A tempo e a desmodo

A tempo e a desmodo

Henrique Raposo

A estranha aliança entre “globalização” e “politicamente correto”

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Vivemos numa máquina de histerismo. Cada dia novo exige uma histeria nova. Repare-se por exemplo na histeria coletiva contra o “populismo”, isto é, um nacionalismo que vem da direita. Sobre este ponto, há duas perguntas. Primeira, onde está a histeria quando o nacionalismo vem da esquerda?

Não está, não surge. Tivemos durante quarenta anos populismo de esquerda no PCP e BE, mas, ora essa!, isso era uma “frente antineoliberal”, “antifascista”, antiqualquer coisa muito má que se inventa à medida que se avança. Temos um nacionalismo agressivo na Catalunha, mas, ora essa!, isso é a “liberdade do povo da Catalunha”. E tivemos o Syriza e Tsipras, os precursores desta vaga. Não há diferenças de fundo entre o Syriza original e os movimentos populistas à direita que se seguiram noutros países. No entanto, os ‘media’ idolatraram o primeiro e diabolizam os segundos. Mas nada disto é realmente importante quando se coloca a segunda pergunta: porque é que não estamos a comemorar as sucessivas derrotas dos tais populistas? Parece que a máquina de histeria exige um enorme monstro populista em crescendo.

Os populistas têm respostas erradas para problemas reais (integração de minorias; pobreza) que o centro recusa ver, porque não quer questionar o determinismo étnico do politicamente correto, à esquerda, e o dogmatismo económico da globalização, à direita

Sucede porém que esse monstro só tem conhecido a derrota quando por acaso chega ao poder. Tal como Tsipras, Salvini surgiu com uma plataforma anti-UE e até pró-Putin. Tal como Tsipras, Salvini agitou todos os demónios nacionalistas. Tal como Tsipras, Salvini disse que ia desafiar a UE mas depois fez todos os orçamentos realistas exigidos por Bruxelas. No poder, à esquerda ou à direita, os populistas têm conhecido derrota atrás de derrota, porque a realidade é mesmo inclemente. Mas então porque é que não falamos mais das sucessivas derrotas dos populistas? Não é só pela necessidade de vilões desta máquina de histerismo. É que o centro político e mediático não quer responder às perguntas que os populismos levantam. Os populistas têm respostas erradas para problemas reais (integração de minorias; pobreza) que o centro recusa ver, porque não quer questionar o determinismo étnico do politicamente correto, à esquerda, e o dogmatismo económico da globalização, à direita.