Justiça

“As máfias da Geórgia atuam em Portugal e estão envolvidas em vários tipos de criminalidade”

Tráfico de droga internacional é o negócio mais lucrativo das máfias, assegura o especialista italiano em crime internacional <span class="creditofoto">Foto Luís Forra/Lusa</span>

Tráfico de droga internacional é o negócio mais lucrativo das máfias, assegura o especialista italiano em crime internacional Foto Luís Forra/Lusa

O escritor italiano Federico Varese elege a Ndrangheta, da Calábria, como a mais poderosa das máfias. É ela quem controla os portos do Mediterrâneo e os navios provenientes da América latina carregados de cocaína. Varese revela outros segredos do submundo do crime internacional com ramificações a Portugal

Texto Hugo Franco

Federico Varese entrevistou nos últimos anos alguns dos mais influentes membros da máfia internacional e escreveu sobre os bastidores de organizações secretas e ilegais como a Cosa Nostra, a Yakuza, as tríades japonesas ou as máfias pós-soviéticas. Na conversa com o Expresso, este professor de criminologia da Universidade de Oxford aprofundou algumas das pistas deixadas no seu mais recente livro “Mafia Life” [editora “Saída de Emergência”] sobre Portugal e as ligações das máfias georgianas ao nosso país.

Ao escrever o livro, o que descobriu sobre as ligações das máfias transnacionais com Portugal?

Descobri um caso de um mafioso de nacionalidade georgiana chamado Kvicha que terá cometido um homicídio em Bari, Itália, em 2012, e depois fugiu para Portugal. O crime foi perpetrado contra um outro georgiano de um clã rival. Kvicha matou porque queria deter um título de topo na hierarquia da organização mafiosa georgiana a que pertence.

Tem investigado sobre a presença dos mafiosos georgianos em Portugal? Há poucas semanas, a Justiça portuguesa libertou, por questões formalistas, um membro da Vor v Zakone, poderoso clã da República da Geórgia, que estava em prisão preventiva há mais de um ano no Estabelecimento Prisional de Lisboa e sobre quem recaía um mandado de detenção europeu das autoridades italianas...

Sim, conheço esse caso recente. Há também um outro processo que envolve um grupo de 36 georgianos acusados há um ano pelo MP português de cometer assaltos em residências. Quanto a Kvicha, acabou por ser preso em 2013, por outras razões, em Portugal, e depois extraditado para Itália para ser julgado pelo homicídio em Bari. Estes clãs das máfias pós-soviéticas estão atualmente presentes na Grécia, Itália e também em Portugal. Estão envolvidos em assaltos a casas, o que à partida parece um crime menor. Mas não devemos substimá-los. Estão muito bem organizados e com relações por toda a Europa. Não acredito que resumam as atividades a este tipo de crimes.

As autoridades portuguesas devem estar preocupadas com esta máfia da Geórgia?

Há investigações em curso sobre eles. Devem preocupar-se sobretudo com a entrada deles noutro tipo de crimes como o tráfico de droga, de armas ou a extorsão. Na Grécia ou Itália, os georgianos já atuam fora do seu território habitual. As polícias devem também ter em atenção as suas ligações internacionais. Em Itália, existe uma grande população prisional de reclusos oriundos destes clãs, que não têm medo de ser presos.

Estes clãs georgianos têm regras rígidas e um grande poderio financeiro tal como outras máfias internacionais?

Sim, descrevo os seus rituais, regras e tatuagens ao pormenor no livro. Quanto ao dinheiro que detêm, as fontes da polícia asseguram-me que são extremamente ricos. Esta quantidade de dinheiro não pode ser justificada apenas com os roubos em casas e apartamentos. Suspeita-se que possam estar envolvidos também em negócios do petróleo ou do gás natural.

Federico Varese esteve em Portugal a promover o livro “Mafia Life” <span class="creditofoto">FOTO D.R.</span>

Federico Varese esteve em Portugal a promover o livro “Mafia Life” FOTO D.R.

Estando os clãs georgianos espalhados pela Europa, torna-se mais difícil combatê-los?

Os chefes dos clãs movem-se por todo continente, de carro. A Europa tem as fronteiras abertas mas tem também organizações europeias que combatem as máfias transnacionais e partilham informação entre elas: Europol, EuroJust, por exemplo. Essa partilha das bases de dados entre organizações e países europeus é essencial para combater estes fenómenos criminosos.

Depois de entrevistar mafiosos de vários países e de falar com as suas fontes nas diferentes polícias, pôde concluir sobre qual a máfia mais poderosa do mundo?

Talvez as italianas. Em especial a Ndrangheta, da Calábria. Eles detêm o controlo dos portos naquela região e dos navios que chegam ao Mediterrâneo provenientes da América latina com cocaína. Detêm muito poder e dinheiro.

Qual acha que é o negócio mais lucrativo destas máfias?

A droga, como a heroína e sobretudo a cocaína. Mais do que o trafico de armas. É preciso recordar que a Colômbia tem hoje o mais alto nível de produção de cocaína de todos os tempos. Mesmo depois de Pablo Escobar ter morrido. Esta produção vai continua a subir. E organizações como a Ndrangheta a lucrar.