ENTREVISTA

Sofia Branco, Presidente do Sindicato de Jornalistas

“O papel do Estado no financiamento dos media é um assunto tabu e deve deixar de o ser”

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“Este é o momento.” Em entrevista ao Expresso, Sofia Branco, presidente do sindicato de jornalistas, diz que o jornalismo atravessa “uma fase de indefinição” e que é urgente agir. Entre outros, acredita, é necessário discutir o papel do Estado no financiamento dos meios de comunicação social sem assumir qualquer posição definitiva sobre o tema. E diz que Marcelo pode ser a personalidade certa para promover o debate

Texto Marta Gonçalves

Reuniu-se segunda-feira com a ministra da Cultura, Graça Fonseca. Qual é o balanço deste encontro?

Esta é a primeira audiência que tivemos e que serviu para falar sobre tudo. Coincidimos na aposta em matéria da educação para os media, para incentivar o consumo, mas também para que as pessoas saibam o que estão a ler - sobretudo saberem a diferença do que estão a consumir. Trata-se do Projeto Literacia.

Falaram sobre a eventual intervenção do Estado no financiamento dos meios de comunicação privados?

Falámos um pouco. Coincidimos em considerar que é um debate necessário. O sindicato não tem qualquer posição fechada sobre o assunto. Parece-nos que é um assunto que tem sido um tabu e que deve deixar de o ser. Este é um princípio base, ou seja, talvez tenha de se rever porque já existem mecanismos de apoio indireto que partem do Estado. Não usaria a palavra intervenção, usaria apoio. Aliás, foi disso que o Presidente da República falou. Por exemplo, o Estado podia assegurar que em todas as instituições públicas há assinaturas digitais de jornais e jornais em papel. A ministra não manifestou qualquer opinião fechada e também me pareceu recetiva a que o assunto fosse discutido. Como é um debate tão controverso, talvez a figura ideal para o promover seja o Presidente da República.

Sofia Branco, presidente do sindicato de Jornalistas <span class="creditofoto">FOTO Luís Barra</span>

Sofia Branco, presidente do sindicato de Jornalistas FOTO Luís Barra

Porque não deve ser o Governo a promover o debate?

Seria muito estranho se assim fosse - ou pelo sindicato. Nunca o fizemos porque achamos que, ao fazê-lo, iria ficar muito associado a um sindicato e parece-nos que é algo que exige maior abrangência. Exige que toda a gente seja chamada a pronunciar-se: inclui sindicatos, mas também patrões, reguladores... No entanto, acho que ainda falta muito pensamento sobre esse assunto em Portugal. Uma parte insurgiu-se contra a ideia mas é necessário conhecer as práticas já existentes.

Mas o sindicato já tem alguma posição definida?

Não temos. A única posição é que o debate deve ser feito, coisa que até já tínhamos dito numa audiência com o Presidente em junho. Nessa altura apelámos a que abrisse esse debate, lembrando vários exemplos que estão em curso e tentando perceber se fazem sentido para Portugal. Uma coisa é certa: a imprensa regional e local está em grave risco de desaparecimento. Temos mesmo de olhar para isso no sentido de questionar se queremos manter alguma dessa imprensa ou não e o que vamos fazer.

Há sinais de que grandes grupos vão ter grandes dificuldades no próximo ano. Isso é um pesadelo e um risco enorme

Porque é urgente fazer o debate agora?

A situação degradou-se de tal forma e abrange tanto a imprensa regional como a nacional - e o problema foi que a imprensa nacional também entrou na equação - que agora se deve pensar na discussão num plano nacional e não apenas focada em determino tipo de imprensa. Há ainda um cenário de elevada concentração. Por exemplo, há sinais de que grandes grupos que, provavelmente, vão ter grandes dificuldades no próximo ano. Isso é um pesadelo porque é um risco enorme para grandes órgãos de comunicação e muitas pessoas. É público que a Global Media está com dificuldades neste final de ano.

Retomando aquilo de que há pouco falávamos, acredita que ideias como a do Projeto Literacia podem ajudar de alguma forma a aumentar o consumo de jornais ou notícias?

Gostava muito de poder dizer que sim. Acho que o consumo mudou muito e não sei se podemos esperar que venha a aumentar em papel. Mas se conseguirmos reforçar o consumo que é feito online - e pelo menos assegurar que as fontes para notícias são os jornalistas e os órgãos de comunicação -, há muito potencial. Para muita gente, ler o Público ou o Notícias ao Minuto é igual. Não é igual. É bastante importante fazer essa diferenciação. Também acho que esta é um fase de indefinição que se há de definir. Quero ser otimista e estou convencida que o jornalismo vai sair reforçado de tudo isto. Mas provavelmente não é já.

Prefiro nem usar o termo fake news, porque o fake quer dizer mais do que o nosso falso em português

Se nada for feito agora ainda vamos a tempo de recuperar?

Este é o momento, é urgente ser agora por variadíssimas razões. A primeira está relacionada com o roubo descarado que as multinacionais fazem a conteúdos jornalísticos e isso não pode ser abordado de um ponto de vista individual. Outra razão é a crescente manipulação da informação, da propaganda e dos conteúdos falsos. Prefiro nem usar o termo fake news, porque o fake quer dizer mais do que o nosso falso em português, significa que foi manipulado. É um bocadinho assustador e devemos fazer tudo o que pudermos para distinguir o que é falso do que é verdadeiro.