Crescimento

OCDE quer mais despesa pública na zona euro… mas ‘com juizinho’

Ángel Gurría, secretário-geral da OCDE, apelou a que a Alemanha e Holanda avancem com um programa de estímulos durante três anos equivalente a 0,5% do PIB por ano <span class="creditofoto">Foto Abdulhamid Hosbas / Anadolu Agency /Getty Images</span>

Ángel Gurría, secretário-geral da OCDE, apelou a que a Alemanha e Holanda avancem com um programa de estímulos durante três anos equivalente a 0,5% do PIB por ano Foto Abdulhamid Hosbas / Anadolu Agency /Getty Images

A zona euro precisa de um programa de estímulos orçamentais liderado pela Alemanha para fazer face a um crescimento mais do que medíocre e a uma escalada na guerra comercial entre os EUA e a China no verão. Mas a recomendação do Economic Outlook não é para todos. Portugal, por exemplo, deve manter a estratégia de consolidação orçamental para baixar a dívida

Texto Jorge Nascimento Rodrigues Infografia Carlos Esteves

Ángel Gurría, o secretário-geral da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE), repetiu esta terça-feira várias vezes em Paris que o crescimento mundial vai ser medíocre e que ainda poderá piorar se houver uma escalada da guerra comercial no verão.

Uma das recomendações que deu foi para a zona euro avançar com um programa de expansão orçamental, sobretudo por parte da Alemanha e da Holanda. Mas o apelo que fez ao gasto público é para ser levado a cabo “com juizinho”, como diria a personagem Diácono Remédios imortalizada por Herman José. Berlim e Haia devem atuar cirurgicamente e os restantes países do euro que têm problemas de dívida devem ter ainda mais “juizinho”. Devem apenas tomar medidas que, no plano orçamental, sejam neutras.

O porquê do apelo do mexicano está nas previsões divulgadas esta terça-feira. Se um crescimento mundial de 3,2% é considerado medíocre por Gurría, imaginem o que dizer de 1,2% na zona euro, 0,7% na Alemanha, considerado o ‘motor’ da moeda única, e zero por cento em Itália, ou mesmo 1,3% em França. São previsões preocupantes do Economic Outlook da OCDE para o espaço da moeda única divulgadas em Paris.

É verdade que há dois meses a OCDE ainda era mais pessimista sobre a zona euro. Apontava para 1% este ano e 1,2% no próximo ano. Ainda que fosse mais otimista sobre a economia mundial, que deveria crescer mais uma décima este ano. Nestes dois meses, com indicadores do primeiro trimestre mais animadores para a Alemanha (que saiu da estagnação) e para Itália (que saiu da recessão), os economistas da organização resolveram rever em alta as previsões.

Mas se o leitor acha que tanto uso do termo medíocre é pessimismo a mais, então ouça o aviso da organização chefiada por Gurría. A economia mundial pode abrandar ainda mais se a escalada na guerra comercial for total. Pode passar de medíocre a péssimo o crescimento. As previsões avançadas esta manhã ainda não contabilizam os efeitos negativos da subida das taxas alfandegárias pelos Estados Unidos, este mês, e a retaliação da China, que entrará em vigor em junho. Nos pressupostos ainda se considera que o Brexit será ‘suave’ e que o preço do petróleo andará pelos 70 dólares este ano e no próximo, sem choque petrolífero engendrado por conflitos geopolíticos.

Política concertada na zona euro

Gurría apela, por isso, em particular à zona euro, para uma ação coordenada. A recomendação ocupa mesmo todo um destaque de três páginas no relatório.

Na zona euro, é preciso uma política concertada, implicando esforços de reformas estruturais e estímulos orçamentais onde houver folga orçamental para tal e excedentes externos elevados. A OCDE nomeia nominalmente a Alemanha e a Holanda e pede-lhes um programa de expansão orçamental para três anos em que apliquem 0,5% do PIB em investimento.

O gasto público no dois países deve privilegiar medidas que tenham um efeito multiplicador elevado. Multiplicador foi uma palavra a que nos habituámos depois dos enganos do Fundo Monetário Internacional a calculá-lo no tempo do programa da troika.

A OCDE diz mesmo que Berlim e Haia não devem ter medo dos multiplicadores, pois estes até poderão “ser mais elevados do que noutras ocasiões”, no atual contexto de queda das taxas de juro. A organização de Gurría diz mais: o tradicional risco de, com mais gasto público, excluir e afugentar o investimento privado – a que os economistas chamam de crowding out, e que também ouvimos durante o programa da troika – “é reduzido”.

Se a zona euro avançasse para um plano deste tipo, o ganho no PIB poderia chegar a 1% adicional no longo prazo em relação ao produto previsto no cenário atual da OCDE (ver gráfico). Os efeitos dos estímulos orçamentais seriam maiores nos três primeiros anos, mas depois iriam perdendo gás, o que exige que o conjunto da zona euro persista nas reformas estruturais ao longo do período de emergência e depois. Por reformas estruturais, desta vez, o relatório da OCDE só fala da liberalização do mercado de produtos, sobretudo na área dos serviços, e em medidas que encorajam as empresas da zona euro a expandirem e melhorarem a qualidade do stock de capital e a inovarem.

O grupo dos interditos

Na outra face da moeda estão os que não devem meter-se em despesismo público. E esses são todos os que não têm folga orçamental e que, pelo contrário, têm de continuar a fazer consolidação orçamental e a baixar o rácio elevado da dívida.

Os que estão literalmente proibidos de o fazer são, na zona euro, a Itália e a França, e a OCDE pede prudência à Bélgica e Espanha. “Onde a margem orçamental estiver atualmente limitada, [os governos] devem abster-se de medidas de estímulo adicional que possam aumentar o prémio de risco da dívida”, diz o relatório.

Ora, claramente à revelia, a Itália e a Bélgica vão aumentar o défice em percentagem do PIB entre 2018 e 2020 e a França e a Itália vão engordar o peso da dívida no PIB no mesmo período (ver gráfico).

Portugal faz parte dos bem comportados, apesar da OCDE considerar que Mário Centeno não vai conseguir descer o défice para 0,2% do PIB este ano e obter o primeiro excedente da democracia no ano seguinte. A OCDE aponta para a manutenção de um défice de 0,5% do PIB em 2019 e de uma redução apenas para 0,2% em 2020 no caso das contas portuguesas. No fundo, o ministro das Finanças que estiver à frente do Tesouro depois das eleições de outubro só conseguirá no próximo ano os 0,2% previstos para este ano.

Impõe-se a pergunta: então o que podem fazer os que estão interditados de fazer expansão orçamental? Além das reformas estruturais – que são remédio para todos –, Portugal e os do grupo da dívida alta e com folga apertada devem “contudo, olhar para mudanças que, em termos orçamentais, sejam neutras, e que possam fortalecer o crescimento e torná-lo mais inclusivo”.

É claro que tudo isto só funciona se o Banco Central Europeu mantiver as taxas diretoras “por um período longo” que permita “sinergias importantes” com as políticas orçamentais e de reforma estrutural que estejam a ser levadas a cabo.