aquilo nem um ano valia na vida dos arguidos.