LEI DO ASILO NOS EUA

“Se Trump conseguir o que quer, os EUA regressam às leis das guerras mundiais”: a entrevista ao Expresso do homem que está a processar o presidente

Omar Jadwat, diretor do Immigrants' Rights Project, o braço legal de ajuda aos imigrantes do American Civil Liberties Union <span class="creditofoto">Foto Roselle Chen/REUTERS</span>

Omar Jadwat, diretor do Immigrants' Rights Project, o braço legal de ajuda aos imigrantes do American Civil Liberties Union Foto Roselle Chen/REUTERS

No mesmo dia em que Donald Trump decidiu impor por ordem executiva novas leis para quem quer pedir asilo nos Estados Unidos, Omar Jadwat estava pronto, com o seu exército de advogados, para lhe fazer frente. Já defendeu milhares de imigrantes e acredita que o Supremo Tribunal, hoje com uma maioria clara a favor dos republicanos, vai impedir o iminente “enorme falhanço moral” do país

Texto Ana França

Omar Jadwat, advogado e diretor do ramo de direitos dos imigrantes do American Civil Liberties Union, está com pressa. Mais ofegante a cada minuto que passa ao telefone com o Expresso, Jadwat está quase a correr para o tribunal federal de São Francisco, onde esta terça-feira deve continuar a argumentar contra a ordem executiva de Donald Trump que impede os imigrantes que entrem nos Estados Unidos fora dos postos fronteiriços de pedir asilo. O objetivo é que a vigência desta ordem seja posta em “pausa” até que os tribunais decidam qual a sua viabilidade legal - se alguma.

De acordo com o novo regulamento de admissão, os imigrantes ainda podiam pedir uma espécie de “travão à deportação” mas, nestas entrevistas, os agentes da Agência de Imigração exigem muito mais provas aos requerentes de que a sua vida esteja mesmo em perigo e, além disso, a proteção oferecida é muito mais baixa porque assim que o governo considere que a situação de determinado país já não justifica esse “travão”, a pessoa perderia o direito de estar nos Estados Unidos. Tudo isto se precipitou devido às notícias que mostram todos os dias milhares de pessoas, originárias na sua maioria dos violentos países da América Central, numa caminhada conjunta em direção à fronteira do México com os Estados Unidos.

Jadwat é um dos vários advogados que na sexta-feira processaram a administração de Donald Trump por violar a Lei da Imigração e da Nacionalidade e a Lei dos Procedimentos Administrativos, já que, no seu entender, o presidente não pode, por decreto e sem fazer passar a mudança da lei por ambas as câmaras do Congresso, modificar os requisitos de acesso ao asilo.

Foto Reuters

No documento que deu entrada no Tribunal Federal de São Francisco lê-se que o processo que a sua associação e outras moveram contra a nova lei de asilo é diretamente contra Donald Trump, não contra o Departamento de Imigração ou o de Segurança Interna. Porquê?

É o presidente que tem o ramo executivo. Estamos a processar o Governo porque o que eles estão a fazer é impedir pessoas de pedir asilo se chegarem aos Estados Unidos por qualquer outro local que não uma fronteira ‘oficial’. E isso é ilegal. A lei diz especificamente que toda a gente pode pedir asilo, independentemente do ponto de entrada e seja qual for o seu estatuto naquele momento. O que eles estão a fazer é atropelar totalmente a lei para alimentar uma agenda própria e isso é o contrário do que acontece num Estado de Direito e é contrário a todo o sistema legal norte-americano. Não se pode, só porque se gosta menos de uma lei, esmagá-la com um decreto.

Mas é mesmo ilegal? Ou é apenas, na sua opinião, bastante criticável que seja esta a forma que Trump escolheu de mudar uma lei? Não é um artigo da Constituição - esses sim. não se podem mudar.

Não cabe dentro dos poderes do presidente, nem dos do procurador-geral, decidir reverter uma lei - esta é uma análise legal. Este governo falha em entender os pressupostos básicos da construção de uma lei e os alicerces nos quais se sustenta o nosso sistema legal e o Estado de Direito no geral.

Alguns especialistas em lei da imigração dizem que enviar as pessoas para os postos de controlo 'oficiais' pode ser uma forma de atrasar a entrada e o processamento de pedidos de asilo por tempo indeterminado <span class="creditofoto">Foto Carlos Garcia Rawlins</span>

Alguns especialistas em lei da imigração dizem que enviar as pessoas para os postos de controlo 'oficiais' pode ser uma forma de atrasar a entrada e o processamento de pedidos de asilo por tempo indeterminado Foto Carlos Garcia Rawlins

E a outra análise, a ‘moral’, que tem feito no Twitter e nos seus artigos de opinião?

Sim, a lei também é isso. A ideia de que alguém possa tentar dificultar a vida a pessoas que estão a tentar entrar aqui para se escudarem de perseguições terríveis é inacreditável. Esta ordem afeta até às crianças, as que chegam sozinhas. Elas também não podem pedir asilo, apesar de obviamente elas não terem noção do ponto pelo qual estão a entrar nos Estados Unidos - e, mesmo que tivessem, é muito perturbador.

Isto também é mais uma tentativa de Trump de mostrar que as convenções internacionais vêm depois, porque ‘first’ vem a América?

É só mais um exemplo de como esta administração é diametralmente oposta ao que são as mais básicas leis internacionais de proteção de refugiados e de requerentes de asilo. Se eles conseguirem o que querem, os Estados Unidos estarão de costas voltadas para a sua responsabilidade moral de proteger pessoas em perigo iminente e de regresso às leis que, após a Primeira Guerra Mundial e mesmo durante a Segunda Guerra Mundial, impediram vergonhosamente refugiados perseguidos pelos nazis de entrarem no país. É mesmo um falhanço gigante sequer sugerir tal coisa.

Isto é como o chamado ‘Muslim ban’, que impedia a entrada a cidadãos de países maioritariamente muçulmanos e que acabou por ser aprovada pelo Supremo?

Não é bem e eu defendi muitos casos nessa altura. Até nessa altura em que o governo estava a defender as suas razões para este ‘muslim ban’, aperceberam-se de que não podiam pôr em prática uma lei que fosse completamente contra uma decisão do Congresso, que é o que se está a passar aqui. E é por isso que até o decreto que legalizou o ‘muslim ban’ tem uma alínea que salvaguarda os pedidos de asilo.

Considera então que até os republicanos consideram mais ou menos sagrado o direito de uma pessoa a pedir asilo nos Estados Unidos?

Sim. Tenho esperança que sim, pelo menos. Quando se estava a discutir este impedimento à entrada de pessoas provenientes de países de maioria muçulmana, nem advogados nem outros representantes do Departamento de Justiça algum dia colocaram em discussão a questão do asilo.

Dois membros do grupo que neste momento atravessa a América Central em direção aos Estados Unidos<span class="creditofoto">Foto Angel Hernandez/EPA</span>

Dois membros do grupo que neste momento atravessa a América Central em direção aos Estados UnidosFoto Angel Hernandez/EPA

Então e agora passa?

Eles estão a tentar saltar daí, no ‘muslim ban’, para coisas maiores, mais abrangentes, para conseguir reverter a lei do asilo, mas o que é certo é que nada do que saiu da decisão do Supremo [que acabou por aprovar o impedimento de entrada a certos grupos de pessoas depois de algumas mudanças], nenhuma posição tornada pública por algum juiz, nem sequer os argumentos da própria administração para justificar este impedimento, algum dia se focou na questão do asilo.

Mas o Supremo acabou por aprovar. E agora há uma maioria ainda mais conservadora.

Sim, passou mas apenas porque não entra em conflito com a lei aprovada em Congresso. Não apresenta os problemas legais que este ‘impedimento ao asilo’ representa: há uma clara instrução na lei que este decreto contradiz e não pode ser. Se o Supremo estiver lá para fazer valer a lei, acho que sairemos disto sem problema.

Teria então Trump que levar uma nova lei deste género a ambas as câmaras do Congresso para a ver aprovada?

Sim, precisamente. Os legisladores propõem-na ao Congresso e os representantes depois aprovam ou não. Mas Trump sabe que o Congresso jamais passaria essa lei, porque é contrária ao que a generalidade dos norte-americanos pensa.

Mas a ordem está assinada. E agora?

Agora temos que convencer o tribunal a colocar uma espécie de travão temporário à lei. Espero que esteja para muito breve essa decisão, é nisso que estamos concentrados agora: em que esta lei não se torne real até terminarmos todas as vias legais. Estamos agora à espera dessa decisão que pode prevenir a deportação de milhares de pessoas.

Vocês processaram a administração mesmo muito rápido. No mesmo dia. Como?

Nós tínhamos informação de que isto possivelmente iria acontecer e começamos a preparar-nos. Aí pusemos ‘a sexta’ e começamos a preparar tudo: os testemunhos, a base legal, os argumentos dos advogados todos, das associações.

Cerca de 70 mil pessoas entram nos Estados Unidos por ano com intenção de pedir asilo<span class="creditofoto"> Foto Carlos Garcia Rawlins/REUTERS</span>

Cerca de 70 mil pessoas entram nos Estados Unidos por ano com intenção de pedir asilo Foto Carlos Garcia Rawlins/REUTERS

E como é que se organiza uma coisa assim tão complexa, tão densa de informação?

Primeiro tivemos de esboçar o que se chama ‘queixa’, que é basicamente o resumo daquilo que queremos reverter ou impedir e das razões que temos para processar determinada empresa, departamento ou pessoa. Aí entram os factos que sustentam a queixa. Mas agora estamos noutro processo, que é o de ‘pausa’. Para esta parte temos de apresentar argumentos legais bastante mais detalhados. A parte mais difícil é a pesquisa: encontrar especialistas que nos escrevam, por exemplo, sobre os locais por onde a maioria das pessoas chega, as condições em que vivem nos países de onde vêm e coisas assim.

Tem esperança que este caso se resolva sem resultar, de facto, num impedimento permanente de requisição de asilo?

Tenho muita esperança porque a parte legal é muito forte contra aquilo que o governo está a tentar fazer. Vai além das interpretações ideológicas, mas é impossível prever casos como este.