Take two: o bolsotrumpismo ensaia-se uma outra vez
Diz Bolsonaro para Trump, lado a lado no jardim da Casa Branca, há uma semana: “o que nos une é sermos contra a ideologia de género, o politicamente correto e as fake news.” Desconte o servilismo da tentativa de seduzir o chefe com a repetição do seu mantra, ou de reduzir a política a três mistérios. E perguntemo-nos como é que as direitas portuguesas mostram ter reagido a este episódio.
Terão reagido com um frémito de vergonha, com um envergonhado “logo eu”, ou, eu que ando a invetivar a “ideologia de género”, e agora revela-se que sou instigado por aqueles dois, que são vagamente infrequentáveis, ou pelo menos que tenho que dizer que me provocam alguma repulsa ou que, dos quais, definitivamente, nada me aproxima? Nada disso, note bem como em poucos meses se fizeram anos luz de caminho. Esta velocidade é que revela o novo mundo que se está a formar na radicalização das direitas que, sem vergonha e antes com garbo, se vai transformando em lumpendireita, como sugeria há semanas uma das suas inspiradoras. Assim, a tomar em consideração a cerimónia oficiada por Miguel Morgado na fundação de um pomposo M5.7, que se pretende apropriar da memória da AD de Sá Carneiro, Freitas do Amaral e Ribeiro Telles, dos quais aliás tudo os separa, foi mesmo com orgulho que se sentiram representados no resumo lapidar de Bolsonaro.
A este ritmo e, como lembra Steve Bannon em entrevista curiosa ao El Pais, como só estamos a sessenta dias das eleições europeias, teremos um frenesim de ensaios
De facto, foi assim que Morgado, ao lado de uma deputada do CDS e de um representante de um partido estreante, apresentou o seu guião, não passa um par de meses depois de ter exaltado o país com um tremendo “estou a ponderar muito a sério a possibilidade de ser candidato” contra Rui Rio. Foi a repetição, tintim por tintim, da jura dos jardins da Casa Branca. Estamos agora aqui por causa da “ideologia de género”, lembrou desta vez, sem grandes delongas sobre essa torpe conspiração das mulheres que querem tomar conta do mundo condenando a violência doméstica, portanto humilhando os coitados dos homens. Acrescentou, numa leve evocação dos neoconservadores da geração anterior, que precisa dos democratas-cristãos para trazer a moral para a política (com Bolsonaro vai-se mais diretamente ao “voto de Deus”, mas isto para já serve). E tudo contra o “politicamente correto” e os social-democratas que são socialistas, os malandrins infiltrados ao serviço do Dr. Costa, porque há um “inverno” socialista em que as empresas são desmerecidas e certamente lhe falta o carinho dos subsídios públicos, acusação aliás injusta para Centeno. Embrulha-se tudo isso com uma conclusão, há uma nuvem de corrupção que, como não se sabe onde começa e onde acaba, está em todo o lado, de Belém a S. Bento.
Dir-me-ão que este take two, depois desse episódio exuberante que foi o coming-out do deputado Bruno Vitorino na semana anterior, vem depressa demais, é demasiado Neto de Moura, é esotérico demais, cheira demais a CDS à caça no PSD, e que não faz um Tea Party quem quer mas quem consegue. Será certo. Mas, a este ritmo e, como lembra Steve Bannon em entrevista curiosa ao El Pais, como só estamos a sessenta dias das eleições europeias, teremos um frenesim de ensaios.
Em Portugal, como só lhes pode correr mal, ou para já só Ventura poderia tentar traduzir em votos esta demanda, o que não lhe é fácil, resta reduzir todo o movimento glorioso do contra-a-ideologia-de-género-e-contra-o-politicamente-correto a uma disputa dentro do PSD, acolitada pela malta do Observador e para já unicamente subordinada ao grande objetivo patriótico de fazer o Morgado figurar nas listas do partido para deputados. É poucochinho, mas um pequeno passo para a humanidade é um grande passo para quem “pondera muito a sério” anunciar-se como o prometido.