Política

Finito. O último debate quinzenal pareceu uma rua sem saída

António Costa não poupou Catarina Martins. Acabou-se o romance? <span class="creditofoto">Foto António Cotrim/Lusa</span>

António Costa não poupou Catarina Martins. Acabou-se o romance? Foto António Cotrim/Lusa

Foi o último debate quinzenal desta legislatura - e o final não augura uma repetição da geringonça. Atenção aos dias que se seguem, podem bem ser os dias do fim da geringonça, tal como a conhecemos

Texto David Dinis

“Infelizmente o sr não chega para uma maioria absoluta”. O desabafo, de António Costa para André Silva, do PAN, deu o tom do último debate quinzenal desta legislatura: a geringonça dá ares de ter entrado numa rua sem saída. Sabemos que vem aí uma campanha eleitoral. Mas o que virá depois é, cada vez mais, um território desconhecido.

Três tristes temas

Se António Costa quis levar as alterações climáticas para o plenário, foi com Catarina Martins que o clima aqueceu. Em dose dupla.

O primeiro tema para uma divergência (aparentemente) insanável era óbvio: a Lei de Bases da Saúde, que ainda passa pela comissão depois do plenário, parece de acordo impossível. Como sabemos a história, anote o tom do duelo. Primeiro Catarina para Costa: "Disse-me que o negócio das PPP é coisa pouca. Não concordo, mas se pensa assim não deixe que coisa pouca impeça a nova lei.” E depois a resposta, de Costa para Catarina: “É por não querer votar isto [que as PPP serão excecionais e temporárias] que a sra. deputada arrisca manter em vigor uma lei que promove a concorrência entre SNS e privados. Se a lei chumbar, a responsabilidade é exclusivamente sua.” Leiam-se os sinais dos tempos: a bancada do PS teve aqui o aplauso mais forte da tarde.

Mas havia outro elefante na sala, outro obstáculo que as esquerdas já sabiam ser de acordo impossível dentro da atual solução legislativa: a nova lei laboral, que o PS espera aprovar com o PSD. E saiu novo tiro de aviso da líder do Bloco: “Nunca o voto do Bloco estará numa lei que aumenta a precariedade. É o PS que tem que fazer escolhas que definem o futuro que quer. São as perguntas que se colocam ao PS e que vão ser respondidas neste final de legislatura.”

A formulação não parece um acaso, parece antes que o Bloco se prepara para tirar lições do fracasso das duas votações para fazer render na campanha que se segue. Na prática, seguindo os passos que Carlos César já tinha dado há uma semana, num programa na TSF: “Voltaremos a insistir na próxima legislatura, se esta lei não for aprovada. E voltaremos a insistir depois de pedir aos portugueses mais força para aprovar leis como esta, que beneficiam e protegem os portugueses.”

Dito assim, parece que tudo andou à volta do PS e do Bloco. Sim, por um lado; não tanto, por outro.

Sim, Jerónimo de Sousa e António Costa preservaram a imagem de partidos aliados, pelo menos na aparência. Jerónimo fez de Centeno o seu alvo e não o primeiro-ministro (focando as suas perguntas nas cativações do SNS. Não, porque PS e PCP também não têm entendimento à vista na Saúde e nas leis laborais, pelo que as palavras amargas de Costa para Catarina impactam, também, em Jerónimo de Sousa.

De resto, a terceira divergência na geringonça que sobrevoou o último debate quinzenal foi precisamente entre PS e PCP. Costa, habilmente, usou os Verdes (parceiros de coligação do PCP) para o desafio que queria fazer aos comunistas. O tema? O cadastro rural, que Costa quer alargar a todo o país, recorrendo ao uso público de terrenos privados cujo proprietário não se assuma como tal. O projeto tem votação marcada para os próximos dias e o PCP juntou-se às críticas da direita. Costa pediu a Heloísa Apolónia que “convença” os outros partidos a aceitar a ideia, para mitigar os riscos de próximos incêndios. Não teve resposta. Mas a ideia que fica das últimas semanas é que também pode ser o PSD a salvar o diploma. (Serão outros sinais dos tempos?)

E depois das legislativas?

Se tudo correr como se antevê, a esquerda só se voltará a entender esta legislatura na nova Lei de Bases da Habitação. Se tudo correr como é norma, a campanha acentuará as divergências entre os partidos à esquerda. Mas este último debate quinzenal serviu para marcar uma dúvida: quando chegarmos a outubro, depois das legislativas, haverá mais caminho para fazer à esquerda?

A dúvida só terá resposta com os resultados concretos que saírem das urnas. Mas acentuam-se quando se sabe, já, que não haverá acordo escrito que segure um acordo parlamentar. Marcelo dispensou-o, aliás, sabendo que ele seria muito improvável - porque as circunstâncias históricas que o forçaram são irrepetíveis, como assinalou esta semana, ao Público, o deputado bloquista Pedro Soares, agora que está de saída do Parlamento. Sem acordo escrito, com várias linhas vermelhas marcadas no caminho, parece cada vez mais difícil um acordo sólido. E sem acordo, a grande questão do início da próxima legislatura é quem vai aprovar o primeiro Orçamento da segunda era Costa (sabendo nós que quem o fizer estará ‘preso’ para o resto da legislatura).

Ou, então, os resultados ditam uma geometria parlamentar completamente diversa daquela que tivemos até hoje. Com um PS muito mais próximo da maioria e já podendo dispensar os dois (ou pelo menos um dos) atuais parceiros. Lembra-se do que Costa disse a André Silva hoje? “Infelizmente o sr não chega para uma maioria absoluta”.

P.S. Da direita, pareceu sobrar pouco brilho. Assunção Cristas voltou a usar um tom menos agressivo para com António Costa, um estilo que veio depois dos resultados das europeias. E quanto a Fernando Negrão, acusou Costa de “mentir” sobre Pedrógão, ao mesmo tempo em que o líder do PSD dizia aos jornalistas (noutro local) que o partido não faz dos incêndios tema de “combate político). Ao mesmo tempo, também, que Rui Rio admitia ser “corajosa” a compra pelo Governo do SIRESP, uma compra que motivou há dias uma vincada desconfiança de Duarte Marques, deputado do PSD. Até ao Estado da Nação haverá tempo para afinações, mas deste último quinzenal não sobrou muito mais para contar daquele lado da bancada.