Andamos nisto

Andamos nisto

Bernardo Ferrão

Depois dos amarelos virão os vermelhos

Contactos do autor

Houve um tempo em que as vacas voavam. Tudo corria bem a António Costa: Portugal era o exemplo de que Bruxelas precisava e o Governo soube apanhar a onda. McNamara não faria melhor. Do défice à Eurovisão, da Nazaré e do turismo às agências de rating, o país conseguiu provar que era possível dar a volta. Mas, mais importante, Costa e Centeno mostraram aos radicais da escola de Chicago que o seu modelo económico assente na devolução de rendimentos e nos impostos indiretos daria frutos. O problema é que esse modelo começa a apresentar sinais de desgaste. Em alguns sectores já saímos do amarelo. Agora são os sinais vermelhos que piscam.

António Costa até pode esfregar as mãos de contente. O protesto dos ‘amarelos’ foi pífio. Perante o que vimos, poderíamos até concluir que não há reclamações a fazer e que está tudo bem. Mas não é assim, acontece é que este tipo de protestos – inorgânicos e com potencial de radicalização – não encaixam com o perfil dos portugueses, sobretudo numa sexta-feira, véspera de Natal. No caso dos nossos ‘coletes amarelos’, não havendo um motivo específico, como houve na ponte 25 de Abril com as portagens ou em França com o aumento do preço do gasóleo, o protesto perdeu-se no amadorismo e sobretudo na ausência de foco.

É curioso que o ano termine com este faits divers importado, quando é fácil antecipar que 2019 será a valer. No ano de todas as lutas e soltas das amarras da geringonça, as esquerdas vão carregar nas tintas. Entre greves, pré-avisos, negociações e protestos serão mais de 20 as profissões e corporações que vão gritar palavras de ordem, pondo fim ao discurso da paz social.

A frágil situação dos serviços do Estado, como na Saúde, vem provar que a forma como foi feito o ajustamento nestes anos já não é sustentável. Costa teve o mérito de conseguir virar a página mas terá de reinventar o modelo. Quando vemos tanta coisa a cair, é difícil continuar a acreditar em vacas voadoras

As últimas previsões do Banco de Portugal vieram confirmar que as nuvens cinzentas estão de facto a aproximar-se. O cenário permite ao primeiro-ministro carregar na narrativa do medo e apresentar-se como o garante da estabilidade – até já se acena com a bancarrota –, mas diz-nos também que terá sérios impactos no ambiente necessário para se alcançar uma maioria absoluta: faltará otimismo, confiança e equilíbrio social. A sorte de Costa é que tem Rui Rio a ajudá-lo, dando-lhe o centro de mão beijada e tornando-o, cada vez mais, a única solução para o eleitor moderado que não quer as esquerdas a mandar outra vez. Costa que acabou com o voto útil pode vir a beneficiar com ele.

O chefe do Governo mostrou-nos nos últimos dias como bem sabe interpretar os sinais dos tempos. Entendeu-se com os estivadores, mandou pedir desculpa aos enfermeiros e até reconheceu que o Estado falhou no caso do helicóptero – colando-se a Marcelo – e anunciando, e bem, um magistrado único para o caso. Não sei se será o suficiente para virar a página de uma notória arrogância que tomou conta de São Bento mas, pelo menos, é uma mudança de estilo já a pensar no próximo ano.

O problema é que isso já não chega. O melhor momento do crescimento já passou e mesmo esse foi modesto. A frágil situação dos serviços do Estado, com a Saúde à cabeça, vem provar que a forma como foi feito o ajustamento nestes anos já não é sustentável. Costa teve o mérito de conseguir virar a página e recuperar a confiança, mas terá de reinventar o modelo que até aqui viveu de cativações e impostos indiretos. Quando vemos tanta coisa a cair, é difícil continuar a acreditar em vacas voadoras.