Crónica

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RICARDO COSTA

O Bloco quer ser Governo. E isso não é um pormenor

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O Bloco de Esquerda deixou oficialmente de ser um partido de protesto ou de oposição. O processo de “governamentalização” do BE começou em 2015 quando decidiu apoiar o Executivo minoritário socialista, consolidou-se nas sucessivas negociações orçamentais, ganhou forma no discurso dos seus dirigentes e terminou agora. A Convenção deste fim de semana passou a escrito aquilo que era progressivamente evidente: o Bloco sabe ao que vem e não tem receio de o dizer, pelo contrário, acha isso relevante para se diferenciar do PCP e, em simultâneo, não entregar o voto útil ao PS.

Se a estratégia é boa ou não, só as eleições o poderão mostrar. Mas esta mudança é muito relevante no nosso sistema partidário, que alarga oficialmente o chamado “arco da governação” e muda a história do Bloco para sempre. O partido – ou conjunto de partidos – viveu sempre sob o chamado dilema dos Verdes alemães: deve ou não um partido que já é muito relevante na influência do poder dar o salto para soluções de Executivos?

Depois da guinada à esquerda do PS e do apoio a um Governo por parte do PCP, esta é a terceira grande mudança da esquerda portuguesa em apenas três anos

Pelos vistos, a resposta coletiva é sim. Francisco Louçã já afirmava isso há algum tempo. O ex-líder foi a candeia que alumiou o caminho de outros dirigentes, balanceando progressivamente o discurso de exigências com algumas cedências, mas sublinhando sempre as vitórias conseguidas. Esse passo no sentido da negociação e do compromisso foi um pouco afetado pelas autárquicas, mas apenas para ser retomado mais à frente.

Enquanto o PCP se foi mostrando cada vez menos inclinado a repetir a atual solução de Governo, o Bloco passou a querer influenciar a governação por dentro. Ou seja, perante os maus resultados das autárquicas, o PCP preferiu preparar o caminho de regresso à sua posição natural no xadrez partidário; ao contrário, o Bloco entendeu que deve ter uma posição mais afirmativa e arriscada.

É cedo para se perceber se o eleitorado leva a sério esta evolução e se ela joga a favor do Bloco. Mas esta mudança não é um pormenor. Depois da guinada à esquerda do PS e do apoio a um Governo por parte do PCP, esta é a terceira grande mudança da esquerda portuguesa em apenas três anos. Temos passado muito tempo a discutir a configuração da direita e do centro-direita, mas a verdade é que as alterações mais estruturais têm ocorrido todas à esquerda. E vão todas no sentido de alargar as soluções de poder.