França

Amarelo, ou a cor que Macron nunca mais usará

Emmanuel Macron, o Presidente que está só <span class="creditofoto">Foto GettyImages</span>

Emmanuel Macron, o Presidente que está só Foto GettyImages

Quatro mortos e centenas de feridos e detidos depois, o governo do Presidente Emmanuel Macron suspendeu esta manhã o aumento de impostos sobre combustíveis, cedendo assim à reivindicação original do movimento “coletes amarelos”. O mais jovem chefe de Estado de França pode ter comprometido uma eventual reeleição, apenas 19 meses depois de ter sido eleito

Texto Manuela Goucha Soares

O mais jovem Presidente de França nunca deve ter imaginado que poderia ser confrontado com um clima de guerrilha nas mais luxuosas ruas de Paris (apenas) 19 meses depois de ter sido eleito. Emmanuel Macron, o político que conseguiu conquistar 66% dos votos na 2ª volta das presidenciais, a 7 de maio de 2017 – contra os 33% da líder da extrema-direita Marine Le Pen –, sofreu um sério revés ao ser obrigado a recuar perante um movimento que nas últimas três semanas quase parou o país numa onda de protestos que deveria ter sido pacífica mas gerou violência generalizada.

Quatro mortos e centenas de feridos e detidos depois, o governo de Emmanuel Macron cedeu (esta manhã) à reivindicação primeira dos “coletes amarelos”, ao suspender o aumento de impostos sobre combustíveis.

A agenda é “republicana”

“As reivindicações deste movimento são uma amálgama”, diz ao Expresso Madalena Resende, investigadora do IPRI (Instituto Português de Relações Internacionais), especialista em assuntos europeus: “Não são de extrema-direita, não são de extrema-esquerda. São reivindicações que têm a ver com o nível de vida [das pessoas], com os salários mínimos, pensões – e estes assuntos são mais caros à esquerda, enquanto outros como a diminuição ou não aumento de impostos estão mais próximos da agenda [tradicional] da direita”.

“Não são contra a imigração, desde que os imigrantes respeitem as regras” e a forma de viver dos franceses, ou seja “desde que os imigrantes sejam integrados”, lembra Madalena Resende, que adianta: “Expressam uma ideia associada ao nacionalismo, ao introduzir a questão da dignidade no protesto social”, em nome de uma pequena-burguesia e de uma classe média cada vez mais “estrangulada” pelo aumento do custo de vida. Estes elementos todos, convergem para uma “agenda republicana, e o recuo de Macron pode comprometer a política reformista” que o Presidente quer e precisa de fazer num quadro de profundas mudanças no seio da União Europeia [Brexit, etc.].

O Arco do Triunfo, símbolo da República francesa, foi vandalizado no último sábado em Paris <span class="creditofoto">Foto Stephane Mahe / Reuters</span>

O Arco do Triunfo, símbolo da República francesa, foi vandalizado no último sábado em Paris Foto Stephane Mahe / Reuters

Na manhã desta terça-feira, Édouard Philippe, primeiro-ministro do Governo de Macron, confirmou a suspensão do aumento dos impostos sobre os combustíveis, no Parlamento francês: “Devemos apaziguar a situação para evitar que degenere”.

Depois de ter recuado, o chefe de Governo mencionou a determinação da sua equipa na transição para meios de transporte mais amigos do ambiente, que deveria ser parcialmente financiada pelo aumento de impostos e que caiu.

O primeiro-ministro Edouard Philippe responde às perguntas dos deputados esta manhã, na Assembleia Nacional <span class="creditofoto">Foto Gonzalo Fuentes / Reuters</span>

O primeiro-ministro Edouard Philippe responde às perguntas dos deputados esta manhã, na Assembleia Nacional Foto Gonzalo Fuentes / Reuters

A moratória não colocará em questão a ambição da transição ecológica. Um imposto não é uma reforma, mas um meio de reforma", argumentou o chefe de governo.

O anúncio desta desistência no aumento do imposto – que o executivo rejeitou até agora –, surge 22 dias depois do primeiro sábado de bloqueios e manifestações violentas em todo o território francês, e que se repetiram nos dois sábados seguintes.

Perante os deputados, Philippe admitiu a existência de “uma raiva profunda que vem de longe, há muito escondida por pudor e orgulho”, escreve a agência Lusa. Agora, está a emergir de “forma coletiva. A raiva dos franceses que se sentem encostados à parede, que trabalham e não querem ser relegados” para segundo plano, acrescentou o primeiro-ministro.

Esta quarta-feira, a crise provocada pelo movimento dos “coletes amarelos” estará de novo na agenda de trabalhos da Assembleia Nacional, ocupando o espaço que estava reservado à tradicional sessão de perguntas ao Governo.