Pirómanos de fósforo na mão
Como em tantos casos, pode ser que só dentro de alguns anos uma pista fortuita nos permita conhecer com exatidão como começaram estes incêndios num dos meses de julho mais frescos e até chuvosos de que nos lembramos. Cinco fogos em poucos minutos e que chegam num ápice a Mação, que já sofreu outras investidas parecidas em anos anteriores. Um dispositivo incendiário já encontrado na Sertã. As populações a denunciarem fogo posto. Os bombeiros a lembrarem outras ocasiões em que deflagraram vários incêndios cirurgicamente simultâneos. E depois vem o debate político.
É um debate triste. Os eucaliptocratas exigem helicópteros e aviões. Quem tem uma visão responsável exige ordenamento da floresta. E, apesar de ter havido mais cuidado ou pressão para a limpeza das matas, sente-se esse inescapável desespero do tempo perdido. A floresta está tão abandonada, tão combustível e tão condenada como sempre esteve. No fundo, todos sabemos que nada se modificará enquanto houver eucaliptos a mais e ocupação económica e populacional a menos, e que cada ano se repetirá o drama do verão, faça chuva ou faça sol. Assim, a conversa atual sobre soluções é só sobre cartas marcadas. No ano passado foi assim, para o próximo ano será igual. Todos sabemos quais são as soluções e porque não serão concretizadas: não há nem dinheiro nem vontade, e ninguém mexe na propriedade, uma porque é grande demais e outra porque é pequena demais.
Como não sou o único a notar que há concelhos que parecem estar marcados para a repetição dos fogos, creio que a resposta é óbvia. Há demasiados incendiários de fósforo na mão. Portugal bem precisava que os verões não fossem ditados por estes pirómanos
Mas há dois casos curiosos. Um nem é novidade, é o do PS como ele é. É o caso das golas inflamáveis e outros anexos, uma mistura tóxica de familiarismo (a empresa do marido da autarca a produzir merchandising), facilitismo (contrato feito em cima do joelho a preços duvidosos), irritacionismo (o incómodo com as perguntas óbvias) e desculpabilização (a culpa que não existe é sempre de outro) e o que mais se saberá. Isto é o PS das profundezas.
O outro caso passa despercebido mas talvez seja ainda mais importante. Porque este é mesmo do profundo das profundezas. Tudo se resume a esta inquietação: como é que um deputado tão prolixo e eleito por uma região massacrada por sucessivos fogos postos nada diz sobre essa repetição do crime? Como é que autarcas, que sabem que as populações denunciam as ações de quadrilhas de incendiários, não exigem resultados das perícias policiais, investigação cuidada das ignições e ação musculada contra o delito? Como é que discutem a eficácia da Proteção Civil mas ignoram a necessidade de punição do crime para evitar a sua repetição? Imagine-se deputado ou autarca nestas terras sofridas. Viraria a cara às evidências que sugerem crime? Ou usaria o seu poder para pressionar as autoridades que devem investigar? Jogaria trunfos políticos de curto prazo por causa das eleições ou procuraria resultados para proteger as populações de um perigo que as ronda todos os anos?
Como não sou o único a notar que há concelhos que parecem estar marcados para a repetição dos fogos, creio que a resposta é óbvia. Há demasiados incendiários de fósforo na mão. Portugal bem precisava que os verões não fossem ditados por estes pirómanos.